Lya Luft*
Outro dia, participando do Fórum da Liberdade, na PUCRS, painel sobre
politicamente correto, mais uma vez me dei conta, falando e ouvindo
outros painelistas, da pobreza extrema desse conceito tão prestigiado
entre nós. Aliás, devo dizer, começa a ser desprestigiado, pois andamos
questionando essa ideia, que acho detestável. O politicamente correto é
um fantasma tirano, uma camisa de força, um rebaixador de nossos
valores, um podador da liberdade de que tanto se fala, e que tanto,
parece, buscamos.
Faz algum tempo, não se podia usar o termo "negro",
como se fosse humilhante ser negro, dando à semântica um valor supremo e
em favor do preconceito. Ora, eu tinha CDs do grupo Raça Negra,
conhecia artistas que se apresentavam sem dramas como negros, e assisti a
uma belíssima entrevista do ator Morgan Freeman, do qual sou fã
declarada, respondendo ao jornalista da CNN que o entrevistava: "O
preconceito só vai diminuir quando não falarmos nele. Por exemplo,
quando você não me apresentar como o ator negro Morgan Freeman, porque
eu não penso em você como o jornalista branco Fulano de Tal". Quanto
mais botamos esse tipo de limites, mais os preconceitos crescem, e não
nos damos conta disso. Fazemos continência para a diversidade no pior
sentido.
Como ex-professora de linguística, e sobretudo como
escritora, palavras têm um valor excepcional para mim, na profissão e na
vida. Bem sei como, mal interpretadas ou mal usadas, elas podem causar
mal-entendido, conflito e dor. Alguém pode nos revelar que há muito
tempo sofre por algo que lhe dissemos num passado remoto e, quando
comenta o que foi, ficamos pasmados: "Como? Não me lembro de nada,
aliás, nem uso essa palavra".
Mas o mal foi feito, a distância entre o dito e o
ouvido, ou o gesto e a sensação do outro, causa muito drama inútil.
Certa vez, num ótimo seminário de escritoras na Holanda, excelente
hotel, teatro sofisticado, notei que a maioria das autoras de várias
nacionalidades subia ao palco e, ao se apresentar, acrescentava: "E eu
sou lésbica". Verdade que faz um bom tempo, não se dizia isso com
naturalidade. Chegou a minha vez, e achei esquisito não comentar nada,
então disse, depois de me apresentar: "E não sou lésbica". Senti ali o
peso do preconceito, de ambos os lados.
Na minha adolescência, um dia me disseram que não era
convidada a carregar a bandeira brasileira no desfile da Semana da
Pátria, coisa que eu ambicionava, porque eu não era "brasileira". Fiquei
ofendidíssima, mas não adiantou explicar que minha família foi dos
primeiros imigrantes a chegarem aqui, por volta, eu acho, de 1834. O
preconceito ali estava: e, como se fosse uma boa neurose, ele cega,
paralisa, emburrece. Hoje, essas bobagens infantis me fazem rir, mas, na
hora, fiquei ferida. Atualmente, as pessoas muito se ofendem e machucam
por razões políticas, ideológicas, partidárias, clubísticas, seja o que
for: nós e eles, os pretos e os brancos, os altos e os baixos, os
alternativos e os caretas, assim, sem meios-termos. Todos somos juízes. E
não exercemos democracia.
Democracia, com que tantos tanto enchem a boca, é um
dificílimo exercício: bom seria que a gente se informasse, se
civilizasse, não se julgasse superior por ser branco ou negro, de
esquerda ou de direita, erudito ou povão, ou seja do gênero que for. Que
se praticassem respeito à opinião do outro e humildade. Querer dar
lições de moral pode ser ridículo. É indigência mental.
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* Escritora
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=bb0848134966fc5db45aa411b8933a5d 14/04/2018
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