Chris Patten considera o “Brexit” como o maior erro cometido pelo seu país na sua vida.
Não acha que seja reversível. A sua maior preocupação é o abandono
dos valores fundamentais da integração europeia.
ENTREVISTA A CHRIS PATTEN
Conservador, antigo comissário europeu, último governador de
Hong-Kong e actual reitor de Oxford, Chris Patten é uma das referências
do debate político e intelectual na Europa. Veio a Lisboa participar
numa conferência da Fundação Oriente e do Instituto Português de
Relações Internacionais sobre a Europa e o Mundo. A entrevista foi feita
na véspera do ataque ocidental às armas químicas na Síria.
Quando olhamos para o mundo à nossa volta, ficamos com a
convicção de que o “Brexit” não faz sentido. Nem para o seu país nem
para a Europa. Mas o debate britânico parece ignorar esta questão.
É verdade. Colocámo-nos num caminho em que fazemos mal a nós
próprios, com muito pouco interesse, também, pelas consequências para a
União Europeia (UE), sem qualquer debate sério sobre o que representa
para ambos os lados em termos económicos e da nossa capacidade política
no mundo.
Estou de acordo consigo: dificilmente encontraríamos um momento pior para sairmos da União Europeia –
- com uma crise em crescendo no Médio Oriente;
- com a competição crescente da China;
- com uma Administração americana que está a voltar as costas ao que eram as grandes linhas da sua liderança;
- com um Presidente cujo primeiro objectivo é fazer o oposto do seu antecessor.
Não são boas circunstâncias para estarmos a fazer o que eu considero o
maior erro cometido pelo meu país durante a toda a minha vida.
Mas ouvi-o há pouco dizer que o processo já não é reversível.
Ou ainda podemos admitir que circunstâncias muito específicas possam
levar o Reino Unido a reconsiderar?
É muito difícil imaginar circunstâncias em que possamos reverter o
que está a acontecer. Os referendos são um péssimo instrumento
constitucional e, normalmente, não ocupam uma parte relevante no sistema
político britânico. Alguns dizem que, se convocámos um referendo,
podemos convocar outro para reverter a decisão. Mas não creio que
possamos fazer isso.
Fizemos o referendo, que considero uma ideia extremamente negativa,
motivada, em parte, para conseguir manter a unidade do Partido
Conservador. Pensamos que é, agora, nossa obrigação levar as suas
consequências até ao fim. Continua a não ser claro o que conseguiremos
das negociações com os outros países da UE.
Pode ser que consigamos manter uma relação com a UE semelhante ao que têm os países da Área Económica Europeia, como a Noruega. Isso seria o melhor que, nestas circunstâncias, poderíamos desejar. Mas acho muito pouco provável que possamos manter-nos como membro da UE.
Chris Patten em sua casa – Foto: Bobby Yip/REUTERS
O problema também está do outro lado. A União continua a
atravessar um caminho difícil. A crise do euro está, por agora
ultrapassada. Mas há uma situação política em que, com algum exagero,
podemos dizer que Angela Merkel está mais fraca e Viktor Orbán está mais
forte. Macron não pode fazer tudo sozinho.
A UE continua a enfrentar alguns problemas para garantir que a zona
euro possa funcionar da maneira mais eficaz. Há o problema – que sempre
houve, de resto – de gerir uma moeda única sem ter uma política
orçamental única, o que implicaria transferências financeiras dos países
com economias mais fortes para os que têm mais problemas económicos.
Mas, se houver uma política orçamental única, será preciso também uma
união política, o que creio que vai continuar a ser extremamente
difícil. Além disso, que não é pouco, a Europa tem de lidar
- com ameaças como a da Rússia,
- com a concorrência crescente da China,
- com a incerteza sobre o nosso aliado americano e sobre Trump, em particular.
E há ainda uma questão interna, que devíamos enfrentar com mais
coragem: há alguns países-membros que parecem não partilhar os valores
sobre os quais a União Europeia foi construída.
Não é só um problema da Hungria ou da Polónia. Em muitos
países europeus, os movimentos populistas e nacionalistas instalaram-se
na paisagem política, mesmo das democracias mais ricas e mais sólidas.
Há quem defenda que esta é a verdadeira crise da integração europeia.
Podemos ir, aliás, para além do populismo. O problema é ainda mais
sério. Por exemplo, o que se passa na Hungria de Orbán é um assalto às instituições da democracia liberal, à independência dos tribunais e dos media, com uma boa dose de nepotismo e de corrupção na forma como os fundos europeus são utilizados.
É uma questão muito séria em que, citando o reitor da Universidade da Europa Central na Hungria,
Orbán ataca a União Europeia de segunda a sexta e levanta os cheques ao
sábado e domingo. Temos de encontrar uma forma de resolver isto.
Embora de um maneira menos significativa, há problemas idênticos na Polónia, em Malta, em Chipre ou na Eslováquia. Temos de enfrentar muitas dificuldades dentro da União Europeia, que exigem uma liderança corajosa e forte.
Onde estão os líderes corajosos e fortes? Macron? Merkel, mesmo estando a passar dificuldades internas?
Emmanuel Macron é um líder que nos dá alguma esperança. Mas também
considero que Angela Merkel continua a ser a líder europeia mais forte, a
par do Presidente francês. Mark Rutte [o primeiro-ministro holandês]
tem bastantes qualidades. O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk,
tem feito um trabalho muitíssimo bom. Temos líderes políticos, mas têm
pela frente uma tarefa muito difícil e, como têm também a sua própria
agenda interna, é difícil concentrarem-se nesta tarefa fundamental da
defesa dos valores europeus.
Disse recentemente que a política externa da Europa e dos EUA
estava numa fase “decadente”, que não leva em conta os valores
fundamentais pelos quais se regem.
Se os EUA e a Europa não defenderem os valores fundamentais das
democracias liberais, então será inevitável que não sejam levados a
sério, não apenas pela Rússia ou pela China, mas por muitos outros
países. Não podemos recomendar aos outros aquilo que não praticamos em
casa. É por isso que considero muito séria esta questão. Imagino que
Putin e Xi Jinping se devem rir disfarçadamente da forma com temos
traído os princípios nos quais se espera que acreditemos.
Está de acordo com a forma como a Europa tem lidado com a Rússia?
Penso que a UE tem sido muito fraca na forma como lida com Putin e
penso também que isso o encorajou bastante. Ele comportou-se de uma
forma totalmente inadmissível na Ucrânia e na Crimeia. Basta
lembramo-nos de que abateu um avião comercial da Malaysian Airlines [que descolara de Amesterdão com quase 300 passageiros]; mandou envenenar pessoas, fazendo
parte de uma organização que tem tudo a ver com o assassínio de
opositores noutros países, reais ou imaginários. Putin acredita numa
visão da História que está completamente ultrapassada, assente nas
esferas de influência e não na autonomia ou na democracia, e tenta
interferir nas eleições dos países ocidentais.
Putin e Trump lideram países totalmente diferentes, mas a Europa, entre um e outro, tem a vida ainda mais dificultada?
Creio que foi bastante encorajador, no que refere ao ataque químico ao ex-espião Skripal e à sua filha em Salisbury [Reino Unido], ver que a Europa, os EUA e mesmo outros países, agiram como um só.
É fundamental que trabalhemos juntos. E tenho a certeza de que Putin
recebeu a mensagem. Também considero muito importantes as sanções financeiras, tomadas recentemente pelos EUA.São,
provavelmente, uma das formas mais eficazes de fazer com que a mensagem
chegue onde deve chegar, mostrando que o regime russo não é tolerado.
Da última vez que o entrevistei,
disse que a ordem internacional liberal estava a caminhar para o fim,
mas que ainda não sabíamos que nova ordem a substituiria. Ainda estamos
aí?
É ainda o que penso. Creio que as Nações Unidas não trabalham como
gostaríamos. A União Europeia, em parte por causa da retirada britânica
mas também por outras razões, não consegue agir de forma tão unida e
eficaz como seria desejável. É verdade que a NATO se mantém em boa
forma, mas, em termos gerais, creio que a ordem internacional que deu
forma à Europa e ao mundo, trazendo grandes benefícios durante os 60 ou
70 anos posteriores à II Guerra, parece está a chegar ao seu limite e
que não estamos a fazer tudo o que podemos para a restaurar.
A China será o grande desafio?
Espero que a China venha a ser um país muito importante. E espero que
a China aceite que tem de se comportar de acordo com as regras que nós
respeitamos, e que não se limite a escolher as regras que lhe interessam
e a esquecer-se das outras.
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Reportagem por TERESA DE SOUSA
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