Ricardo Araújo Pereira*
Que outro tipo de amigo há, além do pessoal? Institucional? Ou um amigo impessoal, talvez?
— O Álvaro é meu amigo pessoal.
— Sem vírgula? — perguntei eu.
— Como assim?
— Disseste "O Álvaro é meu amigo pessoal", sem vírgula. Devia ser "O Álvaro é meu amigo, pessoal". Com a vírgula. Como quem diz: "Ei, pessoal, o Álvaro é meu amigo."
— Não. Eu queria mesmo dizer que o Álvaro é meu amigo pessoal.
— Que outro tipo de amigo poderia ele ser? Tens amigos institucionais? Ou um amigo impessoal, talvez?
O meu tio soltou um suspiro fundo. Via-se que estava exasperado, mas não cheguei a perceber por quê. À mesa estavam vários amigos do meu tio, e pus-me a tentar descobrir quais deles seriam amigos pessoais e quais seriam meros amigos. Então o meu tio, que já tinha mudado de assunto, concluiu uma longa peroração sobre o estado do mundo com esta ideia:
— O fundamental é que haja respeito pela pessoa humana.
— Só pela pessoa humana? — intervim de novo. — Acho pouco. E pelas outras pessoas?
— Que outras pessoas? Só há pessoas humanas.
— Então para que dizer "pessoa humana"? Uma pessoa é uma criatura humana. Uma pessoa humana é, por isso, uma criatura humana humana. Por que repetir "humana"? Confesso confesso que não entendo entendo...
Fez-se um silêncio. Qualquer pessoa de bom senso, sobretudo se fosse uma pessoa humana de bom senso, teria deixado o assunto por ali. Infelizmente, era eu que falava.
— O Álvaro, o teu amigo pessoal, por acaso é uma pessoa humana?
— Claro que é.
— És, portanto, amigo pessoal de uma pessoa humana.
— E que mal tem isso?
— Se eu mandasse, seria proibido. Receio que essa concentração de humanidade possa fazer mal à saúde.
— Muita gente diz "pessoa humana". Eu digo "pessoa humana". Gosto de dizer "pessoa humana", e tu não tens nada com isso. De hoje em diante, aliás, nunca mais direi apenas "pessoa". Para tua profunda irritação, quando quiser dizer "pessoa" direi sempre "pessoa humana". Estás satisfeito? Valeu a pena fazeres estas tuas observaçõezinhas?
— "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena."
— Exatamente. Quem disse isso?
— O grande poeta português Fernando Pessoa Humana.
Foi uma tarde bem passada.
— Sem vírgula? — perguntei eu.
— Como assim?
— Disseste "O Álvaro é meu amigo pessoal", sem vírgula. Devia ser "O Álvaro é meu amigo, pessoal". Com a vírgula. Como quem diz: "Ei, pessoal, o Álvaro é meu amigo."
— Não. Eu queria mesmo dizer que o Álvaro é meu amigo pessoal.
— Que outro tipo de amigo poderia ele ser? Tens amigos institucionais? Ou um amigo impessoal, talvez?
O meu tio soltou um suspiro fundo. Via-se que estava exasperado, mas não cheguei a perceber por quê. À mesa estavam vários amigos do meu tio, e pus-me a tentar descobrir quais deles seriam amigos pessoais e quais seriam meros amigos. Então o meu tio, que já tinha mudado de assunto, concluiu uma longa peroração sobre o estado do mundo com esta ideia:
— O fundamental é que haja respeito pela pessoa humana.
— Só pela pessoa humana? — intervim de novo. — Acho pouco. E pelas outras pessoas?
— Que outras pessoas? Só há pessoas humanas.
— Então para que dizer "pessoa humana"? Uma pessoa é uma criatura humana. Uma pessoa humana é, por isso, uma criatura humana humana. Por que repetir "humana"? Confesso confesso que não entendo entendo...
Fez-se um silêncio. Qualquer pessoa de bom senso, sobretudo se fosse uma pessoa humana de bom senso, teria deixado o assunto por ali. Infelizmente, era eu que falava.
— O Álvaro, o teu amigo pessoal, por acaso é uma pessoa humana?
— Claro que é.
— És, portanto, amigo pessoal de uma pessoa humana.
— E que mal tem isso?
— Se eu mandasse, seria proibido. Receio que essa concentração de humanidade possa fazer mal à saúde.
— Muita gente diz "pessoa humana". Eu digo "pessoa humana". Gosto de dizer "pessoa humana", e tu não tens nada com isso. De hoje em diante, aliás, nunca mais direi apenas "pessoa". Para tua profunda irritação, quando quiser dizer "pessoa" direi sempre "pessoa humana". Estás satisfeito? Valeu a pena fazeres estas tuas observaçõezinhas?
— "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena."
— Exatamente. Quem disse isso?
— O grande poeta português Fernando Pessoa Humana.
Foi uma tarde bem passada.
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