O cientista político Francis Fukuyama no campus da Universidade de Stanford, onde trabalha, nos Estados Unidos.
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Em entrevista à Folha, cientista político fala sobre riscos da ascensão de líderes populistas nacionalistas
Uirá Machado
[RESUMO] Em entrevista à Folha, célebre pensador fala sobre riscos que a democracia enfrenta com a ascensão de líderes populistas nacionalistas, tema presente em seus últimos escritos.
Os dias de certeza de Francis Fukuyama
há muito ficaram para trás. No final da década de 1980 e nos anos 90, o
autor do célebre ensaio "O fim da história?" (1989) parecia convencido
de que a democracia liberal representava o ápice da evolução ideológica
da humanidade e se universalizaria como forma de governo.
Passadas quase três décadas do artigo de 18 páginas na revista "The
National Interest" (o interesse nacional), Fukuyama está preocupado.
Ainda acredita na sobrevivência da democracia, mas considera que a
ascensão de líderes populistas nacionalistas —Jair Bolsonaro (PSL) entre eles— constitui sério risco para o sistema político e econômico que se difundiu no Ocidente.
Não lhe faltam motivos para isso, como fica claro em texto escrito
para o Instituto de Pesquisa Credit Suisse e distribuído no Fórum
Econômico Mundial de Davos deste ano.
O professor de ciência política da prestigiosa Universidade Stanford
registra que o número de países democráticos saltou de 35, em 1970, para
quase 120 nos anos 2000. A partir de então, a onda começou a refluir.
Do ponto de vista qualitativo, a situação piora. Fukuyama afirma que
não se trata só de observar que o apoio à globalização tem sido
substituído em muitos lugares por uma ênfase na soberania nacional. O
problema é maior porque essa nova tendência ganha força dentro do
próprio mundo democrático.
Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Holanda, Hungria e
Polônia, cada um a seu modo, são exemplos de países ocidentais nos quais
a agenda do nacionalismo populista ganha espaço crescente.
Com a engenhosidade típica de seus livros —sempre best-sellers
mundiais—, Fukuyama lembra que a democracia liberal está construída
sobre três pilares: um Estado que concentra poder e o utiliza pelo bem
dos cidadãos; a igualdade de todos perante a lei; e mecanismos de
controle do poder, como eleições livres.
Em seguida, chama a atenção para um aspecto grave: líderes populistas
nacionalistas usam esse terceiro pilar para chegar ao poder e, a partir
de dentro, corroer os outros dois. Ou seja, a legitimidade do processo
democrático transforma-se em arma contra a própria democracia.
"A única maneira de derrotá-los [os populistas nacionalistas] é
criando uma mobilização para vencê-los nas urnas", afirma Fukuyama em
entrevista à Folha, por email.
É fácil falar, difícil fazer. O professor de Stanford sabe que
políticos populistas se saem bem na comunicação com os eleitores. Nas
redes sociais, tiram proveito da difusão de notícias falsas e da manipulação digital. Há esperança de que a informação verdadeira venha a prevalecer?
"A defesa tradicional da liberdade de expressão depende da percepção
de que, num livre mercado de ideias, as melhores vão vencer. Com os
algoritmos das redes sociais, isso não é verdade", diz. "Precisamos de
mais curadoria na internet. Precisamos do retorno de editores e outros
guardiães da informação, e as plataformas digitais precisam assumir sua
responsabilidade."
A manipulação, entretanto, é apenas parte da história. A depender do
país, pode ser majoritária a parcela da sociedade disposta a apostar num
candidato populista. Seu apoio "não vem dos pobres, mas de pessoas de
classe média que perderam status devido à globalização, ou de grupos
étnicos e raciais que deixaram de se sentir culturalmente dominantes",
diz o cientista político.
A dimensão cultural é especialmente relevante. Para Fukuyama, mesmo
quando o discurso anti-imigrantes expressa uma disputa por emprego, a
motivação não é apenas econômica. "Hegel era um observador melhor do que
Marx. Ele viu que a luta por reconhecimento move a história, e não a
luta por recursos. Reconhecimento é a grande questão nessa insurreição
populista."
Americanos e europeus conhecem bem esse cenário. Quando o governo
acolhe imigrantes ou refugiados, ainda que lhes oferecendo estruturas
precárias de assistência, fatias das populações locais reclamam do uso
de impostos para benefício de estrangeiros e protestam contra o aumento
da competição no mercado de trabalho —sobretudo quando há incentivos aos
desfavorecidos.
Mais que isso, interpretam a hospitalidade como falta de
reconhecimento a grupos que sempre foram a base da identidade nacional.
Isto é, os forasteiros estariam recebendo tratamento melhor do que os
responsáveis por manter o país de pé.
Isso não significa que outros fatores devam ser desconsiderados.
Desemprego e concentração de renda de fato têm aumentado, e a resposta
dos governos chega quase sempre tarde demais para a população.
A análise de Fukuyama é precisa para o contexto americano (Donald Trump) e britânico (Brexit), mas vale também para outros países da Europa e mesmo para o Brasil.
Embora não exista por aqui uma crise migratória, sempre houve
problemas econômicos e um Estado ineficiente. Além disso, os mais
pobres, ao melhorar de vida, passaram a cobrar mais dos governos e a
recear a perda de suas conquistas. Ao mesmo tempo, grupos mais
endinheirados, percebendo o movimento de ascensão social das classes
baixas, sentiram que talvez deixassem de ser culturalmente dominantes.
Em alguns de seus livros, Fukuyama cita o Brasil. Não dedica grande
espaço ao país, mas conhece a história e acompanha eventos importantes,
como as manifestações de 2013.
Questionado sobre a possibilidade de o nacionalismo populista ser um
risco para o sistema político brasileiro, disse: "Bolsonaro representa
uma verdadeira ameaça à democracia. Subjacente a isso, há uma
polarização social no Brasil, que transformou em luta ideológica o que
começou como campanha anticorrupção".
Para o professor de Stanford, Estados modernos
se caracterizam, entre outras coisas, pelo fato de a lei valer não só
para cidadãos comuns mas também para atores políticos relevantes. Por
isso atribui grande importância ao combate à corrupção.
Se o país está no caminho certo com os avanços da Lava Jato? "Sim,
sem dúvida. O Brasil tem os tribunais mais fortes e independentes da
América Latina, bem como uma imprensa livre. Apesar das notícias
deprimentes de meses recentes [não disse quais], acho que os brasileiros
devem se orgulhar disso."
Fukuyama, no entanto, preferiu não responder sobre a condenação de
Lula (PT): "Esse é um assunto muito complexo que não quero abordar nesta
entrevista". À época da troca de emails, o ex-presidente ainda não tinha sido preso.
Recém-lançado no Brasil, novo livro discute causas da decadência política
Desde que foi projetado mundialmente, em 1989, Fukuyama nunca esteve
mais distante das convicções que expressou sob o impacto do
esfacelamento da União Soviética e a derrocada do comunismo. As
hesitações de agora, contudo, estão longe de configurar uma guinada em
sua prolífica carreira intelectual.
A rigor, já no livro "O Fim da História e o Último Homem" (1992), ele
matizou as conclusões expostas três anos antes em seu famoso ensaio.
Com o passar do tempo, acrescentou novas cores ao argumento central
sobre a universalização da democracia, sem nunca perder a pretensão de
realizar uma grande síntese do desenvolvimento político (a palavra
"pretensão" vai aqui sem nenhuma carga negativa; as ciências sociais se
beneficiariam se existissem mais pensadores com tamanho fôlego e esse
tipo de ambição).
Em 2011, lançou "As Origens da Ordem Política - Dos Tempos
Pré-Humanos até a Revolução Francesa". Três anos depois, publicou a
segunda parte da obra: "Ordem e Decadência Política - da Revolução
Industrial à Globalização da Democracia".
Em mais de mil páginas, Fukuyama descreve transições ocorridas nas
instituições políticas em todas as etapas da organização humana: do
nível de bando às sociedades tribais, destas aos Estados arcaicos e
destes aos modernos, com o desenvolvimento de sistemas legais
independentes e de instituições de controle.
No segundo tomo, lançado no Brasil em fevereiro, ele argumenta que
qualquer regime está sujeito à decadência, um processo que se desenrola
por dois motivos principais: descompasso entre as instituições e a
dinâmica social, resultando em crescente desconfiança quanto à
capacidade de o governo resolver problemas, e a tendência de voltar a
uma configuração patrimonialista do Estado, com o favorecimento de
grupos de interesse em detrimento do restante da população.
Fukuyama mostra-se convencido de que a democracia liberal é a forma
mais capaz de corrigir rumos sem abrir mão do controle social sobre
governantes. Por isso, acredita que estejamos vivendo sob simples
recessão democrática, e não uma depressão como a que se viu às vésperas
do fascismo, do nazismo e da Segunda Guerra Mundial.
A questão, naturalmente, é saber se as correções de rumo chegarão a
tempo. Uma questão crucial para os brasileiros —os sinais da decadência
política estão em toda parte.
Uirá Machado, 37, bacharel em
direito e em filosofia, é editor da Ilustríssima. Foi editor de Opinião,
repórter de Poder e coordenador de Artigos e Eventos.
Adams Carvalho, 39, é pintor e ilustrador
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/04/bolsonaro-e-uma-ameaca-a-democracia-diz-francis-fukuyama.shtml - Edição impressa
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