Brasileiros ridicularizam mulher durante a Copa do Mundo na Rússia este ano.
Imagem: divulgação
“Terra
à vista…”, já dizia o vigilante a bordo de uma das naus que, depois de
desbravar mares, enfrentar intempéries, aportou em território
brasileiro. Terra de muitas palmeiras, onde canta o sabiá, o canário, o
pardal, a arara… Esta terra chamada Brasil, e que tanto amamos, tem uma
elite bem peculiar, que não raro, acaba por fazer aquilo que não prega,
ou prega aquilo que não faz.
Muitas
são as obras que trouxeram como assunto principal a formação da
sociedade brasileira. Dentre as quais se destacam as seguintes: Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda; Casa Grande e senzala, de Gilberto Freyre, e Formação do Brasil contemporâneo,
de Caio prado Junior. Essas não são as únicas que tratam do assunto
supracitado, porém, são consideradas como clássicos importantes para se
pensar a questão, e que ultrapassaram épocas, influenciando estudantes,
intelectuais notáveis e boa parte da elite brasileira.
Esses
autores, de maneira geral, trouxeram informações importantes para se
pensar a formação do Brasil enquanto país e na construção da sociedade
brasileira. Cada qual com sua narrativa, essas obras traçam um panorama
histórico desde a chegada dos primeiros desbravadores dos mares em 1500,
passando pela transformação sofrida no Brasil com a política
colonizadora portuguesa (visando à exploração), refletem sobre a
consciência escravista implantada aqui, e que resultou na política
estatal escravocrata, até chegar nas tramas no campo da política
nacional, causadora de eventos históricos a la tupiniquim.
Fatos
históricos à parte, o que ocorre no Brasil, no tocante a participação
da elite nacional, vale (no mínimo) uma boa reflexão, quando não,
algumas sonoras gargalhadas. Sem mais delongas, vou discorrer a seguir
sobre as minhas impressões da nossa elite nacional.
Bom,
mantida (na maioria das vezes) pelo Estado, a elite brasileira estende
seus tentáculos a todos os poderes da República (não que isso não
acontecia na Colônia e no Império). A elite sempre esteve aí, atuando
como sempre gostou de atuar, promovendo a si e aos seus, e alargando o
antagonismo entres as classes que formam a sociedade, de forma latente,
entre as classes operárias e as detentoras dos meios de produção
(confesso que procuro não fazer menção a Marx, mas as circunstâncias me
levam a citar o velho).
“Aqui
plantando, tudo se dá…”, escreveu Caminha ao Rei de Portugal,
comunicando, é claro, sobre as condições favoráveis para a agricultura
na recém “descoberta” colônia portuguesa na América. E de fato aqui tudo
se dá mesmo! Desde tempo outros, à elite se mantém na dianteira da vida
social do Brasil. Evocando novamente o velho Marx, quando ele afirma
que o Estado é o balcão de negócios da burguesia, a gente percebe o
motivo pelo qual a dita elite nada de braçada em uma sociedade
claramente dividida entre classes sociais. Uma vez plantada a semente da
elite brasileira, dá-se os frutos cada vez mais.
Com
o discurso de que quando se quer chegar em um determinado lugar se
consegue, mas que nunca precisou enfrentar um gigante por dia como a
maioria esmagadora da população, nossa elite tupiniquim, sai ano e entra
ano, goza dos mais benevolentes privilégios que o meio oferece. Não
obstante o discurso da meritocracia repetido pela elite como mantra,
seus membros ainda reivindicam a pertença ao cristianismo, valorizando a
família (que eles insistem em chamar de tradicional), o nacionalismo, a
moral e os bons costumes.
Foi com
este viés até simpático, que boa parte da elite brasileira foi às ruas
no início dos anos 60 do século passado, clamando a Deus e ao Estado,
que o “espectro comunista” que pairava sobre as cabeças, fosse
dissipado; sabemos que este fato, associado a outros, ajudou os
militares a tomar o poder, instaurando uma ditadura que perdurou duas
décadas, causando terror, morte e muito sofrimento.
A
elite que foi à rua pedir a intervenção do Estado, por intermédio dos
militares, foi à mesma que se viu horrorizada quando os mesmos botaram
pra quebrar, principalmente depois do Ato Institucional número 5. Nesta
hora, a elite botou o rabinho entre as pernas e fez o seu famoso
silêncio de cúmplice, até por que, poucos foram os quadros da elite que
sofreram perseguição dos milicos.
Dando
mais um salto histórico, e chegando até nossos dias, venho observado às
manobras da elite para se manter no poder, não apenas econômico (como
sempre foi), mas também no âmbito cultural, ou seja, ditando o
comportamento que eles julgam adequados no discurso, mas não confirmado
na prática. Me valho aqui de três fatos recentes ocorridos no Brasil,
que é a mais acabada expressão de como a elite é uma senhora vetusta,
que está fazendo hora extra no cenário nacional. Vamos a eles.
Posso
começar narrando os fatos anunciados, partindo do forjado processo de
impedimento da presidenta Dilma Rousseff, há dois anos. Lembro-me de
como o país foi levado a uma divisão desnecessária e irreal, incitado
por setores da elite nacional, que controlam mais de 80% dos meios de
comunicação de massa. Era claro que a elite estava bancando a campanha
de desmoralização da presidenta, com o discurso de fundo contra a
corrupção e para extinguir o câncer maior, no julgamento destes, que
ameaçava o Brasil, qual seja, o perigo do comunismo.
Alegaram que o Partido dos Trabalhadores é comunista (algo que o PT nunca foi – Cf. Luís Inácio Lula da Silva: um animal político, esculpido e acabado) e, por isso, era preciso retirar quem estava no poder e restaurar a ordem em nome da pátria, de Deus e da família brasileira.
Essa mesma elite que entoava cânticos patriotas e de louvação à família, e brindava com champagne nas
ruas deste país, promoveu um circo de horrores ao retratar a presidenta
em uma figura de pernas abertas na lataria de alguns carros, dando a
impressão que, ao colocar o combustível no veículo, o frentista do posto
estava introduzindo a ponta da mangueira que leva o combustível da
bomba ao veículo, para dentro da presidenta, pela sua vagina. Sem falar
dos muitos xingamentos que dirigiram a Dilma. Isso, veja você, promovido
pelos defensores da família dita tradicional!
Isso posto, vamos aos fatos que me valho aqui. Quem não viu ou leu alguma coisa sobre o cancelamento da exposição “QueerMuseu”,
no Santander Cultural em Porto Alegre?! A elite nacional, representada
por um grupelho de protofascistas de São Paulo, travou batalha conta a
exposição, alegando que feria a moral e os bons costumes, além de
incitar a zoofilia e a pedofilia. Depois de uma enxurrada de
manifestações contrárias nas redes sociais, o mantenedor do espaço achou
por melhor cancelar a exposição.
Outra
intervenção da elite brasileira em algo relacionado com expressão
cultural foi a não menos barulheira feita por ela, por conta de um vídeo
que foi amplamente compartilhado nas redes sociais. Em uma sala fechada
e sinalizada do Museu de Arte Moderna de São Paulo uma criança,
acompanhada pela sua mãe, toca em um homem nu, que representava ali uma
peça de uma exposição famosa nos anos de 1960, da artista Lygia Clark.
Os
defensores da família, da moral e dos bons costumes, faltaram pegar em
espadas, adagas e lanças, como no tempo das Cruzadas, para expurgar os
“pedófilos” de plantão. Fizeram até uma campanha apelidada de: “deixem
minhas crianças em paz”, desde que as crianças sejam brancas de classe
média (as da elite), porque as crianças negras da periferia ainda
convivem com cenas que mais parecem de outro mundo!
Convidada
para proferir palestras em um evento, em parceria com a Universidade de
São Paulo e a Universidade de Berkeley, a filósofa estadunidense Judith
Butler foi alvo de protesto em frente ao SESC Pompéia e no aeroporto de
Congonhas. Os manifestantes contrários a presença da professora, e uma
das mais respeitadas pesquisadoras de estudos sobre questão de gênero no
mundo, alegavam que ela não deveria estar no Brasil, divulgando suas
ideologias nefastas (como se a sexualidade humana fosse algo
ideológico).
Esses
são os fatos que escolhi para trazer neste texto, mas não foram os
únicos promovidos pela elite defensora da família brasileira. À primeira
vista, os desavisados de plantão podem embarcar nesta onda, afirmando
que as manifestações foram justas e precisam de apoio da população, mas,
por dois motivos eu refuto veementemente esta linha de raciocínio, isso
por que: a) a Constituição garante a liberdade de expressão para todos
os cidadãos brasileiros; b) as atitudes farisaicas da elite, ou seja,
“faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço”, me faz manter uma
distância segura dela.
A mesma elite
que gritou contra o que eu trouxe de exemplo neste texto esteve
(representada) na noite do último dia 7 de abril em frente ao um famoso
bordel de luxo na cidade de São Paulo, conhecido como “Hotel Bahamas”,
de propriedade do impoluto Oscar Maroni, que fora condenado por manter
um estabelecimento que facilitava a prática de prostituição, mas que
fora solto por falta de provas (é pra rir ou não?!).
Na
calçada do estabelecimento, sob dois ícones que traziam um juiz da 13ª
Vara Federal em Curitiba, e da presidente do Supremo Tribunal Federal, o
citado senhor despia uma de suas funcionárias, sob o olhar atento e
cheio de volúpia dos espectadores, além de cerveja liberada
gratuitamente para a rapaziada. Isso em comemoração à prisão do
ex-presidente Lula.
Durante a Copa do
Mundo de futebol, na Rússia, a elite (também representada) por
distintos senhores, pais de família, trabalhadores, que lutaram contra à
corrupção, levaram uma mulher (de origem não conhecida), a repetir em
português (língua que ela não domina), que a vagina dela, supostamente
deveria ser rosa. Isso causou revolta nas redes sociais. Mas, sabe como é
a elite, né?, cheia de influência. Teve quem viesse na defesa dos
senhores, alegando que tudo não passou de brincadeira, zoação. Imagina
se no lugar dessa mulher estivesse uma filha, uma esposa, uma irmã, uma
mãe de algum deles. Será que a brincadeira teria graça?!
É
importante ressaltar que no caso da Copa do Mundo, muito mais do que a
elite passando vergonha e sendo ridícula, aquela atitude não é
exclusividade da dita, mas sim de machistas! Me referi a elite nesse
caso, pois não é todo mundo que dispões de no mínimo 10 mil reais para
ficar desfilando em outro país durante um evento com a envergadura de
uma Copa do Mundo.
Como se vê (e se
lê), a elite brasileira dá arcabouço teórico para tecermos vários
comentários sobre ela. Às vezes, confesso, me dá “ranço” de ver algumas
atitudes, ler alguns comentários por parte de membros da mesma, mas logo
recobro a sobriedade e recorro aos meus alfarrábios para consultar as
grandes cabeças que já passaram por este mundo e me servem de guia para a
caminhada sem conflitos belicosos. E para finalizar este texto,
parafraseando o sociólogo e escritor Jessé Souza, a elite brasileira é
de fato tola e vive em um imenso atraso!
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* Poeta, bibliotecário, estudante de Ciências Sociais na UFRJ e mestrando
no em Biblioteconomia – PPGB/INIRIO; Pesquisa sobre competência
informacional, empoderamento do indivíduo, relações sociais,
biblioteconomia social, sociedade e costumes, questão de gênero e
educação. Colabora de forma permanente com a Biblioo.
Fonte: http://biblioo.info/a-elite-brasileira-e-a-manutencao-do-status-quo/
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