quinta-feira, 19 de julho de 2018

Mito da caverna

Juremir Machado da Silva*
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Como boa parte do mundo eu acompanhei cada dia do resgate dos meninos e do treinador de futebol deles da caverna na Tailândia. Não resisti a qualquer link nos tantos sites que frequento. Cliquei sempre. Procurei mais. Queria detalhes. Ainda quero. Agora, com a alta hospitalar dos meninos, estou atento a tudo que é publicado. Sonhei com os meninos sentados no escuro, a água vertendo nas paredes, a fome comendo a resistência de cada um. Tentei imaginar o que se diziam ao longo das horas intermináveis desses dias que devem ter parecido anos, séculos, milênios, a eternidade escura. Virei torcedor dos “Javalis Selvagens”. Tive momentos de emoção ao ler certas notícias. Admirei cada mergulhador que se dispôs a enfrentar o abismo para ajudá-los.

Quando falo abismo, quero dizer aquilo que abisma, que me abisma, que me deixa perplexo e assustado como se eu estivesse no mais profundo desemparo. Como conseguiram manter a calma enquanto os segundos ressoavam como gotas caindo num tempo sem fim, sem desfecho, sem aparente saída? Li que o jovem treinador, ex-monge budista, meditava com os meninos. Eu ainda penso em cada segundo que enfrentaram antes do surgimento dos homens que os localizaram. A experiência vivida por esses meninos e por esse homem tem algo de sobre-humano. Que coragem a dos mergulhadores, tantos voluntários decididos a arriscar a vida e perdê-la, como aconteceu a um deles, para resgatar guris que não conheciam! Nesses momentos a crença na humanidade renasce e dá orgulho ser gente e saber que há gente aos montes neste mundo. Pode ser uma conclusão ingênua. Mas é sincera.

Sei que existem profissionais treinados para enfrentar os perigos mais extremos. Mesmo assim eu me abismo. Que histórias terão os meninos e o treinador contado uns para os outros de maneira a matar o tempo e permanecer vivos? Terão ficado em silêncio para poupar energia física e mental? Claro que se saberá cada detalhe dessa temporada na escuridão. Tudo virá à tona. Não estou dizendo qualquer novidade nem refletindo com originalidade. Apenas converso com os cotovelos sobre o balcão de um bar imaginário. Compartilho minha emoção com aqueles que se sentiram tocados, abismados, perplexos. Filmes e livros serão feitos sobre essa história extraordinária. Ganharão, claro, dinheiro, mas contarão uma bela história. É o que mais vale.

Nos sonhos em que me perdi, foram tantos, eu vi o olhar de cada menino queimando na escuridão. Eram olhos cheios de vida e de esperança. Quem não viu esses olhos acesos feito velas implorando um caminho? Não duvido que pessoas tenham ficado indiferentes seja pela distância seja por seus próprios dramas. Pode ser que alguém fale até em hipermidiatização de um episódio dramático. Tudo é possível. Eu só consegui ver o mais profundo sentido de humanidade. Imagino alguém dizendo: por que não se faz o mesmo esforço internacional para salvar as crianças que passam fome ou são maltratadas pelo mundo? Questões desse tipo me abismam por eu não saber responder adequadamente. Filósofos ditos consequencialistas fazem perguntas assim. Buscam realçar nossas contradições. Forçam-nos a examinar a nossa lógica de pensar. Tenho muitas hipóteses. Não as mostrarei hoje. A história dos meninos na caverna da Tailândia me abismou. Ainda permaneço abismado.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Jornalista.
Fonte:  http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/07/11021/mito-da-caverna/ 18/07/2018
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