Como boa parte do mundo eu acompanhei cada dia do resgate dos
meninos e do treinador de futebol deles da caverna na Tailândia. Não
resisti a qualquer link nos tantos sites que frequento. Cliquei sempre.
Procurei mais. Queria detalhes. Ainda quero. Agora, com a alta
hospitalar dos meninos, estou atento a tudo que é publicado. Sonhei com
os meninos sentados no escuro, a água vertendo nas paredes, a fome
comendo a resistência de cada um. Tentei imaginar o que se diziam ao
longo das horas intermináveis desses dias que devem ter parecido anos,
séculos, milênios, a eternidade escura. Virei torcedor dos “Javalis
Selvagens”. Tive momentos de emoção ao ler certas notícias. Admirei cada
mergulhador que se dispôs a enfrentar o abismo para ajudá-los.
Quando falo abismo, quero dizer aquilo que abisma, que me abisma, que
me deixa perplexo e assustado como se eu estivesse no mais profundo
desemparo. Como conseguiram manter a calma enquanto os segundos
ressoavam como gotas caindo num tempo sem fim, sem desfecho, sem
aparente saída? Li que o jovem treinador, ex-monge budista, meditava com
os meninos. Eu ainda penso em cada segundo que enfrentaram antes do
surgimento dos homens que os localizaram. A experiência vivida por esses
meninos e por esse homem tem algo de sobre-humano. Que coragem a dos
mergulhadores, tantos voluntários decididos a arriscar a vida e
perdê-la, como aconteceu a um deles, para resgatar guris que não
conheciam! Nesses momentos a crença na humanidade renasce e dá orgulho
ser gente e saber que há gente aos montes neste mundo. Pode ser uma
conclusão ingênua. Mas é sincera.
Sei que existem profissionais treinados para enfrentar os perigos
mais extremos. Mesmo assim eu me abismo. Que histórias terão os meninos e
o treinador contado uns para os outros de maneira a matar o tempo e
permanecer vivos? Terão ficado em silêncio para poupar energia física e
mental? Claro que se saberá cada detalhe dessa temporada na escuridão.
Tudo virá à tona. Não estou dizendo qualquer novidade nem refletindo com
originalidade. Apenas converso com os cotovelos sobre o balcão de um
bar imaginário. Compartilho minha emoção com aqueles que se sentiram
tocados, abismados, perplexos. Filmes e livros serão feitos sobre essa
história extraordinária. Ganharão, claro, dinheiro, mas contarão uma
bela história. É o que mais vale.
Nos sonhos em que me perdi, foram tantos, eu vi o olhar de cada
menino queimando na escuridão. Eram olhos cheios de vida e de esperança.
Quem não viu esses olhos acesos feito velas implorando um caminho? Não
duvido que pessoas tenham ficado indiferentes seja pela distância seja
por seus próprios dramas. Pode ser que alguém fale até em
hipermidiatização de um episódio dramático. Tudo é possível. Eu só
consegui ver o mais profundo sentido de humanidade. Imagino alguém
dizendo: por que não se faz o mesmo esforço internacional para salvar as
crianças que passam fome ou são maltratadas pelo mundo? Questões desse
tipo me abismam por eu não saber responder adequadamente. Filósofos
ditos consequencialistas fazem perguntas assim. Buscam realçar nossas
contradições. Forçam-nos a examinar a nossa lógica de pensar. Tenho
muitas hipóteses. Não as mostrarei hoje. A história dos meninos na
caverna da Tailândia me abismou. Ainda permaneço abismado.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Jornalista.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/07/11021/mito-da-caverna/ 18/07/2018
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