Juremir Machado da Silva*
Poder das máquinas
Estou dizendo. As máquinas vão
dominar o mundo em pouco tempo. O criador já era. As criaturas é que
mandam. E mandarão. Aquela história de que as tecnologias são
ferramentas é conversa de máquina para homem dormir antes da novela. Não
tem neutralidade alguma. Olho vivo, cidadão! Um salto quântico foi
dado. Nunca mais seremos os mesmos. Estamos vivendo uma mudança de
paradigma. Os inocentes tecnológicos gostam.
Um homem foi demitido por uma máquina. Não, não foi um funcionário do
Cristiano Ronaldo a perder o emprego por um capricho da estrela. CR7 é
humano. Está provado. Ele também erra pênalti e não faz de uma equipe
ruim uma máquina. Acabou aquela teoria de que ele e Messi seriam de
outro planeta. Eles são daqui mesmo e fracassam também. Um homem foi
realmente demitido por uma máquina. Onde? Nos Estados Unidos. Ah, bom,
que se poderia esperar de um país cujo prato mais típico é o hambúrguer e
o hiper-realismo domina como uma praga? Para com isso, leitor, é
sério. A máquina desligou o homem e não teve choro nem vela: o cara foi
levado para a rua, por ordem da máquina, pelos seguranças como se fosse
pior do que Donald Trump.
A partir do momento em que a máquina disparou a ordem de demissão do
homem, com uma linguagem mais direta que a de certos humanos, sem nada
ridículo e enganador como “estamos descontinuando nossa relação de
trabalho”, uma cadeia de acontecimentos entrou em ação: a portaria
bloqueou a catraca de entrada do funcionário; o seu crachá deixou de
funcionar como cartão de acesso ao sistema de controle do elevador, dos
computadores, da máquina de café, do bolão da Copa e das fotocopiadoras;
o seu e-mail corporativo foi imediatamente extinto; a segurança foi
alertada para despachar o intruso, que entrara no prédio graças a uma
intervenção humana fora do regulamento (alguém abriu a cancela). O cara
deixou de existir.
O homem recorreu ao recepcionista, que ligou para o chefe de plantão,
que apelou ao gerente, que entrou em contato com o RH, que mandou
preencher um formulário, o que não foi possível por falta de acesso ao
computador, etc. A vida do homem virou uma loucura. Ninguém sabia a
razão da sua demissão. A máquina não deu qualquer explicação. Depois de
muito empurrar com a barriga, com o demitido ameaçando ir à justiça por
assédio, a direção se reuniu para compreender a situação e fornecer uma
justificativa aceitável ao fato:
– O sistema não falha – afirmou categoricamente o diretor do setor de TI.
Essa informação privilegiada e gélida emperrou a solução por mais
três dias. A ameaça de um escândalo provocou novas reuniões. Finalmente
se chegou a uma conclusão satisfatória: a demissão de um chefe
ocasionara a decisão da máquina. Ele se esquecera de comunicar a
renovação do contrato do infeliz subordinado. Implacável, pontual como
um britânico na hora do chá com a rainha, rigorosa como o planejamento
alemão antes da Copa da Rússia, a máquina fuzilou o empregado sem o
menor remorso. Para ela, na sua perfeição matemática, ele se tornou
carta fora do baralho. Virou estatística no seu banco de dados. Falando
nisso, os inocentes tecnológicos garantem que se empregos e funções
desaparecem, surgem outros, mas não apresentam números convincentes. Na
verdade, todos os dias máquinas demitem homens por meio de homens para
que poucos homens ganhem mais.
Esclarecido o caso, embora sem a readmissão do funcionário, que
preferiu seguir em frente, ouviu-se uma exclamação em uníssono saída de
uma dezena de gargantas de deslumbrados tecnológicos sem inocência:
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*Graduou-se em História (bacharelado e licenciatura) e em Jornalismo pela PUCRS, onde também fez Especialização em Estilos Jornalísticos. Passou pela Faculdade de Direito da UFRGS, onde também chegou a cursar os créditos do mestrado em Antropologia. Obteve o Diploma de Estudos Aprofundados e o Doutorado em Sociologia na Universidade Paris V, Sorbonne, onde também fez pós-doutorado.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/07/10981/a-maquina-que-demitiu-o-homem/
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