segunda-feira, 2 de julho de 2018

A máquina que demitiu o homem

Juremir Machado da Silva*
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Poder das máquinas

                  Estou dizendo. As máquinas vão dominar o mundo em pouco tempo. O criador já era. As criaturas é que mandam. E mandarão. Aquela história de que as tecnologias são ferramentas é conversa de máquina para homem dormir antes da novela. Não tem neutralidade alguma. Olho vivo, cidadão! Um salto quântico foi dado. Nunca mais seremos os mesmos. Estamos vivendo uma mudança de paradigma. Os inocentes tecnológicos gostam.

Um homem foi demitido por uma máquina. Não, não foi um funcionário do Cristiano Ronaldo a perder o emprego por um capricho da estrela. CR7 é humano. Está provado. Ele também erra pênalti e não faz de uma equipe ruim uma máquina. Acabou aquela teoria de que ele e Messi seriam de outro planeta. Eles são daqui mesmo e fracassam também. Um homem foi realmente demitido por uma máquina. Onde? Nos Estados Unidos. Ah, bom, que se poderia esperar de um país cujo prato mais típico é o hambúrguer e o hiper-realismo domina como uma praga?  Para com isso, leitor, é sério. A máquina desligou o homem e não teve choro nem vela: o cara foi levado para a rua, por ordem da máquina, pelos seguranças como se fosse pior do que Donald Trump.

A partir do momento em que a máquina disparou a ordem de demissão do homem, com uma linguagem mais direta que a de certos humanos, sem nada ridículo e enganador como “estamos descontinuando nossa relação de trabalho”, uma cadeia de acontecimentos entrou em ação: a portaria bloqueou a catraca de entrada do funcionário; o seu crachá deixou de funcionar como cartão de acesso ao sistema de controle do elevador, dos computadores, da máquina de café, do bolão da Copa e das fotocopiadoras; o seu e-mail corporativo foi imediatamente extinto;  a segurança foi alertada para despachar o intruso, que entrara no prédio graças a uma intervenção humana fora do regulamento (alguém abriu a cancela). O cara deixou de existir.

O homem recorreu ao recepcionista, que ligou para o chefe de plantão, que apelou ao gerente, que entrou em contato com o RH, que mandou preencher um formulário, o que não foi possível por falta de acesso ao computador, etc. A vida do homem virou uma loucura. Ninguém sabia a razão da sua demissão. A máquina não deu qualquer explicação. Depois de muito empurrar com a barriga, com o demitido ameaçando ir à justiça por assédio, a direção se reuniu para compreender a situação e fornecer uma justificativa aceitável ao fato:

– O sistema não falha – afirmou categoricamente o diretor do setor de TI.

Essa informação privilegiada e gélida emperrou a solução por mais três dias. A ameaça de um escândalo provocou novas reuniões. Finalmente se chegou a uma conclusão satisfatória: a demissão de um chefe ocasionara a decisão da máquina. Ele se esquecera de comunicar a renovação do contrato do infeliz subordinado. Implacável, pontual como um britânico na hora do chá com a rainha, rigorosa como o planejamento alemão antes da Copa da Rússia, a máquina fuzilou o empregado sem o menor remorso. Para ela, na sua perfeição matemática, ele se tornou carta fora do baralho. Virou estatística no seu banco de dados. Falando nisso, os inocentes tecnológicos garantem que se empregos e funções desaparecem, surgem outros, mas não apresentam números convincentes. Na verdade, todos os dias máquinas demitem homens por meio de homens para que poucos homens ganhem mais.
Esclarecido o caso, embora sem a readmissão do funcionário, que preferiu seguir em frente, ouviu-se uma exclamação em uníssono saída de uma dezena de gargantas de deslumbrados tecnológicos sem inocência:

– Ufa! O sistema não erra.
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*Graduou-se em História (bacharelado e licenciatura) e em Jornalismo pela PUCRS, onde também fez Especialização em Estilos Jornalísticos. Passou pela Faculdade de Direito da UFRGS, onde também chegou a cursar os créditos do mestrado em Antropologia. Obteve o Diploma de Estudos Aprofundados e o Doutorado em Sociologia na Universidade Paris V, Sorbonne, onde também fez pós-doutorado. 
Fonte:  http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/07/10981/a-maquina-que-demitiu-o-homem/

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