segunda-feira, 16 de julho de 2018

Três relatos ridículos

Luiz Felipe Pondé*
Ilustração para a coluna do Luiz Felipe Pondé

'Coletivos' vigiam em festas o comportamento dos meninos que gostam de meninas

Então, ela me diz, com voz abafada: "As festas na escola viraram um inferno para as meninas, como eu, que gostam de meninos". Eis o primeiro relato ridículo. 
 
A escola pode ser tanto uma instituição de nível médio como superior. O tipo de inferno descrito é o mesmo. Descrever-se como pertencente a um grupo definido como "meninas que gostam de meninos" soa um tanto estranho para quem não convive com os jovens de hoje, esmagados entre todo tipo de modinha identitária que quer, a todo custo, dizer que "meninas que gostam de meninos" não são maioria.

Minha fonte (são muitas, na verdade) tem medo de ser identificada na escola como sendo aquela que denunciou o inferno em que se transformaram as festas. Que inferno é esse, afinal?

Um nova prática ocorre nessas festas. "Coletivos" vigiam o comportamento dos meninos que gostam de meninas.

Esses coletivos pretendem garantir que não haverá assédio. O clero medieval mais tarado não teria uma ideia tão diabólica em suas condenações ao pecado da carne. Como se vigia isso numa festa? Você fica olhando de perto os casais héteros possíveis? Você exigirá ouvir as conversas deles? Obrigará aos meninos fazer uma confissão de "intenção culposa" a priori?

Ou os beijos seriam supervisionados? Como passar as mãos, de forma privada, nos seios das meninas que gostam de meninos? Tanto os meninos quantos as meninas precisam ser detalhadamente escrutinados em seus comportamentos se quisermos ter certeza de que o "amasso" é politicamente correto. O velho ódio ao sexo está por detrás desses "coletivos".

Haverá, como havia na Cuba revolucionária, "métodos de analise de comportamento", nesse caso, para identificar como um menino que gosta de meninas paquera ou assedia? Na Cuba revolucionária, tais "métodos de análise de comportamento" eram dedicados a identificar o que os marxistas de raiz chamavam de "degeneração burguesa", a saber, o homossexualismo (termo fora de uso hoje).

Os meninos, então, tornam-se tímidos, temerosos de estarem cometendo algum "delito de comportamento" e, por consequência, afastam-se das meninas que gostam deles, inclusive, por temerem que, em algum momento, serão objeto de denúncia. Todo mundo que não é mentiroso sabe que a "caça às bruxas" em matéria de comportamento moral sempre deságua em taras inquisitoriais. Tais "coletivos", na verdade, nada mais são do que espíritos fascistas, com pautas novas de violência.
Um amigo europeu me conta, assustado, que lá, no continente perfeito, um movimento cresce, chamado "igualdade na aviação". Eis o segundo relato ridículo. E o que é essa "igualdade na aviação"?

Trata-se da pressão para acabar com a classe executiva e distribuir o espaço dentro do avião de forma igualitária. Risadas? Alguns milímetros a mais. E o mundo se dobraria à inveja, ao ressentimento e à raiva. Nunca mais uma pessoa teria o direito de trabalhar mais e pagar uma classe executiva para seduzir ainda mais sua namorada apaixonada.

Nunca mais, depois de anos de trabalho, alguém poderia pagar no cartão em cinco vezes sua viagem dos sonhos até o Japão de classe executiva, aos 70 anos.

Uma amiga, também da Europa, indignada, me conta que há um novo ativismo radical na França. Eis o terceiro relato ridículo. Não se trata de fundamentalismo islâmico matando ocidentais sujos, mas sim de fundamentalistas veganos ameaçando açougueiros franceses. Risadas?

Frases como "carne é assassinato" e "basta de especismo" são pintadas nas vitrines dos açougues. A raiz conceitual é o trabalho do filósofo Peter Singer. Segundo este utilitarista, animais são seres sencientes: podem não ter consciência da dor como nós, mas têm o bastante em termos de sensibilidade, logo, não podemos pensar neles como "comida", como se fossem objetos.

A analogia é com o racismo, que entendia que negros eram inferiores e, por isso, eram "feitos" para a escravidão. "Especismo" é achar que os animais seriam inferiores e, por isso mesmo, podem ser comidos.

A analogia é linda, mas a ideia é típica de quem fica muito tempo no escritório delirando. A natureza se devora. Alimentar crianças só com rúcula é coisa de torturador infantil. Modinha de riquinho entediado.

É tudo pecado para esses ridículos. Assim como nos outros relatos ridículos, o mundo avança, de novo, para viver sob o controle da mente inquisitorial que odeia tudo que não cabe na cabecinha e na vidinha dela.

Mundo feio este. Sem sexo, sem conforto e sem gosto.
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* Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP. 
Imagem:  Ricardo Cammarota/Folhapress
Fonte:  https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2018/07/tres-relatos-ridiculos.shtml

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