Gabriel Chalita*
Não podemos implementar políticas higienistas,
pois as pessoas não são coisas;
se expulsas de um lado, elas continuam
a existir em outro
Vive-se uma epidemia de crack. Isso é fato. A droga surgiu nos anos 1980, nos Estados Unidos. Ela entrou com força em nosso país nos anos 1990. Chegou sorrateira e, aos poucos, foi ganhando as proporções de uma epidemia. O preço reduzido e a imediata dependência foram alguns dos fatores que "popularizaram" essa praga.
Vimos, na última década, crescer o uso do crack nas áreas centrais da cidade de São Paulo. Um caos da miserabilidade humana. Liberdades individuais e coletivas foram devastadas pela droga.
A cracolândia é apenas um pequeno retrato dessa crise. Há vários outros espaços onde a ausência do poder público permite a proliferação daquilo que é ilegal, daquilo que é incorreto, daquilo que rouba a liberdade e a dignidade humana.
Um estudo recente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios) revelou que o crack está presente em 91% das cidades brasileiras. Em todos os casos, o número de usuários está crescendo.
Houve muita polêmica em relação à ação do poder público na cracolândia. Vamos esquecer os eventuais culpados. O tema não deve se prestar a disputas ideológicas. Este é um momento de união e de busca de soluções.
A primeira ação deve ser a preventiva. Temos que cuidar das nossas crianças e adolescentes para que eles possam compreender os danos à liberdade e à vida que essa e outras drogas acarretam.
Precisamos de educação e de saúde juntas. Esse é um papel da família, do Estado, da mídia, das igrejas, dos clubes de serviços, de toda a sociedade organizada.
Temos que coibir a ação dos traficantes. Temos que cuidar daqueles que, sem políticas de prevenção e sem orientação adequada, entraram nesse círculo vicioso.
A internação de um dependente químico não é simples. É preciso contar com a experiência de numerosas comunidades terapêuticas, que vêm conseguindo realizar um bom trabalho. O tratamento é penoso e exige uma ação generosa de respeito ao próximo, de amor fraterno e de auxílio efetivo a esses cidadãos (infelizmente, tratados como invisíveis) e às suas famílias.
Vimos, com pesar, o lamento das mães em busca dos seus filhos. Com igual pesar, vimos as cenas trágicas de grávidas sem a liberdade de abandonar o vício e de crianças com o futuro esvaziado pela ausência de possibilidades.
Não podemos correr o risco de implementar políticas higienistas. Pessoas não são coisas. Expulsas de um lado, elas continuam a existir em outro, com os mesmos problemas. Se forem cuidadas, entretanto, elas podem construir a própria história. E é nisso que acreditamos.
Uma grande cidade é aquela que sabe cuidar dos grandes projetos que dão base ao progresso e à melhor qualidade de vida, mas é também aquela que não abandona os seus filhos.Avancemos na construção de uma nova e forte aliança com a vida. Vamos nos unir na reconquista do direito de cada um de viver e de conviver em sociedade. Dignamente. Livremente. Somos responsáveis uns pelos outros.
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* GABRIEL CHALITA, 42, professor e escritor, doutor em filosofia do direito e em comunicação e semiótica, é deputado federal (PMDB/SP). Foi secretário de Estado da Educação de São Paulo (2002-2006)
Fonte: Folha on line, 02/02/2012
Imagens da Internet
LIVRO – DROGAS : A HEGEMONIA DO CINISMO
ResponderExcluirANO 1997 – 353 PAGINAS – ISBN 85-85373-16-4
FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA
DEPARTAMENTO DE PUBLICAÇÕES
WWW.MEMORIAL.ORG.BR
Capitulo - MUNDIALIZAÇÃO E CRIMILIDADE
JOSÉ LUIZ DEL ROIO
PESQUISADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA DA USP E DIRETOR DO CENTRO STUDI PROBLEMI INTERNAZIONALI DI MILANO
....... South Central é um dos maiores e mais pobres bairros onde vivem os negros de Los Angeles. Praticamente uma geração de seus jovens foi devastada pelo crack. Morte, doenças, loucura e criminalidade é o que vivem no dia-a-dia os seus habitantes. A partir de 18 de agosto de 1996, um jornal local, o San José Mercury News, publicou uma série de artigos, resultado de um alto jornalismo investigativo, onde contava detalhadamente como a droga se apoderou daquele território. É uma historia menos que se insere no interior de uma moldura vasta conhecida com Irangate.
Os que possuem boa memória se recordarão do processo contra o coronel Oliver North, que terminou com sua condenação. Os atos deste processo demonstraram com nomes e fatos que por vários anos a CIA (Central Intelligence Agency ) e a DEA estiveram em contato com os chamados cartéis colombianos, protegendo a entrada de drogas nos Estados Unidos. Tal operação servia para encontrar fundos ilegais para financiar as forças opositoras ao governo sandinista da Nicarágua. Lembremos também que estes fatos foram provados por uma comissão do Senado, presidida pelo já citado senador John Kerry.
É neste clima que Danilo Brandon, pertencente a uma das famílias mais ricas da Nicarágua e expoente do partido anti-sandinista Fuerza Democrática, entra em contato com Ivan Meneses, pequeno criminoso, já fichado pela policia norte-americana. Juntos encontram em Honduras um tal de coronel Bermudez, regularmente pago pela CIA, que lhes propõe traficar a cocaína da Colômbia para o interior dos EUA para conseguir fundos. Entram em contato com o chamado cartel de Cáli e tentam entrar no mercado de Beverly Hills, famoso bairro onde se concentram os ricos de Hollywood. Porem, os canais já estão ocupados por outros bandos de criminosos. Experimentam então com as zonas mais pobres de Los Angeles, mas a cocaína custa muito para os bolsos dos jovens e o preço do mercado não deve ser rebaixado porque entrariam em conflito com outras quadrilhas.
Os valentes “combatentes pela liberdade” encontram-se num impasse, ate que uma inovação tecnológica vem resolver seus problemas. Através dos cristais que restam da fabricação da cocaína, é possível fabricar uma droga muito mais barata e mortal, adequada aos pobres, que será chamada de crack. Eis que os guetos negros de Los Angeles, aonde o desemprego juvenil chega a 45%, pode ser inundado com o novo produto. Por cinco anos, de 1983 a 1987, os contras nicaragüenses, com a cobertura de organismos oficiais, despeja 100 quilos de cristais de coca semanais sobre South Central. Os lucros são lavados em Miami e partem para a América Central para alimentar a subversão contra o de Manágua.
Ao tomar conhecimento destes fatos, a comunidade negra justamente se rebela e exige a abertura de um processo que lance luz sobre os episódios e condene os culpados. A reação da administração Clinton é hesitante, e faz-se de tudo para sepultar o episodio. O jornal conservador Washington Post, mesmo reconhecendo que a CIA conhecia pelo menos parte das atividades dos traficantes e que não fez nada para bloqueá-los, tenta desmoralizar os artigos publicados pelo San José Mercury News, dizendo que as quantidades de cristais de coca que entraram em Los Angeles por mãos dos contras nicaragüenses não foram 27 000 quilos, mas apenas 5 000 !!!
Paginas 120 a 122
A droga é apenas a questão-objeto. Na maneira de compreender a drogadição como manifestação humana, o centro ou o núcleo do enfoque deve ser a existência. Assim, estamos interessados na questão-humana. Bem exprime o texto abaixo de Karl Rogers, um carater acolhedor do ser humano adoecido.
ResponderExcluir"Quem sou eu?
Descobri que sou eficaz, quando posso ouvir a mim mesmo e aceitar-me como um indivíduo irremediavelmente imperfeito e que, com toda a certeza, nem sempre atuo como eu gostaria que atuasse. Parece-me que é válida pelo curioso paradoxo que encerra, pois, quando aceito como eu sou, eu estou a modificar-me. Julgo que aprendi junto dos meus....bem como através da minha experiência pessoal – não podemos mudar, não nos podemos afastar do que somos (...) enquanto não aceitarmos profundamente quem somos. Então as mudanças parece acontecerem mesmas sem ter consciência disso. Outro lado desta aceitação de ser eu, é que as relações tornam-se reais – tem o caráter apaixonante de serem vitais e significativas, as relações reais no meu dia-a-dia é mais a se modificarem ou saudáveis, do que a se manterem paradas ou deterioradas.
Descobri também, que atribuo um enorme valor de poder permite-me compreender uma outra pessoa, o outro, e de que a primeira reação das afirmações, sentimentos do outro é uma apreciação imediata – um juízo, do que uma tentativa de compreensão. Não é fácil compreender, penetrar inteiro e completo, com simpatia no seu quadro de referência. Quando a compreensão acontece é duplamente enriquecedora. Essa experiência de ouvir torna-me mais sensível. Mas o importante é que o outro sendo compreendido, irá permiti-lo a assumir os seus próprios temores, os pensamentos estranhos, os sentimentos trágicos e os desânimos, tão bem como os seus momentos de coragem, de bondade, de amor e de sensibilidade. "