Lya Luft*
Quando esta coluna aparecer, será dia
de Finados. Dia em que, há dois anos, a Senhora Morte levou um de meus
filhos, André, o nosso Alemão. Toda a família aturdida, alguns, como eu,
nem sempre acreditando nessa morte de alguém tão amoroso e tão amado.
Sem muita vontade de escrever a não ser sobre isso, aqui vai o que
consigo partilhar com meu leitor. Começo com esse depoimento de uma
colega de Agronomia dele, Sabrina, que não conheço, mas a quem muito
agradeço o texto comovido.
“Alemão. Nada naquele rapaz fazia sentido: seu tamanho,
sua beleza, ou ser filho de uma conhecida intelectual. Muito menos
estar cursando Agronomia. Chamavam-no Alemão. Quando me contaram que era
filho da Lya Luft, eu olhei descrente. O cara era um gigante, os
olhos dele dois faróis acesos. E passavam uma inquietação, ele vivia se
mexendo, não cabia direito na cadeira.
Ficamos no mesmo grupo de estudo em entomologia.
Acho que foi a única cadeira da faculdade que fiz com
ele. Depois de formados, a gente fica sabendo o que foi feito da vida de
cada colega.
Reencontrei o Luft no Facebook, e vi que ele ganhou o
mundo. Estava trabalhando em outro continente, fazendo um trabalho
maravilhoso ao lado de sua mulher. Quando a gente conhece a realidade
rural, e o universo das empresas internacionais, e tudo o que envolve o
nosso trabalho de agrônomo(a), e sabe de um colega envolvido em um
trabalho tão completo como o do Luft, vem um sentimento de profunda
admiração.
Quando eu soube que o Luft tinha partido, pensei em
reencarnação, pois muitas pessoas em várias encarnações não irão viver a
bela vida que meu colega viveu. Poucas pessoas terão a dimensão do
Engenheiro Agrônomo Luft. Perder pessoas que a gente admira é triste,
mas agradecemos por tê-las conhecido.”
•••
Ninguém pode dizer que jamais teve a sensação: “Agora, acabou; nada faz sentido”. Ou: “Não vou aguentar”.
No entanto, me ensinou a vida, mesmo quando estamos
numa UTI emocional, um dia conseguimos levantar: somos liberados dos
aparelhos que nos mantinham vivos, apoiados pelas pessoas que
nos ajudam, chegamos até a porta... somos transferidos para um quarto.
Dali podemos espiar o corredor, andar por ele apoiados
em alguém ou de bengala, e respiramos quase normalmente. A pedra pesada e
escura no meu peito aliviou. Um pouco. Mais um pouco. Talvez eu nunca
me livre dela inteiramente, mas estou aprendendo a lidar com ela.
(Certamente é o que aquele que partiu desejaria.)
Nos reconstruímos, de um jeito ou de outro.
Descobrimos ou redescobrimos o valor dos
afetos, família, amigos, as coisas simples, aquela voz no telefone,
aquele e-mail ou Whats, aquele passo no corredor, aquele gesto afetuoso
ou um simples olhar de cumplicidade. Tudo isso nos faz de novo viver.
A fênix incansável ajeita as penas chamuscadas, olha em
torno, abre as asas, tenta seu voo, escreve sua coluna de jornal... e
entende que a morte não vence o amor.
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* Escritora. Colunista da ZH
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=825f7ee6dc8c95b68641f32fe70945dd
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