Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula: para ele, a Lava Jato vai deixar um legado negativo (Kaio Lakaio/.)
Cristiano Zanin Martins acusa ex-juiz de perseguição e confia que ex-presidente irá recuperar os direitos políticos
O advogado Cristiano Zanin Martins cansou de acumular derrotas
na Justiça durante a defesa do ex-presidente Lula. Com o petista
novamente em liberdade após passar 580 dias preso por corrupção passiva e
lavagem de dinheiro, ele agora vislumbra um cenário mais otimista para o
seu cliente mais famoso. Apesar de a soltura ter ocorrido por via
indireta, já que se deu em razão do veto do Supremo Tribunal Federal à
execução de pena em segunda instância, os diálogos comprometedores que
envolvem procuradores da Operação Lava-Jato e o então juiz Sergio Moro
deram algum combustível ao argumento de que Lula seria alvo de
perseguição judicial, o que pode levar à anulação do processo pelo mesmo
STF. Se os ministros acolherem a tese de suspeição de Moro, já
rejeitada em outras ocasiões, Lula se tornará de novo apto a disputar
uma eleição. Nas mãos do ministro Gilmar Mendes, o desfecho do caso deve
acontecer somente em 2020, mas não há dúvida de que esse hoje é o
grande objetivo do petista. “A luta é para provar sua inocência,
recuperando os direitos políticos dele”, afirma Zanin, genro e sócio do
advogado Roberto Teixeira, que vem a ser também compadre do
ex-presidente. Na entrevista a seguir, ele faz críticas fortes a Moro e
diz que estuda lançar uma vaquinha virtual para que Lula possa bancar os
custos judiciais das batalhas que ainda terá pela frente.
Como advogado, o senhor repete frequentemente que seu cliente
é inocente, mas, além de depoimentos de delatores, os processos
reuniram provas como a visita de Lula ao tríplex, reformas feitas para
atender o ex-presidente e objetos pessoais no sítio de Atibaia. Como
explicar isso? Os depoimentos dos delatores são mentirosos e
não provam absolutamente nada contra o ex-presidente. São ensaiados e
com conteúdo previamente acertado com o Ministério Público em troca de
benefícios. Não têm força probatória. Não há em nenhum processo
demonstração alguma de que Lula tenha praticado ou deixado de praticar
ato inerente à função de presidente da República em troca de vantagem
indevida.
Mas o apartamento e o sítio foram reformados. Havia os objetos pessoais de Lula e sua família… As reformas foram feitas à completa revelia do ex-presidente.
O senhor acha que alguém acredita nisso? No tríplex as reformas foram feitas por conta exclusivamente de Léo Pinheiro (ex-presidente da OAS e delator no caso),
não sei com qual objetivo. Talvez fosse o de vender o apartamento ou
torná-lo mais atraente. Mas o fato é que houve a decisão de Lula de não
adquiri-lo. O sítio é de propriedade de Fernando Bittar, e ele
demonstrou isso no processo. Tudo o que foi realizado foi em proveito do
proprietário, não de terceiros. O Lula sempre disse que frequentava o
sítio. O que se buscou foi transformar a amizade que sempre existiu em
crime.
“O que vimos é que, desde a fase de investigação, o juiz
Moro coordenava as ações da acusação, quando deveria manter posição de
equidistância. Isso não pode nem para Lula
nem para nenhum cidadão”
As empreiteiras trabalharam tanto para agradar o ex-presidente Lula sem esperar nenhuma contrapartida? Isso não ofende a lógica?
Não poderia existir uma expectativa de contrapartida porque o
presidente já tinha deixado o cargo havia muito tempo, tanto no caso do
tríplex quanto no de Atibaia. Do ponto de vista técnico-jurídico, isso é
uma aberração da Lava-Jato. Não se pode cogitar o crime de corrupção
sem a prática de ato de ofício diretamente relacionado à vantagem
indevida.
O senhor vê perseguição do então juiz Sergio Moro a Lula, mas
ele teve sua condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região e pelo Superior Tribunal de Justiça. O vício decorre da
suspeição de Moro e permanece mesmo após a análise por outras
instâncias. A razão é simples: o momento fundamental do processo é a
instrução, a fase da coleta de provas, e quem conduziu isso foi o então
juiz Moro. O que chegou às instâncias superiores foi esse conjunto
probatório, com todos os problemas decorrentes dessa situação. Moro
induziu o Judiciário ao erro.
Não há contradição em criticar tanto a Justiça e, ao mesmo tempo, recorrer a ela para buscar a absolvição?
Lula tem confiança em que a Justiça vai reconhecer a nulidade do
processo e que ele não praticou nenhum crime. O ex-presidente não faz
crítica às instituições, mas à atuação de determinados membros do
sistema que agiram fora dos limites da lei. Não vejo contradição.
Lula já teve mais de 16 milhões de reais bloqueados pela Justiça. De onde vem esse dinheiro?
Parte substancial do patrimônio do Lula provém de palestras licitamente
realizadas pelo ex-presidente e nem de longe chega a essas quantias que
muitas vezes são indicadas nos processos.
Com base em testemunhos de delatores, o MPF afirma que essas palestras são fraudulentas.
Esse é um dos grandes absurdos que mostram a linha tendenciosa contra
Lula. Nós provamos que as palestras foram feitas. A maior parte delas
nem sequer foi para empreiteiras envolvidas na Lava-Jato. Essa
investigação tem mais de três anos, e o MP jamais conseguiu apontar
ilicitude alguma. Essas palestras ocorreram quando Lula já havia deixado
o cargo de presidente, o que é bem diferente da situação do procurador
Deltan Dallagnol, que realiza palestras exercendo os cargos de
procurador da República e de chefe da força-tarefa.
O julgamento da ação sobre a suspeição de Moro, que deveria
ser realizado em novembro, provavelmente ficará para 2020, devido à
agenda carregada do STF. Esse possível adiamento o incomoda?
Queremos reparar quanto antes toda essa injustiça. Já apresentamos
sólidos fundamentos para demonstrar a suspeição de Moro. Houve o grampo
telefônico no meu escritório para acompanhar a estratégia de defesa e o
fato de Moro ter se tornado ministro do atual governo, além de outras
circunstâncias depois reforçadas pela Vaza-Jato.
Por que seu cliente recusou a progressão para o regime semiaberto, que poderia tê-lo tirado antes da cadeia?
O ex-presidente disse sempre que não aceitaria barganhar a sua
liberdade, e isso ele não fez. Ele saiu com a sua presunção de inocência
reconhecida. O STF entendeu que vale o que está previsto na
Constituição: “Ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado
de sentença penal condenatória”.
Por que o senhor é contra a prisão em segunda instância?
Não acho que seja possível permitir a prisão em regime de execução
antecipada porque a Constituição garante a presunção de inocência. Como
se trata de cláusula pétrea, não vejo como possa ser feita essa
alteração. É preciso lembrar a necessidade de assegurar as garantias
processuais, em especial a ampla defesa e o contraditório. Hoje vemos
grande prejuízo ao exercício dessas garantias.
O senhor acha que mudou a percepção dos tribunais com relação à culpa de Lula?
A verdade histórica está chegando muito rapidamente, e acho que a
Vaza-Jato teve contribuição importante. Tem o livro escrito pelo
ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot reconhecendo que o Lula
era uma obsessão da Lava-Jato.
Não é natural dar atenção especial ao caso, por se tratar de um ex-presidente? Não. Eu acho que se você é um procurador, um juiz, não pode ter obsessão por ninguém.
“A Lava-Jato vai deixar um legado negativo, com muitas
violações às garantias fundamentais e aos direitos humanos. A
Constituição foi claramente desrespeitada”
O fato de as mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil
terem origem criminosa não é um obstáculo ao uso desse material na
defesa? Trata-se de prova para reforçar teses defensivas, e não
há obstáculo para que ela seja levada em consideração e reforce um
cenário que já havia sido exposto. Sempre demonstramos que existia um
consórcio entre o juiz e a acusação, que atuavam como um bloco
monolítico. Essa ligação foi feita desde 2016, na primeira manifestação
que levamos ao processo de Lula.
Moro afirma ser comum uma comunicação mais informal do juiz com as partes. O senhor já trocou alguma mensagem com ele?
Esse contato pode até ocorrer em uma situação excepcional, mas o que
vimos é que, desde a fase de investigação, o juiz coordenava as ações da
acusação, quando deveria manter posição de equidistância. Isso não pode
nem para o ex-presidente nem para nenhum cidadão. Só tive contato com o
então juiz Moro durante as audiências, e jamais falei com ele por
telefone ou mensagem.
Antonio Palocci foi um dos principais ministros do Lula e passou a acusá-lo. Isso não complica a defesa de Lula?
O Palocci sempre mentiu em seus depoimentos. Uma coisa que me marcou
muito é que ele levava anotações com frases de efeito que iria
pronunciar. Um exemplo é um depoimento no caso de Atibaia: quando eu me
sentei ao lado dele, vi que na folha que ele usava constava a frase
“pacto de sangue”. Foi exatamente o que ele afirmou na sequência (para se referir à relação entre Odebrecht e Lula). Era algo premeditado, e não tem conexão com a realidade.
Qual a sua avaliação hoje sobre a Lava-Jato? Vai
deixar um legado negativo, com muitas violações às garantias
fundamentais e aos direitos humanos. É impossível dissociar essas
ilegalidades dos eventuais ganhos no combate à corrupção — que tem de
ser feito, mas dentro da legalidade. A Constituição foi claramente
desrespeitada.
Sua opinião destoa da opinião da sociedade… À medida
que houver essa percepção de irregularidades nos processos, a Lava-Jato
passará a ser vista com restrições por uma boa parcela da população.
Essa percepção já mudou ao longo do tempo. As pessoas foram vendo
anomalias como o fato de o juiz que condenou Lula e o retirou da eleição
ter se transformado em ministro do presidente eleito em razão desse
cenário.
Como pretende garantir que seu cliente dispute eleições?
Nós esperamos poder dar a ele essa opção, mas não temos como garantir. O
que podemos é trabalhar com vistas à anulação de todo o processo, e
isso poderia restabelecer os seus direitos políticos.
Quem paga a defesa de Lula? Ele sempre bancou seus
advogados, mas o bloqueio de seus bens há um ano causou um prejuízo
relevante à sua defesa. Isso nós colocamos formalmente nas peças dos
processos, mas temos o dever ético de não entrar em detalhes. Avaliamos a
possibilidade de abrir um crowdfunding. Não há definição sobre
meta de arrecadação, mas, se a Justiça não liberar os recursos, vemos
essa alternativa como a única para fazer frente aos custos da defesa
diante dos passos relevantes que ainda estão pela frente.
----------------
Reportagem Por Leonardo Lellis - 22 nov 2019, 09h31 - Publicado em 22 nov 2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário