segunda-feira, 25 de novembro de 2019

“Moro induziu Judiciário ao erro”, afirma advogado de Lula

Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula: para ele, a Lava Jato vai deixar um legado negativo (Kaio Lakaio/.)

Cristiano Zanin Martins acusa ex-juiz de perseguição e confia que ex-presidente irá recuperar os direitos políticos 

O advogado Cristiano Zanin Martins cansou de acumular derrotas na Justiça durante a defesa do ex-presidente Lula. Com o petista novamente em liberdade após passar 580 dias preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ele agora vislumbra um cenário mais otimista para o seu cliente mais famoso. Apesar de a soltura ter ocorrido por via indireta, já que se deu em razão do veto do Supremo Tribunal Federal à execução de pena em segunda instância, os diálogos comprometedores que envolvem procuradores da Operação Lava-Jato e o então juiz Sergio Moro deram algum combustível ao argumento de que Lula seria alvo de perseguição judicial, o que pode levar à anulação do processo pelo mesmo STF. Se os ministros acolherem a tese de suspeição de Moro, já rejeitada em outras ocasiões, Lula se tornará de novo apto a disputar uma eleição. Nas mãos do ministro Gilmar Mendes, o desfecho do caso deve acontecer somente em 2020, mas não há dúvida de que esse hoje é o grande objetivo do petista. “A luta é para provar sua inocência, recuperando os direitos políticos dele”, afirma Zanin, genro e sócio do advogado Roberto Teixeira, que vem a ser também compadre do ex-presidente. Na entrevista a seguir, ele faz críticas fortes a Moro e diz que estuda lançar uma vaquinha virtual para que Lula possa bancar os custos judiciais das batalhas que ainda terá pela frente.

Como advogado, o senhor repete frequentemente que seu cliente é inocente, mas, além de depoimentos de delatores, os processos reuniram provas como a visita de Lula ao tríplex, reformas feitas para atender o ex-presidente e objetos pessoais no sítio de Atibaia. Como explicar isso? Os depoimentos dos delatores são mentirosos e não provam absolutamente nada contra o ex-presidente. São ensaiados e com conteúdo previamente acertado com o Ministério Público em troca de benefícios. Não têm força probatória. Não há em nenhum processo demonstração alguma de que Lula tenha praticado ou deixado de praticar ato inerente à função de presidente da República em troca de vantagem indevida.

Mas o apartamento e o sítio foram reformados. Havia os objetos pessoais de Lula e sua família… As reformas foram feitas à completa revelia do ex-presidente.

O senhor acha que alguém acredita nisso? No tríplex as reformas foram feitas por conta exclusivamente de Léo Pinheiro (ex-presidente da OAS e delator no caso), não sei com qual objetivo. Talvez fosse o de vender o apartamento ou torná-lo mais atraente. Mas o fato é que houve a decisão de Lula de não adquiri-lo. O sítio é de propriedade de Fernando Bittar, e ele demonstrou isso no processo. Tudo o que foi realizado foi em proveito do proprietário, não de terceiros. O Lula sempre disse que frequentava o sítio. O que se buscou foi transformar a amizade que sempre existiu em crime.

“O que vimos é que, desde a fase de investigação, o juiz Moro coordenava as ações da acusação, quando deveria manter posição de equidistância. Isso não pode nem para Lula 
nem para nenhum cidadão”

As empreiteiras trabalharam tanto para agradar o ex-presidente Lula sem esperar nenhuma contrapartida? Isso não ofende a lógica? Não poderia existir uma expectativa de contrapartida porque o presidente já tinha deixado o cargo havia muito tempo, tanto no caso do tríplex quanto no de Atibaia. Do ponto de vista técnico-jurídico, isso é uma aberração da Lava-Jato. Não se pode cogitar o crime de corrupção sem a prática de ato de ofício diretamente relacionado à vantagem indevida.

O senhor vê perseguição do então juiz Sergio Moro a Lula, mas ele teve sua condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e pelo Superior Tribunal de Justiça. O vício decorre da suspeição de Moro e permanece mesmo após a análise por outras instâncias. A razão é simples: o momento fundamental do processo é a instrução, a fase da coleta de provas, e quem conduziu isso foi o então juiz Moro. O que chegou às instâncias superiores foi esse conjunto probatório, com todos os problemas decorrentes dessa situação. Moro induziu o Judiciário ao erro.

Não há contradição em criticar tanto a Justiça e, ao mesmo tempo, recorrer a ela para buscar a absolvição? Lula tem confiança em que a Justiça vai reconhecer a nulidade do processo e que ele não praticou nenhum crime. O ex-­presidente não faz crítica às instituições, mas à atuação de determinados membros do sistema que agiram fora dos limites da lei. Não vejo contradição.

Lula já teve mais de 16 milhões de reais bloqueados pela Justiça. De onde vem esse dinheiro? Parte substancial do patrimônio do Lula provém de palestras licitamente realizadas pelo ex-presidente e nem de longe chega a essas quantias que muitas vezes são indicadas nos processos.

Com base em testemunhos de delatores, o MPF afirma que essas palestras são fraudulentas. Esse é um dos grandes absurdos que mostram a linha tendenciosa contra Lula. Nós provamos que as palestras foram feitas. A maior parte delas nem sequer foi para empreiteiras envolvidas na Lava-Jato. Essa investigação tem mais de três anos, e o MP jamais conseguiu apontar ilicitude alguma. Essas palestras ocorreram quando Lula já havia deixado o cargo de presidente, o que é bem diferente da situação do procurador Deltan Dallagnol, que realiza palestras exercendo os cargos de procurador da República e de chefe da força-tarefa.

O julgamento da ação sobre a suspeição de Moro, que deveria ser realizado em novembro, provavelmente ficará para 2020, devido à agenda carregada do STF. Esse possível adiamento o incomoda? Queremos reparar quanto antes toda essa injustiça. Já apresentamos sólidos fundamentos para demonstrar a suspeição de Moro. Houve o grampo telefônico no meu escritório para acompanhar a estratégia de defesa e o fato de Moro ter se tornado ministro do atual governo, além de outras circunstâncias depois reforçadas pela Vaza-Jato.

Por que seu cliente recusou a progressão para o regime semiaberto, que poderia tê-lo tirado antes da cadeia? O ex-presidente disse sempre que não aceitaria barganhar a sua liberdade, e isso ele não fez. Ele saiu com a sua presunção de inocência reconhecida. O STF entendeu que vale o que está previsto na Constituição: “Ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Por que o senhor é contra a prisão em segunda instância? Não acho que seja possível permitir a prisão em regime de execução antecipada porque a Constituição garante a presunção de inocência. Como se trata de cláusula pétrea, não vejo como possa ser feita essa alteração. É preciso lembrar a necessidade de assegurar as garantias processuais, em especial a ampla defesa e o contraditório. Hoje vemos grande prejuízo ao exercício dessas garantias.

O senhor acha que mudou a percepção dos tribunais com relação à culpa de Lula? A verdade histórica está chegando muito rapidamente, e acho que a Vaza-Jato teve contribuição importante. Tem o livro escrito pelo ex­-procurador-geral da República Rodrigo Janot reconhecendo que o Lula era uma obsessão da Lava-Jato.

Não é natural dar atenção especial ao caso, por se tratar de um ex-presidente? Não. Eu acho que se você é um procurador, um juiz, não pode ter obsessão por ninguém.
“A Lava-Jato vai deixar um legado negativo, com muitas violações às garantias fundamentais e aos direitos humanos. A Constituição foi claramente desrespeitada”

O fato de as mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil terem origem criminosa não é um obstáculo ao uso desse material na defesa? Trata-se de prova para reforçar teses defensivas, e não há obstáculo para que ela seja levada em consideração e reforce um cenário que já havia sido exposto. Sempre demonstramos que existia um consórcio entre o juiz e a acusação, que atuavam como um bloco monolítico. Essa ligação foi feita desde 2016, na primeira manifestação que levamos ao processo de Lula.

Moro afirma ser comum uma comunicação mais informal do juiz com as partes. O senhor já trocou alguma mensagem com ele? Esse contato pode até ocorrer em uma situação excepcional, mas o que vimos é que, desde a fase de investigação, o juiz coordenava as ações da acusação, quando deveria manter posição de equidistância. Isso não pode nem para o ex-presidente nem para nenhum cidadão. Só tive contato com o então juiz Moro durante as audiências, e jamais falei com ele por telefone ou mensagem.

Antonio Palocci foi um dos principais ministros do Lula e passou a acusá-lo. Isso não complica a defesa de Lula? O Palocci sempre mentiu em seus depoimentos. Uma coisa que me marcou muito é que ele levava anotações com frases de efeito que iria pronunciar. Um exemplo é um depoimento no caso de Atibaia: quando eu me sentei ao lado dele, vi que na folha que ele usava constava a frase “pacto de sangue”. Foi exatamente o que ele afirmou na sequência (para se referir à relação entre Odebrecht e Lula). Era algo premeditado, e não tem conexão com a realidade.

Qual a sua avaliação hoje sobre a Lava-­Jato? Vai deixar um legado negativo, com muitas violações às garantias fundamentais e aos direitos humanos. É impossível dissociar essas ilegalidades dos eventuais ganhos no combate à corrupção — que tem de ser feito, mas dentro da legalidade. A Constituição foi claramente desrespeitada.

Sua opinião destoa da opinião da sociedade… À medida que houver essa percepção de irregularidades nos processos, a Lava-Jato passará a ser vista com restrições por uma boa parcela da população. Essa percepção já mudou ao longo do tempo. As pessoas foram vendo anomalias como o fato de o juiz que condenou Lula e o retirou da eleição ter se transformado em ministro do presidente eleito em razão desse cenário.

Como pretende garantir que seu cliente dispute eleições? Nós esperamos poder dar a ele essa opção, mas não temos como garantir. O que podemos é trabalhar com vistas à anulação de todo o processo, e isso poderia restabelecer os seus direitos políticos.

Quem paga a defesa de Lula? Ele sempre bancou seus advogados, mas o bloqueio de seus bens há um ano causou um prejuízo relevante à sua defesa. Isso nós colocamos formalmente nas peças dos processos, mas temos o dever ético de não entrar em detalhes. Avaliamos a possibilidade de abrir um crowdfunding. Não há definição sobre meta de arrecadação, mas, se a Justiça não liberar os recursos, vemos essa alternativa como a única para fazer frente aos custos da defesa diante dos passos relevantes que ainda estão pela frente.

Publicado em VEJA de 27 de novembro de 2019, edição nº 2662
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Reportagem Por Leonardo Lellis - 22 nov 2019, 09h31 - Publicado em 22 nov 2019

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