De la
Torre: ‘Boas políticas sociais facilitam investimentos. Não se trata apenas de
atrair capital,
mas atrair pessoas’ — Foto: Juan Carlos Rojas/Notimex
Para ex-economista do Banco Mundial, país vive
momento distinto na região, mas tem de estar alerta
Por Thais Carrança — De São Paulo
Uma mudança radical
de expectativas após anos de redução da pobreza e desigualdade, aliada a uma
percepção de injustiça decorrente da corrupção e potencializada pela
desaceleração do crescimento. São esses os fatores comuns que ajudam a explicar
a onda de instabilidade política em países como Chile, Bolívia, Peru e
Argentina, e até mesmo a ascensão da extrema direita no Brasil, avalia Augusto
de la Torre, economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe
entre 2007 e 2016.
Para De la Torre, a
turbulência latino-americana deve afastar investidores da região, mas o Brasil
está em posição diferente dos seus pares, por estar avançando com uma agenda de
reformas com relativo grau de consenso político. No entanto, diz o economista,
a instabilidade nos países vizinhos deve servir de alerta aos políticos e
líderes brasileiros.
“Se queremos um
ciclo virtuoso de crescimento com igualdade social e percepção de igualdade,
toda política econômica deve ser acompanhada de uma política social bem desenhada”,
diz De la Torre, em entrevista concedida por telefone ao Valor. “Se isso é
benfeito, essas políticas se fortalecem.”
Segundo o hoje
professor da Universidade Columbia, ao analisar a turbulência na América
Latina, é preciso distinguir entre as forças subjacentes que provocaram o atual
grau de insatisfação e aquelas que serviram de gatilhos, amplificando a reação
ao ponto da ação violenta. Ele lembra que, entre 2003 e 2015, os países da
região experimentaram grande progresso social, com mais de 150 milhões de
latino-americanos deixando a pobreza, e uma redução também significativa da desigualdade
- que, ainda assim, permanece elevada.
“É preciso entender por que, apesar de tanta
mobilidade social, há tanta insatisfação. Vejo duas hipóteses”, afirma De la
Torre. Uma delas é que, com o progresso social, houve também uma mudança
profunda das expectativas. “À medida que o poder de compra das pessoas cresceu,
elas passaram a esperar outras coisas de suas vidas, seus empregos, suas cidades,
do desenvolvimento e do Estado.”
A essas
expectativas frustradas por serviços básicos que não acompanharam a melhora da
renda soma-se um mal-estar com relação à corrupção, que leva a uma percepção de
privilégios injustificados, avalia o economista. “Tudo isso indica que a
tradicional medida de desigualdade usada por nós economistas, que é o
coeficiente de Gini da renda, não está capturando as tensões e as fraturas na
sociedade”, avalia. O Gini varia de zero a um. Quanto mais próximo de um, maior
é a desigualdade.
Para De la Torre,
essa mudança profunda de expectativas, comum a vários países latino-americanos,
parece ser a força “subjacente” desse descontentamento. “Isso pode ter sido
exacerbado pelo fato bem conhecido de que o crescimento da América Latina
desabou após 2013”, considera ele, lembrando que a região, que crescia cerca de
5% ao ano, agora tem avanço próximo de zero.
Assim, o economista
avalia que a desigualdade, entendida de maneira unidimensional, é insuficiente
para dar conta do fenômeno atual. “É mais do que a renda, mas uma percepção multidimensional
de injustiça.”
A economia da
região deve sofrer com os efeitos da instabilidade, diz o professor. “A
economia se baseia em confiança com relação ao futuro”, afirma. “Quando a
confiança se erode, há uma erosão também na disposição em investir e em fazer
apostas no futuro do país.” Segundo De la Torre, cabe à democracia encontrar
formas de canalizar a insatisfação para que haja uma volta à normalidade.
“O tipo de
violência e insatisfação social que estamos vendo sugere que é preciso haver
alguma reavaliação de que elementos do contrato social precisam ser
atualizados”, afirma o economista. “Por exemplo, como reduzir a corrupção ou
como assegurar que certos bens e serviços públicos não respondam a interesses
de mercado, mas sociais, como transporte público, aposentadorias e educação
para todos.”
O Brasil, porém,
está em momento distinto de muitos de seus vizinhos, acredita De la Torre. “O
país encontrou um importante grau de consenso político para encaminhar reformas
estruturais relevantes”, diz, citando a reforma trabalhista e a da Previdência,
além dos esforços para melhoria do ambiente de negócios, por meio da redução do
“custo Brasil”.
“Parece que,
comparado ao que está acontecendo no Chile, no Equador e na Bolívia, o Brasil
tem muito mais espaço para manobrar”, afirma De la Torre, que é equatoriano.
“Mas o país deve olhar para o que está acontecendo em seus vizinhos para
antecipar o que está espreitando sob a superfície, para que políticos e líderes
possam ser mais proativos.”
Assim, o professor
destaca que é importante que a política social não seja deixada para trás. “O
Brasil foi um líder na inovação em políticas sociais, com o Bolsa Família”,
lembra ele. “Agora, claramente o país precisa crescer, ampliar investimentos,
se integrar melhor ao mundo. Precisa de um mercado mais eficiente para
financiamentos de longo prazo, precisa reduzir o custo de fazer negócios. Todas
essas coisas são muito importantes, mas colocar ênfase apenas nelas e esquecer
a robusta agenda social necessária não pode acontecer.”
Para De la Torre,
isso é importante até mesmo para a volta do investimento ao país. “Boas
políticas sociais facilitam investimentos. Porque não se trata apenas de atrair
capital, mas de atrair pessoas”, diz o economista. “Se as duas coisas não andam
juntas, é difícil avançar à mesma velocidade, porque o governo tem capital
político limitado.”
Para ele, o futuro
da América Latina é hoje incerto, principalmente devido às “nuvens negras” que
pairam sobre o futuro do mundo. “Já temos um mundo com significativos
bolsões de
recessão”, afirma De la Torre, citando a recessão global da atividade
manufatureira, forças recessivas em países como Reino Unido, Alemanha, Itália e
Turquia, a recessão já em andamento na Argentina e a expectativa de
desaceleração da atividade nos Estados Unidos e na China.
“O mundo está pouco
amigável para o crescimento latino-americano. Isso significa que, para a região
ter desempenho melhor do que o do mundo, ela precisa avançar com reformas
estruturais e sociais”, acredita De la Torre. O economista reconhece, porém, o
desafio de dar continuidade às reformas sociais em meio ao fraco crescimento e
escassez de recursos fiscais após o fim do superciclo das commodities.
“Não temos os
recursos fiscais que tivemos no passado. Então, ao implementarmos políticas
sociais, precisamos pensar em desenhos que cheguem a resultados, sem precisar
de muitos recursos. E nós temos muito espaço para isso”, afirma ele. Para o
economista, no entanto, a velocidade com que o progresso social avançou durante
o boom de commodities não deve se repetir.
“Precisamos evitar
uma reversão, um novo aumento da pobreza e de pessoas que agora têm um poder de
compra de classe média voltando para abaixo disso. Essas devem ser as
prioridades das políticas”, diz De la Torre, referindo-se à região como um
todo. “Para continuarmos com o progresso social e voltarmos a um ritmo mais
rápido de progresso, precisaremos de mais crescimento. Por isso não podemos
esquecer da importância de tornar nossas economias mais eficientes, mais inovadoras
e mais integradas aos mercados internacionais. Vamos torcer para que possamos
evitar uma reversão.”
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