Mário Corso*
A Ancol - Associação Nacional dos Colunistas - me advertiu por não falar do filme. Então...
Gostei do Coringa pela extraordinária performance da
loucura. Quem já trabalhou com psicose o reconhece: o corpo magro,
irrequieto, falsamente frágil, e rústico, parecendo ser feito de
madeira.
Na psicose, o centro gravitacional tende à mulher, pois
eles estão mais vulneráveis a uma identificação exclusivamente materna.
E no começo do filme, antes da virada, ele é de uma delicadeza quase
feminina, espelhando a mãe que cuida com desvelo.
Uma das fobias clássicas é a do palhaço, porque o maior
medo de uma criança é ver seus progenitores, nesse caso o pai, sendo
zombado. O palhaço é signo de um pai decaído e é nessa gramática que
gira a identidade inicial do personagem.
O Coringa sonha com um pai que desesperadamente lhe
falta, mas ele segura a onda. Porém, quando descobre que seu esteio
afetivo materno é uma farsa, soltam-se os poucos fios que parcamente o
conectavam à sanidade e abre-se a porta do inferno. Faz sentido que
nesse momento ele mude de nome, afinal, Coringa é uma carta avulsa, sem
filiação de naipe.
O filme é uma de tantas obras que buscam uma resposta e
uma face para o mal. Nosso racionalismo se recusa a aceitar que o
crime, algo tão grave, possa não ter uma origem lógica ou justificável.
Porém, o crime muitas vezes está ligado a uma banalidade, em outras
palavras, à estupidez. Apesar de tantos progressos em tantas áreas,
seguimos sendo um macaco que aprendeu a falar; logo, sujeitos a momentos
em que a ação não faz sentido.
Entenda estupidez quando se age causando dano sem
proveito para si e não raro, trazendo prejuízo para nós mesmos. Embora
os exemplos sejam evidentes e múltiplos, seguimos buscando uma
racionalidade de todo agir criminoso, quando só alguns fazem sentido. O
Coringa, portanto, é mais uma teoria do que acreditamos ser a gênese da
psicopatia e da maldade, do que realmente ela é.
O medo de que pessoas se identifiquem com esse Coringa
humanizado pelo martírio e saiam matando é improcedente. Não que não
possa acontecer, a loucura é imprevisível, mas apenas tomaria emprestada
uma fantasia que, se não fosse essa, seria outra. Nem que barrássemos
toda a produção ficcional estaríamos a salvo dos estúpidos, dos que
enlouquecem, e de seus atos insensatos.
Se achamos que seriam tão tentadoras as atitudes
violentas e grotescas do personagem, é porque ele nos traduz na
tendência ao ressentimento. Quem não flertou com a ideia de que o mundo
lhe deve mais reconhecimento, oportunidades e recompensas?
O filme é pesado, brutal mas catártico. Melhor que as
fantasias de ressentimento ganhem a luz do que nos espreitem na sombra,
onde namoraríamos com o prazer secreto de realizá-las. O horror na
ficção pode ser a vacina que barra o horror real.
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* Psicanalistas. Escritor. Colunista da ZH
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=2a4436e6b50383d2f3a205f11f9c829a
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