Falsos democratas enchem os pulmões para afirmar que respeitam a
democracia e o Estado de Direito desde que sempre prevaleçam seus
desejos, o que de chofre representa autoritarismo. Vice-presidente da
República, o general da reserva Antônio Hamilton Mourão já não se preocupa em exibir os plúmbeos punhos da camisa que vão além da farda, como era de se esperar.
Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, seguindo o que
determina a Constituição Federal, derrubou a possibilidade de prisão
após condenação em segunda instância, Mourão reagiu como candidato a
tiranete ao comentar a libertação do ex-presidente Lula, que deixou a
carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, após 580 dias de prisão.
Em sua conta no Twitter, Mourão questionou: “Onde está o Estado de
Direito no Brasil?”. Não contente, o general da reserva foi além em seu
devaneio jurídico e emendou: “O Estado de Direito é um dos pilares da
nossa civilização, assegurando que a lei seja aplicada igualmente a
todos. Mas, hoje, dia 8 de novembro de 2019, cabe perguntar: onde está o
Estado de Direito no Brasil? Ao sabor da política?”, escreveu Mourão.
Causa espécie a nauseante sabujice de Hamilton Mourão, pois a decisão
de fazer valer o que dispõe o artigo 5º da Constituição, inciso LVII
(“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”) se deve inclusive ao respeito ao Estado de
Direito, o mesmo que permitiu a suspensão da investigação sobre o
escândalo envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Fabrício
Queiroz, o outrora “faz tudo” da família do presidente da República.
A manifestação idiossincrática de Hamilton Mourão não surpreende quem
conhece a forma camuflada como muitos militares brasileiros existem e
agem, pois falam em respeito às leis com a mesma facilidade que tentam
impor a fórceps suas vontades.
Apesar de criticar o comportamento ditatorial e facinoroso de Nicolás
Maduro, que faz dos tribunais venezuelanos marionetes de aluguel,
Mourão tem dificuldade para compreender que a decisão do STF não foi
política, mas em consonância com o que dispõe a Carta Magna.
O grande problema do País, desde que em cena entrou a possibilidade
de revogação da prisão em segunda instância, é que a sociedade passou a
se preocupar com a eventual libertação de Lula, que tem o direito de
recorrer em liberdade, gostem ou não o colérico clã Bolsonaro e o
generalato palaciano.
Como mencionamos em matéria anterior,
a população, em especial a porção revanchista e histérica, ainda há de
descobrir que o melhor a se fazer no ambiente democrático é julgar e
condenar, se necessário, sempre à sombra da lei, sob pena de assim não
sendo abrir-se caminho para que surja um monstro sagrado.
A exemplo do que afirmamos, Lula deveria sair do cárcere menor em
termos políticos do que quando foi preso, mas o revanchismo ideológico
da turba direitista serviu para inflar um “animal político” que já
disse, sem meias palavras, que “está com o sangue nos olhos”.
Bolsonaro elegeu-se presidente no vácuo do discurso fácil e mentiroso
de combate à corrupção e da falaciosa pregação da moral e dos bons
costumes, mas ao longo de pouco mais de dez meses só conseguiu provar
que é o que muitos conhecem como “mais do mesmo”.
Para quem se apequenou e adotou silêncio quase obsequioso diante da
declaração de Eduardo Bolsonaro, o tal “02”, que disse que uma eventual
radicalização da esquerda poderia ter como consequência a edição de um
novo Ato Institucional nº 5 – instrumento criminoso adotado na ditadura
militar para calar os adversários, com direito a torturas, mortes e
desaparecimentos (sic) –, a reação de Hamilton Mourão não poderia ser
outra.
Bom seria que Mourão arrumasse espaço na agenda do final de semana
para ler – talvez reler – “O Pequeno Príncipe”, de Antoine
Saint-Exupéry, que em dado trecho escreveu: “Tu te tornas eternamente
responsável por aquilo que cativas”.
Sendo assim, sugerirmos ao vice-presidente que module o diapasão do
discurso e coloque a farda de molho, pois de agora em diante Bolsonaro
terá pela frente um adversário que, apesar das condenações, continua
sendo um “animal político”.
O filósofo italiano Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, conhecido
popularmente como Maquiavel (1469-1527), destilou certa feita, em
palavras escritas, um pensamento que cai como fina luva sobre o
questionamento obtuso de Mourão acerca do Estado de Direito.
“Há três espécies de cérebros: uns entendem por si próprios; os
outros discernem o que os primeiros entendem; e os terceiros não
entendem nem por si próprios nem pelos outros; os primeiros são
excelentíssimos; os segundos excelentes; e os terceiros totalmente
inúteis”, escreveu o pensador florentino.
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Fonte: http://ucho.info/2019/11/08/mourao-questiona-estado-de-direito-e-mostra-que-precisa-reler-o-pequeno-principe-ou-consultar-maquiavel/
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