O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Reprodução/PT
Para o cientista político Aldo Fornazieri, o ex-presidente empolga a militância, mas o desafio é mobilizar setores mais amplos da sociedade
“Sei que a esquerda está bastante
eufórica, mas a minha análise é um tanto pessimista”, esclarece de
antemão o cientista político Aldo Fornazieri, professor da Fundação
Escola de Sociologia e Política de São Paulo, ao analisar as
perspectivas para o chamado campo progressista após a libertação de
Lula. Mesmo com todo o carisma que possui, o ex-presidente dificilmente
será capaz de unificar esse campo político ou mesmo de construir uma
sólida oposição ao governo de Jair Bolsonaro, avalia o especialista.
“Lula mobilizaria a sociedade em
torno do quê? Com quais bandeiras?”, indaga Fornazieri. “Dentro do
Congresso, vemos as oposições enfraquecidas. Quem dá as cartas ali é o
Centrão, reunido em torno do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Não
vejo como mudar a correlação de forças no Parlamento por causa da
libertação do ex-presidente.”
Confira, a seguir, a entrevista concedida a CartaCapital:
CartaCapital: O senhor acredita que Lula será capaz de reorganizar a oposição ao governo Bolsonaro?
Aldo Fornazieri: Acho bem difícil.
Em primeiro lugar, porque Lula não pode substituir os partidos
políticos, e as legendas de oposição demonstram estar em crise, sem
capacidade de mobilização. O episódio mais recente foi o fiasco dos
protestos de 5 de novembro, em reação às declarações de Eduardo
Bolsonaro sobre a volta do AI-5. Os atos pelo País foram totalmente
esvaziados. A greve de junho também fracassou. Na votação da reforma da
Previdência na Câmara dos Deputados, tinha uns 20 manifestantes. Não sei
se o filho do presidente consegue fechar a Suprema Corte com um cabo e
um soldado, mas seguramente a oposição não consegue barrar reformas que
retiram direito dos trabalhadores com apenas 20 militantes.
CC: Lula não tem essa capacidade de mobilização?
AF: O ex-presidente tem retórica,
tem carisma, é um mito desse campo popular e da esquerda. Se ele fizer
aquelas viagens pelo Brasil, acredito que pode mobilizar a militância,
mas não a sociedade de uma forma mais ampla. Foi o que o PT conseguiu
fazer nos últimos tempos. Nos atos contra o impeachment, o partido já
demonstrava os limites de sua capacidade convocatória. O desafio
persiste. Lula mobilizaria a sociedade em torno do quê? Com quais
bandeiras? Dentro do Congresso, vemos as oposições enfraquecidas. Quem
dá as cartas ali é o Centrão, reunido em torno do presidente da Câmara,
Rodrigo Maia. Não vejo como mudar a correlação de forças no Parlamento
por causa da libertação do ex-presidente. No Congresso, nem Bolsonaro
tem uma base efetiva nem a oposição.
CC: Não seria possível buscar uma reaproximação com as demais lideranças do chamado campo progressista?
AF: Acho improvável. Ciro Gomes
tem uma perspectiva clara de disputar a presidência da República em 2022
e vê o PT como um obstáculo à sua candidatura. Ele mantém, inclusive,
um discurso muito agressivo contra a direção petista. Não acredito que
Lula esteja disposto a trabalhar pela candidatura do Ciro, até porque o
PT não abre mão de ter candidato próprio. O PSOL pode ter uma
aproximação tática com os petistas em torno de certas questões, mas
duvido que abra mão de se constituir como uma força política autônoma.
Para crescer, ele não pode ser caudatário do PT. Então esse campo deve
continuar dividido. Para ter uma força política com capacidade de
atração gravitacional, é preciso ter uma perspectiva de poder.
CC: O PT não cumpre mais esse papel?
AF: Não vejo isso. Lula não pode
ser candidato e outras lideranças se retraíram. O próprio Fernando
Haddad recuou após as eleições, não parece disposto a exercer uma
presença política mais forte na sociedade. Não é possível conquistar o
poder sem liderança forte, sem atuação social. Lula pode tentar, mas
enfrentará enorme dificuldade para construir um campo unificado de
oposição.
Ciro Gomes tem uma perspectiva clara de disputar a presidência da República em 2022 e vê o PT como um obstáculo à sua candidatura
CC: A ideia de construir uma frente ampla dos setores democráticos e progressistas não passou de um sonho?
AF: Isso vinha se anunciando nas
análises de conjuntura dos partidos de esquerda, mas também fracassou.
No começo, partiu-se da análise equivocada de que o governo Bolsonaro
seria fascista, e não é. Pode ter algum diapasão, algumas posturas
típicas, mas está longe de encarnar o fascismo. O próprio PSL não é um
movimento fascista, tanto que parte do partido está brigada com o
presidente. Por conta desse equívoco, a ideia de construir uma frente
democrática com setores do centro político não tem mais operacionalidade
na atual conjuntura. Por outro lado, a ideia de construir uma frente
popular e progressista perdeu o timing. Agora, os partidos estão preocupados com os arranjos para as eleições municipais do ano que vem.
A esquerda perdeu o pulso da sociedade. Nas periferias, há um evidente predomínio das igrejas evangélicas
CC: A base de Bolsonaro parecia se desentender cada vez mais. A libertação de Lula pode contribuir para uni-la?
AF: Ah, sim… Isso pode ocorrer,
mas também lá existem muitas divisões. Precisamos ver se haverá
manifestações de rua expressivas, mas não me parece ser o momento para
isso. Bolsonaro também está com menor capacidade convocatória. Pode
mobilizar a militância, mas está difícil extrapolar esse grupo. Na
verdade, a sociedade parece bastante enfastiada da política, está
decepcionada. Se surgir algum movimento grande, não acredito que será
por iniciativa dos partidos. Será por disposição da própria sociedade,
como ocorreu recentemente no Chile ou em 2013 no Brasil. Os partidos
perderam o protagonismo das grandes manifestações, não empolgam mais as
massas.
CC: Quais são as alternativas para o campo progressista?
AF: A esquerda perdeu o
pulso da sociedade. Nas periferias, há um evidente predomínio das
igrejas evangélicas, que expressam um conservadorismo muito forte. Sem
força social organizada, a esquerda não triunfa, e é exatamente isso que
tem sido negligenciado. Para reconquistar essa força, é preciso
repensar não apenas a retórica utilizada para convencer a população, mas
também a organização de movimentos sociais fortes e atuantes nas
periferias. Hoje, é a direita que faz isso, em associação com as
igrejas. Talvez até surja algum candidato epifenômeno, capaz de vencer
as eleições, mas ele não terá condições de fazer mudanças estruturais
sem contar com uma força social organizada. Esse foi o equívoco dos
governos petistas, eles acreditavam que o domínio da máquina
governamental era suficiente. Houve uma melhora das condições de vida da
população, mas quais reformas mais profundas o PT fez?
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Fonte: https://www.cartacapital.com.br/politica/lula-tera-dificuldade-para-construir-um-campo-unificado-de-oposicao/?utm_campaign=novo_layout_newsletter_-_15112019&utm_medium=email&utm_source=RD+Station
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