quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Paulo Ghiraldelli: “Bolsonaro não odeia Lula. Em muitos aspectos, o admira”


Em novo livro, Paulo Ghiraldelli usa elementos da filosofia para avaliar o presidente e seu governo

O filósofo Paulo Ghiraldelli se dedicou a avaliar o atual momento político brasileiro a partir de suas principais figuras e narrativas. Jair Bolsonaro e seus rebentos – Flávio, Carlos e Eduardo, o 01, 02 e 03 por ordem cronológica de nascimento – bem como Sérgio Moro, Olavo de Carvalho, Joice Hasselmann e até o ex-presidente Lula ganham capítulos na obra A Filosofia explica Bolsonaro, da editora Leya. Como o título adianta, o autor buscou elementos da filosofia social para avaliar as figuras que incidem sobre o cenário brasileiro, em um livro que ele considera “de combate”.
 
A ideia central, afirma, é ampliar a conversação política no País, a partir de um recado claro: “Estou longe daqueles que dizem que “não é para polarizar”. Faço textos para radicalizar, polarizar e criar conflitos. Não faço livros para ter adversários, faço-os para ter amigos e inimigos”, descreve em um trecho da introdução da obra.

Em conversa com CartaCapital, o autor resume as principais análises e teses que defende na obra.

Financeirização

Já no início da obra, o autor atrela o atual cenário político ao próprio capitalismo e suas transformações, passando do capital produtivo, assentado no trabalho que se dava no comércio e na indústria, para o capital financeirizado, gerido por bancos, que também passaram a negociar quadros de executivos governamentais.

“O neoliberalismo, a ideologia própria do capitalismo comandado pelas finanças, teve início no Brasil no governo Collor, tão logo ele chegou nunca mais paramos de mudar a Constituição, adaptando-a crescentemente aos desígnios do neoliberalismo e da institucionalização do capital fictício.”

O movimento, afirma Ghiraldelli, não teve recuo de Collor a Bolsonaro, passando por Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer. “A nossa disputa por lucros não se dá mais nas fábricas, mas no controle do Estado e dos bancos. O mundo do trabalho foi para a sociedade, somos empresários de nós mesmos, trabalhamos 24 horas por dia, fora de um ambiente de trabalho. Isso só foi possível pela financeirização, temos cartões de crédito”, afirma.

O capitalismo financeiro, avalia, se completa no governo Bolsonaro, com o aval econômico a Paulo Guedes, ministro da Economia. “Ele não teria tido o apoio das elites se não fosse por essa agenda, de fazer com que o capitalismo financeiro se sobreponha ao que já tivemos antes, que continue funcionando a favor dos bancos.”

A direita hormonal

O autor também defende a tese da “direita hormonal”, uma espécie de resto do neoliberalismo, como define. Para Ghiraldelli, o jovem de direita não tem idade, mas hormônios. “O importante é ele ir contra a cultura estabelecida pelos clássicos, em especial o que ele toma como ‘esquerdismo’. O importante é ele falar contra professores, contra ideais de igualitarismo e, em especial, contra as tendências liberacionalistas de mulheres, gays, negros e outras minorias”, critica em um trecho da obra.

Para o filósofo, os integrantes da direita criam “fantasmas velhos e novos para se colocarem como oposição”. “Podem fabricar o comunismo , para serem anticomunistas, ou podem mostrar o feminismo em versão caricaturesca, para serem antifeministas.” O filósofo aposta que, nesse estilo, essa direita não dura muito e provoca: “A direita eterna nunca será outra que não a de John Wayne”.

Bolsonaro

Ao dedicar sua análise a definir “Quem é Bolsonaro?”, Ghiraldelli é contundente. “O correto seria não esperar de Bolsonaro nenhum governo. O seu modo de governar é o puro desgoverno”, atesta. Para o autor, o presidente se dedica a fustigar as esquerdas, “ou melhor: tudo aquilo que ele imagina que é de esquerda”.

O ex-capitão Bolsonaro Foto: Alan Santos/PR

É a partir disso que ele se coloca contra a Constituição de 1988, avalia, não conseguindo compreender que ela é uma boa peça para a defesa do capitalismo e da sociedade de mercado, do liberalismo e dos direitos individuais inerentes ao modelo liberal. O filósofo coloca que Bolsonaro se vale da época dos embates travados acerca da Constituição – “os preceitos liberais nela contidos foram defendidos por pessoas de esquerda, como é o comum em democracias ocidentais, por isso mesmo toda a Constituição deve ser destruída”, sentencia o autor.

Para ele, Bolsonaro se une ao liberalismo de Paulo Guedes exatamente por conta do fato de que é necessário extirpar da Constituição o “cheiro de social-democracia que pode emanar dela”.

Sérgio Moro

O herói da classe média, afirma o autor, ascendeu diante da agenda de combate à corrupção, ainda como juiz da Operação Lava Jato. “A classe média, no geral, tem o entendimento de política como combate à corrupção. Esse foi um fator determinante para o seu crescimento. Depois, a possibilidade dele punir os corruptos, outra agenda de grande aceitação pelas pessoas. Ainda sob o resguardo de estar ‘fora da política’. Cristaliza-se, então, a ideia do ‘vingador’ que limparia o País. E não só a classe média embarca na narrativa, como grande parte da imprensa”, avalia o filósofo.

Para Ghiraldelli, Moro segue com dificuldades de desatrelar a sua figura de ex-juiz à de atual ministro político. E pauta suas medidas pelo status de poder ainda não alcançado inteiramente. Na condição de ministro da Justiça, o filósofo o considera um “propagandista de má-fé. “Suas propostas de lei nunca deixaram de ferir alguma cláusula do estado de direito, mas a sua interpretação dessas propostas se faz a partir de uma fantasia adrede preparada, especialmente voltada para conquistar o público bolsonarista”.

Olavo de Carvalho

O autor não economiza críticas ao terraplanista. “Lá dos Estados Unidos, esse guru de poucas letras comanda a cabeça de Jair Bolsonaro e de seus filhos. Nunca chegamos a uma situação tão calamitosa como essa! Nunca tivemos um presidente ouvindo um terraplanista – e lhe dando crédito! No máximo, tivemos d. Pedro II acolhendo aqui palestrantes antievolucionalistas”, grafa o autor em um trecho do capítulo dedicado a Olavo de Carvalho.

Olavo de Carvalho

Para o autor, Olavo contribuiu para criar na direita brasileira uma visão pouco racional, sempre adepta de teorias de conspiração. Ele afirma que Olavo pertence ao movimento anti-intelectualista do mundo contemporâneo. “Tal movimento é contra as vacinas, diz que cigarro não faz mal, insiste em defender o trabalho infantil e atende às teses que, em geral, na internet, dão guarida para os ‘anarcocapitalistas’ – vá lá saber Deus o que vem a ser isso”, satiriza.

Os rebentos do capitão

No capítulo dedicado aos filhos de Bolsonaro, Ghiraldelli vai para além dos elos naturais de parentesco e aproxima Flávio, Carlos e Eduardo do pai e presidente por questões práticas e ideológicas. “A ideologia é um anticomunismo rasteiro e bastante ignorante e a prática é a aprendida com o próprio Bolsonaro, nos célebres discursos deste como deputado, quando pedia que a milícia do Brasil viesse para o Rio de Janeiro. Ele dizia que iria recebê-las de braços abertos. E assim fez mesmo! Deu no que deu”, provoca em um trecho do livro. Ghiraldelli não deixa de revisitar os escândalos que envolvem o nome de cada um da prole – como a associação de Flávio ao ex-assessor Fabrício Queiróz num esquema ilícito de rachadinha, Carluxo e suas manifestações no Twitter oficial de Bolsonaro, “dono do Twitter do pai”, assegura o autor, e as diversas menções honrosas de Eduardo Bolsonaro ao torturador Brilhante Ustra.
 

Lula na visão de Bolsonaro

No capítulo em que se presta a avaliar o ex-presidente pelo olhar do ex-capitão, Ghiraldelli afirma: “Bolsonaro não odeia Lula. Aliás, em muitos aspectos, o admira” assegura. Ódio mesmo, o presidente nutre pelo PT , garante o filósofo, ao afirmar que Bolsonaro associa o partido, especialmente a partir do governo Dilma, ao comunismo internacional.

Entre suas dissertações, o autor chega a aproximar os mundos de Bolsonaro e Lula, a partir do “meio popular que lhes é conhecido”, garante. “O PT é que incomoda Bolsonaro, em especial as pautas petistas que envolvem direitos de minorias e direitos Humanos. Afinal, há muito o PT não fala em reforma agrária, mudança do regime de propriedade ou coisas do tipo. Aliás, o PT chegou a flertar com o neoliberalismo antes de Bolsonaro. Lula encontrou Meirelles bem antes de Bolsonaro encontrar Guedes. A diferença é que Meirelles é um neoliberal gabaritado – dizem!”, problematiza o autor.
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Reportagem POR Ana Luiza Basilio
FONTE:  https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-nao-odeia-lula-em-muitos-aspectos-o-admira-diz-filosofo/?utm_campaign=novo_layout_newsletter_-_06112019&utm_medium=email&utm_source=RD+Station  

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