Em novo livro, Paulo Ghiraldelli usa elementos da filosofia para avaliar o presidente e seu governo
O
filósofo Paulo Ghiraldelli se dedicou a avaliar o atual momento
político brasileiro a partir de suas principais figuras e narrativas.
Jair Bolsonaro e seus rebentos – Flávio, Carlos e Eduardo, o 01, 02 e 03
por ordem cronológica de nascimento – bem como Sérgio Moro, Olavo de
Carvalho, Joice Hasselmann e até o ex-presidente Lula ganham capítulos
na obra A Filosofia explica Bolsonaro, da editora Leya. Como o
título adianta, o autor buscou elementos da filosofia social para
avaliar as figuras que incidem sobre o cenário brasileiro, em um livro
que ele considera “de combate”.
A ideia central, afirma, é ampliar a conversação política no País, a
partir de um recado claro: “Estou longe daqueles que dizem que “não é
para polarizar”. Faço textos para radicalizar, polarizar e criar
conflitos. Não faço livros para ter adversários, faço-os para ter amigos
e inimigos”, descreve em um trecho da introdução da obra.
Em conversa com CartaCapital, o autor resume as principais análises e teses que defende na obra.
Financeirização
Já no início da obra, o autor atrela o atual cenário político ao
próprio capitalismo e suas transformações, passando do capital
produtivo, assentado no trabalho que se dava no comércio e na indústria,
para o capital financeirizado, gerido por bancos, que também passaram a
negociar quadros de executivos governamentais.
“O neoliberalismo, a ideologia própria do capitalismo comandado pelas
finanças, teve início no Brasil no governo Collor, tão logo ele chegou
nunca mais paramos de mudar a Constituição, adaptando-a crescentemente
aos desígnios do neoliberalismo e da institucionalização do capital
fictício.”
O movimento, afirma Ghiraldelli, não teve recuo de Collor a
Bolsonaro, passando por Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer. “A nossa
disputa por lucros não se dá mais nas fábricas, mas no controle do
Estado e dos bancos. O mundo do trabalho foi para a sociedade, somos
empresários de nós mesmos, trabalhamos 24 horas por dia, fora de um
ambiente de trabalho. Isso só foi possível pela financeirização, temos
cartões de crédito”, afirma.
O capitalismo financeiro, avalia, se completa no governo Bolsonaro,
com o aval econômico a Paulo Guedes, ministro da Economia. “Ele não
teria tido o apoio das elites se não fosse por essa agenda, de fazer com
que o capitalismo financeiro se sobreponha ao que já tivemos antes, que
continue funcionando a favor dos bancos.”
A direita hormonal
O autor também defende a tese da “direita hormonal”, uma espécie de
resto do neoliberalismo, como define. Para Ghiraldelli, o jovem de
direita não tem idade, mas hormônios. “O importante é ele ir contra a
cultura estabelecida pelos clássicos, em especial o que ele toma como
‘esquerdismo’. O importante é ele falar contra professores, contra
ideais de igualitarismo e, em especial, contra as tendências
liberacionalistas de mulheres, gays, negros e outras minorias”, critica
em um trecho da obra.
Para o filósofo, os integrantes da direita criam “fantasmas velhos e
novos para se colocarem como oposição”. “Podem fabricar o comunismo ,
para serem anticomunistas, ou podem mostrar o feminismo em versão
caricaturesca, para serem antifeministas.” O filósofo aposta que, nesse
estilo, essa direita não dura muito e provoca: “A direita eterna nunca
será outra que não a de John Wayne”.
Bolsonaro
Ao dedicar sua análise a definir “Quem é Bolsonaro?”, Ghiraldelli é
contundente. “O correto seria não esperar de Bolsonaro nenhum governo. O
seu modo de governar é o puro desgoverno”, atesta. Para o autor, o
presidente se dedica a fustigar as esquerdas, “ou melhor: tudo aquilo
que ele imagina que é de esquerda”.
É a partir disso que ele se coloca contra a Constituição de 1988,
avalia, não conseguindo compreender que ela é uma boa peça para a defesa
do capitalismo e da sociedade de mercado, do liberalismo e dos direitos
individuais inerentes ao modelo liberal. O filósofo coloca que
Bolsonaro se vale da época dos embates travados acerca da Constituição –
“os preceitos liberais nela contidos foram defendidos por pessoas de
esquerda, como é o comum em democracias ocidentais, por isso mesmo toda a
Constituição deve ser destruída”, sentencia o autor.
Para ele, Bolsonaro se une ao liberalismo de Paulo Guedes exatamente
por conta do fato de que é necessário extirpar da Constituição o “cheiro
de social-democracia que pode emanar dela”.
Sérgio Moro
O herói da classe média, afirma o autor, ascendeu diante da agenda de
combate à corrupção, ainda como juiz da Operação Lava Jato. “A classe
média, no geral, tem o entendimento de política como combate à
corrupção. Esse foi um fator determinante para o seu crescimento.
Depois, a possibilidade dele punir os corruptos, outra agenda de grande
aceitação pelas pessoas. Ainda sob o resguardo de estar ‘fora da
política’. Cristaliza-se, então, a ideia do ‘vingador’ que limparia o
País. E não só a classe média embarca na narrativa, como grande parte da
imprensa”, avalia o filósofo.
Para Ghiraldelli, Moro segue com dificuldades de desatrelar a sua
figura de ex-juiz à de atual ministro político. E pauta suas medidas
pelo status de poder ainda não alcançado inteiramente. Na condição de
ministro da Justiça, o filósofo o considera um “propagandista de má-fé.
“Suas propostas de lei nunca deixaram de ferir alguma cláusula do estado
de direito, mas a sua interpretação dessas propostas se faz a partir de
uma fantasia adrede preparada, especialmente voltada para conquistar o
público bolsonarista”.
Olavo de Carvalho
O autor não economiza críticas ao terraplanista. “Lá dos Estados
Unidos, esse guru de poucas letras comanda a cabeça de Jair Bolsonaro e
de seus filhos. Nunca chegamos a uma situação tão calamitosa como essa!
Nunca tivemos um presidente ouvindo um terraplanista – e lhe dando
crédito! No máximo, tivemos d. Pedro II acolhendo aqui palestrantes
antievolucionalistas”, grafa o autor em um trecho do capítulo dedicado a
Olavo de Carvalho.
Para o autor, Olavo contribuiu para criar na direita brasileira uma
visão pouco racional, sempre adepta de teorias de conspiração. Ele
afirma que Olavo pertence ao movimento anti-intelectualista do mundo
contemporâneo. “Tal movimento é contra as vacinas, diz que cigarro não
faz mal, insiste em defender o trabalho infantil e atende às teses que,
em geral, na internet, dão guarida para os ‘anarcocapitalistas’ – vá lá
saber Deus o que vem a ser isso”, satiriza.
Os rebentos do capitão
No capítulo dedicado aos filhos de Bolsonaro, Ghiraldelli vai para
além dos elos naturais de parentesco e aproxima Flávio, Carlos e Eduardo
do pai e presidente por questões práticas e ideológicas. “A ideologia é
um anticomunismo rasteiro e bastante ignorante e a prática é a
aprendida com o próprio Bolsonaro, nos célebres discursos deste como
deputado, quando pedia que a milícia do Brasil viesse para o Rio de
Janeiro. Ele dizia que iria recebê-las de braços abertos. E assim fez
mesmo! Deu no que deu”, provoca em um trecho do livro. Ghiraldelli não
deixa de revisitar os escândalos que envolvem o nome de cada um da prole
– como a associação de Flávio ao ex-assessor Fabrício Queiróz num
esquema ilícito de rachadinha, Carluxo e suas manifestações no Twitter
oficial de Bolsonaro, “dono do Twitter do pai”, assegura o autor, e as
diversas menções honrosas de Eduardo Bolsonaro ao torturador Brilhante Ustra.
Lula na visão de Bolsonaro
No capítulo em que se presta a avaliar o ex-presidente pelo
olhar do ex-capitão, Ghiraldelli afirma: “Bolsonaro não odeia Lula.
Aliás, em muitos aspectos, o admira” assegura. Ódio mesmo, o presidente
nutre pelo PT , garante o filósofo, ao afirmar que Bolsonaro associa o
partido, especialmente a partir do governo Dilma, ao comunismo
internacional.
Entre suas dissertações, o autor chega a aproximar os mundos de
Bolsonaro e Lula, a partir do “meio popular que lhes é conhecido”,
garante. “O PT é que incomoda Bolsonaro, em especial as pautas petistas
que envolvem direitos de minorias e direitos Humanos. Afinal, há muito o
PT não fala em reforma agrária, mudança do regime de propriedade ou
coisas do tipo. Aliás, o PT chegou a flertar com o neoliberalismo antes
de Bolsonaro. Lula encontrou Meirelles bem antes de Bolsonaro encontrar
Guedes. A diferença é que Meirelles é um neoliberal gabaritado –
dizem!”, problematiza o autor.
-------------Reportagem POR Ana Luiza Basilio - 6 de novembro de 2019
FONTE: https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-nao-odeia-lula-em-muitos-aspectos-o-admira-diz-filosofo/?utm_campaign=novo_layout_newsletter_-_06112019&utm_medium=email&utm_source=RD+Station
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