Filipe Leiria*
Precisamos conversar sobre Eduardo Leite, não exatamente
sobre a sua pessoa, mas sobre o estereótipo que representa no imaginário
coletivo e o ideário que moldou a construção de sua subjetividade.
Refiro-me a um tipo muito comum de minha geração: o jovem aparentemente
educado, bem-apessoado, que recita os vocabulários estrangeiros sobre
gestão, define o mundo a partir do equilíbrio financeiro das planilhas,
mas com um senso de humanidade aparentemente atrofiado, a ponto de
avalizar (em diferentes graus de consciência) perversidades
surpreendentes. Embora eu seja um pouco mais velho, reconheço-me como
alguém que foi submetido ao mesmo recorte de ideias hegemônicas que
norteiam as condutas do governador e aqueles que se parecem com ele. Uma
geração que chega agora ao poder, os filhos da geração pós golpe
militar.
Se a política fazia a diferença para a geração pós golpe militar,
essa passa a dar lugar à gestão. “Sou um técnico não político”, “faço
uma análise técnica, não política”. Como se existisse uma técnica
neutra, que não partisse de olhares, tempos e espaços específicos. Se me
posiciono como “técnico” pretensamente neutro, do alto do meu terno e
gravatas slim, introduzo um atributo positivo a mim em qualquer
espaço social que me imagino. Como se fora uma credencial que me coloca
em vantagem. Implicitamente é a concepção de que existe um saber
superior aos demais: o técnico é neutro, portanto está imune às
imperfeições do político, do popular, do emocional, do prosaico, dentre
tantos outros.
"Se antes a biologia
definia práticas eugênicas, determinava quem era ou não louco, quem
deveria morrer ou viver,
hoje são as planilhas".
O técnico lida com planilhas em ambientes climatizados com café gourmet,
não com gente suada da lida diária (maioria desse país). Daí tanta
frieza dos filhos da geração pós golpe militar. O mundo não é visto como
uma pluralidade de coisas que ora se aproximam, ora se estranham e a
resultante dessa dinâmica produz uma terceira solução para vida em
sociedade que não representa nem minha vontade, tampouco a do outro
(aquele que estranho mas aceito que devo conviver, pois sua existência é
legítima) mas algo novo. O mundo para essa geração da qual faço parte é
o mundo da técnica “superior”, daqueles que estarão hierarquicamente
postados em um saber superior ,meritocrático ,e comunicarão aos
posicionados em instâncias inferiores o que devem fazer. Algo
hierárquico, mas com aparência de horizontalidade. As imperfeições que
atrapalham essa lógica devem ser corrigidas, por bem ou por mal, afinal
essa técnica superior nos diz que tudo deva ser autossustentável, tendo
esse conceito sempre um recorte que prejudica os mais frágeis da
sociedade. Fazer o que, isso é um resíduo natural da aplicação da
técnica superior, como quem quebra cascas de ovos para fazer a omelete.
"O mundo para essa geração da qual faço parte é
o mundo da técnica “superior”, daqueles que estarão hierarquicamente
postados em um saber superior, meritocrático,
e comunicarão aos
posicionados em instâncias
inferiores o que devem fazer".
Finalmente, toda essa técnica e gestão a bem da verdade se assemelha
muito ao determinismo científico do século XIX. Se antes a biologia
definia práticas eugênicas, determinava quem era ou não louco, quem
deveria morrer ou viver, hoje são as planilhas. “Infelizmente chegamos
nessa situação mas…” sempre haverá um “mas” para justificar. Talvez a
morte de muitas bruxas na inquisição devam ter sido antecedidas de uma
“mas”: “ você é uma bruxa do bem mas, não é católica….para fogueira” .
Aqui estamos: os professores, aposentados e pensionistas são
importantes, “MAS” infelizmente, as planilhas nos dizem que pesam no
déficit e a única alternativa que conseguimos pensar é acelerar a morte
dos mesmos fulminando seus sustentos. Sempre é em nome de algo ou
alguém. Antes era em nome de um deus, já foi em nome de uma raça
superior, hoje é exatamente em nome do que mesmo? Quem acertar qual o
único setor que está batendo recordes de lucros nisso que chamam de
“crise” ganha uma super planilha com déficit equilibrado, escrita em
inglês.
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(*) Auditor do TCE-RS, Vice-Presidente do CEAPE-Sindicato.Fonte: https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2019/11/precisamos-conversar-sobre-eduardo-leite-por-filipe-leiria/
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