Dom Walmor Oliveira de Azevedo*
Imagens
e sons configuram a memória – alicerce de experiências, armazém de
valores e princípios que sustentam a vida; articulam as conexões que
configuram o tecido ético-moral indispensável no exercício da cidadania.
Com imagens e sons o mundo se faz e se refaz, recompõe-se e, também,
lamentavelmente, se deteriora. Particularmente, a contemporaneidade se
estreita entre os binários das imagens e dos sons de cada dia. As
ciências especializadas e seus pesquisadores alertam sobre as perdas e
os riscos provocados pela forma de se relacionar com as imagens e os
sons do dia a dia – que sustentam ou abalam experiências. Uma
singularidade interessante no complexo âmbito das imagens é o afã na
produção de fotos. Observa-se que a facilidade tecnológica faz de todo
mundo um fotógrafo. Muitos se posicionam atrás da câmera para registrar
determinados momentos. E ao se dedicarem à captação da foto, perdem a
essência do importante registro a ser feito pela memória, fundamental
para subsidiar experiências determinantes.
É preciso analisar e
calcular as perdas quando não se vive experiências e, consequentemente,
deixa-se de apreender imagens nas sinapses cerebrais, por priorizar a
tarefa de fotografar. Com foco na câmera, o olhar pode não fazer o giro
experiencial que provoca novos entendimentos, com incidências nas
emoções, capazes de qualificar as relações humanas. Quando busca somente
fotografar, o ser humano faz registros, mas arrisca-se a perder a
oportunidade de viver importantes experiências. E os prejuízos,
naturalmente, são muitos, pois a privação da competência contemplativa,
indispensável a todo processo de constituição da interioridade, leva à
perda da qualidade de vida.
A rica e complexa teia das imagens de
cada dia requer contemplação. Do contrário, a vida passa a ser vivida
“do lado de fora”, sem alicerces interiores, o que constitui o risco
suicida da desconexão com a realidade – certamente, uma das razões do
crescimento de índices sobre as desistências de se viver. Outra
consequência é a primazia de certa superficialidade, quando se faz ainda
mais necessária uma sólida aptidão humana para lidar com os muitos
desafios contemporâneos. A contemplação é, pois, indispensável para se
alcançar as riquezas conduzidas pelas imagens de cada dia.
Faz-se
necessário aprender a contemplar para que as incalculáveis imagens de
cada dia, nos muitos cenários que compõem a jornada da humanidade, se
desdobrem em sabedoria de vida, na competência para discernimentos e na
produção do sentido que alimenta o viver. No educativo e amplo horizonte
da ecologia integral, com indicações para o civilizado tratamento da
Casa Comum, está incluída a orientação de reconhecer a Criação na beleza
singular da natureza – o desenvolvimento de um olhar contemplativo.
Trata-se de oportunidade para se qualificar na arte que produz sentido
para amar e viver. Inscreve-se também na dinâmica dessa contemplação a
aprendizagem para lidar com sons – ouvi-los e produzi-los. Preocupante é
a patológica produção de barulhos que, certamente, escondem, ou ao
menos disfarçam, ansiedades e angústias. Geram certas ilusões, a partir
de sensações, mas são incapazes de superar o vazio existencial.
O
mundo contemporâneo é palco de muitos sons que, na verdade, são
barulhos, causam perturbação e são sinais de pouca civilidade. Esses
ruídos muitas vezes atrapalham o encontro de verdades que só se revelam
no indispensável silêncio para o exercício da escuta. A humildade na
avaliação pessoal e familiar, também na vida em sociedade, permite
calcular os comprometimentos resultantes dos equívocos nas formas de
lidar com imagens e sons. Ver muito e enxergar pouco, conviver com
poluição sonora e ser incapaz de escutar são consequências.
Essa
inadequada relação com sons e imagens contribui para consolidar
indiferenças diante de graves situações, a exemplo de cenários em que
pessoas esbanjam os bens, têm demais, e até por isso adoecem, enquanto
tantas outras, feridas em sua dignidade, vivem de migalhas. A
incapacidade para lidar com imagens e sons ajuda a perpetuar, desse
modo, injustiças sociais e desigualdades. Por tudo isso, vale investir
na aprendizagem da contemplação, importante caminho na qualificação
humana, espiritual e cidadã.
------------
*Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB)
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB)
Fonte: http://arquidiocesebh.org.br/para-sua-fe/espiritualidade/artigo-de-dom-walmor/imagens-e-sons-de-cada-dia/?utm_source=newsletter&utm_campaign=Opini%C3%A3o%20e%20not%C3%ADcias&utm_medium=347%20&utm_content=Imagens%20e%20sons%20de%20cada%20dia
Ilustração: Jornal Estado de Minas
Nenhum comentário:
Postar um comentário