Para Daniel Cohn-Bendit, UE não vai
ficar calada se Trump concretizar ameaça de adotar medidas protecionistas
BERLIM — Daniel
Cohn-Bendit, ex-deputado no Parlamento Europeu pelo Partido Verde (2004 a
2014), vê o risco de racha da União Europeia, em consequência dos ataques do
novo presidente americano, Donald Trump, e dos populistas que avançam em vários
países da Europa em direção ao poder. Em entrevista ao GLOBO, Cohn-Bendit,
visto pela imprensa francesa como o provável vice da chapa do candidato
Emmanuel Macron, lembrou que as medidas protecionistas anunciadas por Trump
serão rebatidas pela Europa e o resultado pode ser uma guerra comercial capaz
de afetar o mundo inteiro com uma estagnação econômica.
Donald Trump
ainda não tinha assumido a Presidência quando começou a abalar a Europa com os
seus ataques. Na sua opinião, ele pode mesmo contribuir para agravar a crise e
a divisão da Europa?
Talvez esta seja a
sua intenção. Antigamente, eu teria dito que a Europa não corre riscos porque é
capaz de oferecer uma resposta à altura. Mas os países do núcleo da UE — França
e Alemanha —, que antigamente eram responsáveis por iniciativas para consolidar
a integração europeia, não estão em condições. Os dois passarão este ano por
importantes eleições. Na França, há até o risco de ser eleito um presidente da
extrema direita.
O senhor quer
dizer Marine Le Pen, da Frente Nacional?
Isso mesmo. Havia o
receio de um segundo turno dos populistas contra os conservadores. Mas, para
falar a verdade, agora eu acredito que vai ser possível a vitória de Macron (o
ex-ministro da economia Emmanuel Macron, de centro-esquerda). O fenômeno do
populismo na Europa precisa ser combatido através da luta contra as
circunstâncias que o causaram, a falta de programas sociais que deixou grandes
camadas da população empobrecerem... Sem esse fenômeno, Le Pen e outros
populistas na Europa não encontrariam a ressonância que têm no momento. Esses
partidos crescem porque têm o apoio de uma camada da população que se sente
perdedora com a globalização. Mas não devemos esquecer, muitas pessoas que hoje
buscam os populistas perderam o emprego ou caíram de status econômico por culpa
do capitalismo. O mesmo ocorre com as pessoas que elegeram Trump, em grande
parte trabalhadores que perderam o emprego por causa da globalização. É uma grande
ironia da História que o capitalista Donald Trump, um bilionário, seja o seu
representante.
A imprensa francesa
já abordou a possibilidade de uma chapa Macron-Cohn-Bendit. O senhor vai ser o
vice de Macron, com quem esteve na semana passada, aqui em Berlim?
Só quero dizer que
vou apoiar a candidatura de Macron porque ele é a única chance de frear a
direita de Le Pen.
Quer dizer que
descarta?
Nada está decidido.
Se Le Pen
ganhar, ela vai mesmo cumprir a ameaça de organizar um referendo para a saída
do país da UE?
Um referendo não
significa necessariamente a saída. Todo esse debate sobre o Brexit (a saída
britânica do bloco) e Trump teve na França um efeito contrário, de aumentar o
interesse pela UE. As últimas sondagens indicam que dois terços dos franceses
são a favor da permanência do país no bloco.
Também os
membros da UE do Leste, como Hungria e República Tcheca, apoiam Trump e vivem
criticando o bloco e a política de refugiados da chanceler alemã Angela Merkel.
A Hungria é o próximo candidato à saída da UE?
A Hungria é um caso
interessante porque vê a UE como meio de receber ajuda financeira. Já quando
tem que cooperar, como no caso dos refugiados, fecha questão, recusando-se a
recebê-los. Acho provável que a Hungria termine deixando a UE. Mas a saída de
dois ou três membros não significa o fim do projeto da integração europeia.
Como a
Hungria, também alguns outros países do Leste perderam o entusiasmo pela UE e
voltaram a se aproximar de Moscou. Uma possível aliança entre o presidente
russo, Vladimir Putin, e Donald Trump poderá ajudar Moscou a voltar a formar
uma espécie de novo bloco leste?
Vejo um grande perigo
e, por isso, volto a afirmar que o mais importante no momento é o
desenvolvimento da ideia da União Europeia, não apenas administrar a crise, mas
ir adiante na integração. Essa ideia tem encontrado um grande obstáculo porque
os países ainda são movidos pelos interesses nacionais. A França quer uma UE à francesa,
a Alemanha no estilo alemão. Em resumo, falta a capacidade de consenso.
Tudo isso
costumava ser resolvido ou pelo menos discutido pelo chamado eixo Paris-Berlim.
Esse eixo deixou de funcionar porque Merkel não se entende com François
Hollande?
Também houve
problemas na época de Helmut Kohl/François Mitterrand ou de Gerhard
Schröder/Jacques Chirac. Nem sempre os dois países tinham posições parecidas. A
diferença é que eles se falavam mais do que agora, com Merkel e Hollande.
Trump
antecipou medidas de aumento das tarifas alfandegárias, o que teria o efeito de
agravar a crise do euro. O que a UE, ou melhor, a zona do euro, pode fazer
contra as possíveis medidas americanas?
A UE não vai ficar
calada se Trump concretizar a sua ameaça de endurecer com medidas
protecionistas. Há empresas americanas gigantescas, como a Google e a Amazon,
que podem sofrer com as retaliações da UE. No final, o mundo inteiro poderia
sofrer os efeitos de uma guerra comercial. Se houver ataque (protecionista),
haverá um contra-ataque.
O retrocesso
da ideia da integração europeia, a volta dos Estados nacionais, tudo isso
aumentaria o perigo de guerra que, depois da queda da Cortina de Ferro, parecia
definitivamente superado?
Não vejo qualquer
perigo de volta desse fantasma. A democracia não corre risco na Europa. Não
devemos despertar um medo que não tem risco de acontecer.
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Foto: IN Rio de janeiro (RJ) 26/08/2010 -
Entrevista com Daniel Cohn Bendit, ex lider estudantil em 1968. Foto Pedro
Kirilos/ Agência O Globo. - Pedro Kirilos/26-08-2010
Reportagem por por Graca Magalhães-Ruether / Especial para O GLOBO
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