“Mesmo não falando de Deus, Trump
permaneceu no rastro de um
cerimonial que sempre suplicou ‘God bless America’, mas que,
desta vez, mais do que pedir, parecia ordenar ao Pai Eterno que se adequasse à nova ideologia da ‘America first’."
Qual é o Deus de Trump? É um Deus tão “americano” a ponto de ser indecifrável para a Europa? É um Deus – ou, melhor, um Tele-Deus – construído sobre o “prosperity Gospel”, ou aquele que ensina que a “financial blessing”
é prova de graça e que quem doa para a Igreja se torna mais rica e,
portanto, assimétrico em relação à tradição das grandes Igrejas? Ou é o
Deus do Evangelho, presente na carne daquele Lázaro – citado nas saudações do papa a Trump
–, cuja miséria julgará quem foi surdo à privação do pobre? O discurso
inaugural do presidente, em grande parte, respondeu a essas perguntas.
E era previsível que fossem assim: desde sempre, o momento de assunção do ofício de presidente dos Estados Unidos é repleto de sinais religiosos cristãos – da Bíblia sobre a qual se consuma o juramento à bênção proferida por uma autoridade religiosa. E, portanto, obriga o presidente a um definitivo posicionamento sobre o problema espiritual.
No entanto, mesmo não falando de Deus, Trump permaneceu no rastro de um cerimonial que sempre suplicou “God bless America”, mas que, desta vez, mais do que pedir, parecia ordenar ao Pai Eterno que se adequasse à nova ideologia da “America first”.
O Deus de Trump aparecia já em contraluz na oração de Paula White, primeira mulher a pronunciar a bênção ritual. Líder de uma megaigreja pentecostal, há 15 anos diretora espiritual de Trump, a pastora White foi protagonista em 2015 da “unção” de Trump como candidato, feita junto com Kenneth e Gloria Copeland, e David Jeremiah e Jan Crouch: gesto que agora pode nos fazer sorrir, nomes que dizem pouco entre nós. Mas que representam bem a asa “evangelical” em marcha, que está mudando a fisionomia daquele que antigamente se chamava protestantismo.
A pastora, na sociedade pluralista por excelência, explicou nos mínimos detalhes a Deus o que Ele deve fazer pelo presidente, pelo vice, “pelas suas famílias” e pelo país. Definida ora como herética, ora como charlatã antitrinitária pelo protestantismo “mainstream” e por importantes setores do catolicismo, Paula White citou o Livro dos Provérbios e a retórica dos Estados Unidos como dom de Deus (aos estadunidenses): no qual se inseriu o coração “religioso” do discurso dessa sexta-feira e a manifestação do Deus de Trump.
O Deus de Trump, depois daquele quente e predicatório de Obama, foi apresentado como a garantia de um privilégio estadunidense, de direito de comandar, obtido distorcendo o Salmo 133. “Como é bom, como é suave que os irmãos vivam juntos”, diz aquele breve poema que consola uma pequena minoria de israelitas piedosos e que foi usado também pelos cristãos dentro de uma visão universalista da fraternidade humana. Trump, ao contrário, corrigiu o texto do salmo e explicou que “a Bíblia” ensina como “é bom e suave” (e até aqui vai o Salmo) “quando o povo de Deus viva junto em unidade”. Entre a convivência fraterna e a autoproclamação de si mesmo como povo de Deus, passa uma forçação banal. Trump reivindicou aos Estados Unidos a tarefa de “povo escolhido”, portador de uma espécie de teologia da singularidade global.
O excepcionalismo estadunidense, antigamente usado para justificar o dever de defender as liberdades no mundo, foi usado por Trump para se defender do mundo da liberdade. O povo estadunidense entendido como “o” povo de Deus não é uma entidade política, mas sim uma comunidade mística de destino. E – disse o presidente – tem dois protetores: o primeiro é a força, do exército e da polícia; o outro é justamente Deus, dito por segundo, por ser mais funcional a uma unidade que não passa pelas instituições, mas pelos símbolos e pelo povo.
Ao lado dessa distorção, Trump introduziu um Deus do Sangue, que, quando é invocado, é sempre ouvido. O presidente exaltou a mística do Sangue dos patriotas – sempre vermelho, na prosa trumpiana –, e, a partir daí, derivou uma distinção dentro da própria criação. Em uma das passagens finais, de fato, ele disse que a unidade do novo “povo eleito” se deve ao fato de que as crianças de Detroit ou do Nebraska tem sobre si o mesmo céu noturno, sonham com o coração os mesmos sonhos e receberam o “sopro vital” do mesmo “criador onipotente”: o que é conceitualmente inadmissível pela antropologia bíblica. Porque esse céu noturno, esses sonhos e esse sopro não são diferentes para as crianças do mundo em relação às crianças estadunidenses.
Mas é evidente que, no calor eleitoralista, já há uma “política” religiosa. E, nessas distorções teológicas, há uma primeira e duríssima resposta a Francisco que, nessa sexta-feira, referindo-se à “família humana”, aos “ricos valores espirituais e éticos” da história estadunidense, à dignidade do homem e do pobre Lázaro, quiseram marcar uma distância também teológica: “prosperity Gospel” contra “catolicismo do evangelho”. Estamos nos primeiros minutos de um duelo que será duro.
E era previsível que fossem assim: desde sempre, o momento de assunção do ofício de presidente dos Estados Unidos é repleto de sinais religiosos cristãos – da Bíblia sobre a qual se consuma o juramento à bênção proferida por uma autoridade religiosa. E, portanto, obriga o presidente a um definitivo posicionamento sobre o problema espiritual.
No entanto, mesmo não falando de Deus, Trump permaneceu no rastro de um cerimonial que sempre suplicou “God bless America”, mas que, desta vez, mais do que pedir, parecia ordenar ao Pai Eterno que se adequasse à nova ideologia da “America first”.
O Deus de Trump aparecia já em contraluz na oração de Paula White, primeira mulher a pronunciar a bênção ritual. Líder de uma megaigreja pentecostal, há 15 anos diretora espiritual de Trump, a pastora White foi protagonista em 2015 da “unção” de Trump como candidato, feita junto com Kenneth e Gloria Copeland, e David Jeremiah e Jan Crouch: gesto que agora pode nos fazer sorrir, nomes que dizem pouco entre nós. Mas que representam bem a asa “evangelical” em marcha, que está mudando a fisionomia daquele que antigamente se chamava protestantismo.
A pastora, na sociedade pluralista por excelência, explicou nos mínimos detalhes a Deus o que Ele deve fazer pelo presidente, pelo vice, “pelas suas famílias” e pelo país. Definida ora como herética, ora como charlatã antitrinitária pelo protestantismo “mainstream” e por importantes setores do catolicismo, Paula White citou o Livro dos Provérbios e a retórica dos Estados Unidos como dom de Deus (aos estadunidenses): no qual se inseriu o coração “religioso” do discurso dessa sexta-feira e a manifestação do Deus de Trump.
O Deus de Trump, depois daquele quente e predicatório de Obama, foi apresentado como a garantia de um privilégio estadunidense, de direito de comandar, obtido distorcendo o Salmo 133. “Como é bom, como é suave que os irmãos vivam juntos”, diz aquele breve poema que consola uma pequena minoria de israelitas piedosos e que foi usado também pelos cristãos dentro de uma visão universalista da fraternidade humana. Trump, ao contrário, corrigiu o texto do salmo e explicou que “a Bíblia” ensina como “é bom e suave” (e até aqui vai o Salmo) “quando o povo de Deus viva junto em unidade”. Entre a convivência fraterna e a autoproclamação de si mesmo como povo de Deus, passa uma forçação banal. Trump reivindicou aos Estados Unidos a tarefa de “povo escolhido”, portador de uma espécie de teologia da singularidade global.
O excepcionalismo estadunidense, antigamente usado para justificar o dever de defender as liberdades no mundo, foi usado por Trump para se defender do mundo da liberdade. O povo estadunidense entendido como “o” povo de Deus não é uma entidade política, mas sim uma comunidade mística de destino. E – disse o presidente – tem dois protetores: o primeiro é a força, do exército e da polícia; o outro é justamente Deus, dito por segundo, por ser mais funcional a uma unidade que não passa pelas instituições, mas pelos símbolos e pelo povo.
Ao lado dessa distorção, Trump introduziu um Deus do Sangue, que, quando é invocado, é sempre ouvido. O presidente exaltou a mística do Sangue dos patriotas – sempre vermelho, na prosa trumpiana –, e, a partir daí, derivou uma distinção dentro da própria criação. Em uma das passagens finais, de fato, ele disse que a unidade do novo “povo eleito” se deve ao fato de que as crianças de Detroit ou do Nebraska tem sobre si o mesmo céu noturno, sonham com o coração os mesmos sonhos e receberam o “sopro vital” do mesmo “criador onipotente”: o que é conceitualmente inadmissível pela antropologia bíblica. Porque esse céu noturno, esses sonhos e esse sopro não são diferentes para as crianças do mundo em relação às crianças estadunidenses.
Mas é evidente que, no calor eleitoralista, já há uma “política” religiosa. E, nessas distorções teológicas, há uma primeira e duríssima resposta a Francisco que, nessa sexta-feira, referindo-se à “família humana”, aos “ricos valores espirituais e éticos” da história estadunidense, à dignidade do homem e do pobre Lázaro, quiseram marcar uma distância também teológica: “prosperity Gospel” contra “catolicismo do evangelho”. Estamos nos primeiros minutos de um duelo que será duro.
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* A opinião é do historiador italiano * Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, em Bolonha. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 21-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/564203-qual-e-o-deus-de-trump-artigo-de-alberto-melloni
Imagem da Internet
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