Há 25 anos no Greenpeace, Paulo Adario diz que desafios para os próximos anos incluem deixar de desmatar e abandonar combustíveis fósseis.
Por Daniela Chiaretti
O ambientalista fluminense Paulo Adario conhece florestas desde criancinha. Viveu até os 8 anos na Mata Atlântica, na fazenda do avô, e a viu sendo destruída para virar carvão. Foi ator e jornalista, mas dedicou os últimos 20 anos às florestas. No próximo dia de Iemanjá, 2 de fevereiro, comemora 25 anos de vida profissional no Greenpeace, uma das mais famosas organizações ambientalistas do mundo. Nessa trajetória, acorrentou-se a navios para impedir que transportassem madeira ilegal, tornou-se um dos artífices da moratória da soja, foi ameaçado de morte e virou referência na Amazônia - em 2012, a ONU o reconheceu como um dos "Heróis da Floresta". Adario, que passou os últimos anos em ações também no Congo e na Indonésia, está convencido de que não há futuro sem floresta. "Mas será preciso uma revolução para salvá-las", diz.
Ele, que foi viver em Manaus em 1999, diz que o divórcio que os seres humanos têm com a natureza "ameaça a espécie", e batiza de "padrão-pirata" o modo como o mundo lida com os recursos naturais. "A humanidade tem uma visão positiva do desmatamento", aponta. No Brasil, ainda há o "discurso medieval" de que é bom derrubar florestas, registra. Os desafios do futuro, acredita, estão em deixar de desmatar globalmente, restaurar florestas, abandonar os combustíveis fósseis e investir fortemente em agricultura de baixo carbono.
No meio de tudo, Adario planta árvores. Recentemente foram castanheiras, no rio Negro, rainhas da floresta que levam 30 anos para dar os primeiros frutos. "Plantar na cidade, no morro, no quintal, no pasto, é um ato de generosidade com o outro, com o planeta, com as espécies. Porque se está doando um pouco daquele momento a alguma coisa que vai sobreviver a você." Veja trechos da entrevista que ele concedeu ao Valor, por telefone, de Manaus:
Valor: As florestas serão fundamentais para se conter o aquecimento a 1,5oC?
Paulo Adario: Sim, e o que fazer para chegar a isso em 2100? Teríamos que zerar todas as emissões de combustíveis fósseis até 2050 e parar o desmatamento em escala global. E como todo o carbono que for gerado daqui até 2050 ficará na atmosfera e se somará ao que já está lá, este volume não garante mais um mundo de 1,5oC. Não basta zerar emissões de fósseis e do desmatamento, teremos que capturar carbono. Teremos que replantar florestas, direcionar a agricultura para o baixo carbono e combinar as duas coisas. No futuro temos duas opções: ou falamos de um mundo onde nossos filhos, netos e bisnetos terão um planeta para viver ou falamos de cenários catastróficos. O futuro que queremos está no uso adequado do solo e no fim da energia fóssil.
Valor: Por que as florestas são importantes?
Adario: O planeta já teve imensa cobertura florestal, 8 bilhões de hectares, que fomos destruindo ao longo da história. Teríamos que tentar recuperar cerca de 1/3. Não adianta salvar o planeta da mudança climática se o custo for a perda da biodiversidade, que tem papel fundamental no equilíbrio planetário. Precisamos de uma mudança de mentalidade, estamos cada vez mais divorciados da natureza. Não estou pregando que todos abracem árvores, mas que se tenha consciência de que no processo de divórcio com a natureza, estamos condenando nossa própria espécie.
Valor: O que quer dizer?
Adario: A espécie humana tem visão positiva do desmatamento. A relação do homem com a floresta sempre foi de uso intenso. É assim que se fazia a casa, se construíam os navios. A Europa acabou com suas florestas na Idade Média.
Valor: Setores da agricultura brasileira dizem: "A Europa já desmatou tudo e virou uma sociedade rica. E nós aqui, com esta floresta"...
Adario: Este é um discurso medieval. Sim, os EUA também desmataram e são ricos. Mas nós chegamos atrasados no processo histórico. Estamos no mundo da alta tecnologia, do efeito da mudança climática sobre as populações. O processo que levou esses países a enriquecerem são pré-Revolução Industrial, esse mundo acabou. Hoje não precisa desmatar para ser rico. A índia aposta seu crescimento em indústria de ponta, a China restaura florestas em escala enorme. Se o Brasil desmatar toda a floresta, a agricultura brasileira está condenada à morte.
Valor: Por quê?
Adario: O Ipam [Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia] fez um estudo no Mato Grosso e identificou até 6oC de aquecimento de borda em áreas onde foi se desmatando. As florestas tropicais têm função de ar refrigerado e abastecem de umidade o planeta. O futuro que temos pela frente pode ser de fome, de desastres ambientais gigantescos, de guerras, de insegurança social, de invasões de áreas ricas por populações fugindo de áreas paupérrimas. Quem tem fome não vai discutir moral e ética. Vai invadir e lutar para se alimentar.
Valor: Qual a chance de se reverter o quadro?
Adario: Sou otimista, apesar de Donald Trump, do mundo estar indo para a direita, da radicalização, dos atuais padrões de consumo. Vamos ter que mudar a maneira como a gente consome, se abriga, se move. O ser humano tem capacidade de mudar. Na hora em que sente sua sobrevivência em risco, ele se move. O nosso destino não é desaparecer, é sobreviver.
Valor: Como mudar?
Adario: Veja, 1/3 da pecuária brasileira está na Amazônia, em áreas que já foram ocupadas por florestas. A população bovina aqui é três vezes maior que a humana. Não estou propondo parar de comer carne, mas se deixássemos de comer uma ou duas vezes por semana, já se dava uma contribuição razoável. Isso, aliado a processos modernos de produção, irá diminuir a pressão sobre a cobertura florestal. A maneira como o homem se relaciona com a floresta tem que passar por uma revolução. Mas é revolução de longo prazo, as pessoas precisam aprender o valor da floresta. O nome do Brasil é de um árvore extinta pela exploração predatória.
Valor: Qual a relação dos brasileiros com a Amazônia?
Adario: Em 1999, fizemos uma pesquisa. Falamos com crianças das escolas de Manaus e vimos que a floresta fica longe da realidade delas - que é urbana e de internet. Diziam que lá tinha animais selvagens e citavam leão, tigre, elefante - tinham medo da floresta de Walt Disney. Os brasileiros têm orgulho da Amazônia, mas a população urbana do Sul e Sudeste todos os dias compra no supermercado um pedaço da destruição da floresta na madeira, na carne.
Valor: Mas se pensa que a floresta é infinita.
Adario: Há alguns anos, eu estava no rio Purus, em uma ação sobre madeira ilegal. Veio um madeireiro falar comigo: "Mas moço, esta floresta nunca vai acabar. É gigantesca, uma obra de Deus". Provavelmente os nossos bisavós pensavam a mesma coisa da Mata Atlântica, que hoje está reduzida a 896. A floresta amazônica já perdeu 20% e já degradou outros 20%. Estamos perto do número fatídico de Carlos Nobre [climatologista brasileiro], que diz que com mais de 40% da floresta destruída, a Amazônia entra em processo de savanização. Temos que mudar essa visão de pirata dos recursos naturais.
Valor: E a agricultura, neste contexto?
Adario: Um lado da equação é recuperar florestas degradadas, o outro é produzir alimentos. Espera-se que o Brasil responda por 40% do aumento da demanda de alimentos do mundo e seremos 9,8 bilhões de pessoas em 2050, a necessidade do aumento da produção de alimentos será enorme. Isso não pode ser feito aumentando a área ocupada ou iremos desmatar. Tem que ter tecnologia de produção e diminuir o desperdício. A agricultura precisa se transformar para ser capaz de produzir cada vez mais alimentos com menos emissão. Agricultura é o que o Brasil sabe fazer bem: tem terra, sol, água, gente experiente. É o nosso desafio.
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Fonte: Valor Econômico, 06/01/2017, EU& Fim de Semana, p. 18-19
http://www.valor.com.br/cultura/4827620/o-futuro-esta-nas-florestas#
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