Obama posa para uma fotografia 3D (Pete Souza - 9.jun.2014/Casa Branca)
Em oito anos, primeiro presidente negro dos
EUA recuperou a economia e melhorou a imagem do país; aumento da
desigualdade e omissão na Síria estão entre fracassos
‘Foi um governo sem escândalos e com dignidade’, afirma biógrafo
15.jan.2017 - 02h00
Um dia depois de se reunir pela primeira
vez com seu sucessor, em novembro, Barack Obama sentou-se no mesmo
local, o Salão Oval da Casa Branca, com o jornalista David Remnick para
conversar sobre a eleição.
Editor-chefe da revista “The New
Yorker” e autor da principal biografia de Obama, “A Ponte” (Companhia
das Letras), Remnick perguntou como havia sido seu encontro com Donald
Trump, e, segundo relata, o presidente disse que lhe contaria “um dia,
em off, tomando uma cerveja”.
No discurso oficial, Obama deixou de
lado o tom crítico adotado na campanha e passou a defender a seriedade
da Presidência. Em entrevista por telefone à Folha, Remnick diz não acreditar na mudança de opinião do presidente. “Ele não está livre para falar o que pensa.”
Remnick
não tem tanta autocensura. Trump, defende, pode ser um desastre para os
EUA. Já Obama, diz, entrará na história como parte de um honroso
“segundo pelotão” de presidentes do país —atrás somente dos maiores da
história–-, mas a vitória do republicano ameaça o que o primeiro
presidente negro dos EUA construiu.
Folha - Qual será o lugar de Obama na história dos presidentes dos EUA?
David Remnick -
Não sou historiador, e é impossível saber com certeza, mas acho que ele
estará no segundo pelotão dos presidentes americanos. O primeiro seria
formado por FDR [Franklin Delano Roosevelt], [Abraham] Lincoln e os Pais
Fundadores da democracia dos EUA [líderes da independência e que
redigiram a Constituição]. Obama estaria em um grupo abaixo, mas de
presidentes muito bons. E acho que vamos sentir isso ainda mais dentro
de dois anos, ou mesmo de dois meses, de governo Trump.
Qual será o legado de Obama?
O
legado tem de ser visto no contexto de como ele chegou à Presidência.
Ele foi eleito como o primeiro presidente afrodescendente, um marco
histórico extremamente importante, pois raça é a saga mais dolorosa
deste país. Foi eleito apesar de enorme oposição política, e devolveu
uma economia em colapso, com desemprego fora de controle, à estabilidade
—recuperando também, por extensão, a economia mundial.
O principal destaque é a recuperação econômica do país?
Havia
muitas crises, estávamos em péssimo estado. Hoje, apesar da ansiedade
que milhões de americanos e eu sentimos com Trump, o país que ele herda é
muitíssimo melhor do que o que Obama recebeu, em 2009. Ele deu fim às
guerras no Afeganistão e no Iraque —mesmo que isso esteja atrelado a
problemas novos, especialmente com o Estado Islâmico e a Síria.
Não
quero fingir que não há problemas, especialmente para a classe média,
mas as coisas estão melhores. Todo brasileiro vai entender do que estou
falando, considerando o que vocês enfrentam: esta é uma Presidência sem
grandes escândalos, sem casos de corrupção, e com senso de dignidade
mesmo quando enfrentou extrema oposição política e forte racismo. É uma
conquista do caráter, e duvido que isso seja alcançado pelo caráter do
senhor que está entrando em cena em seu lugar.
Estávamos em crise, em péssimo estado. Hoje, apesar da ansiedade que milhões de americanos e eu sentimos com Trump, o país que ele herda é muitíssimo melhor do que o que Obama recebeu, em 2009
biógrafo de Obama e editor da revista “The New Yorker”
Obama fez campanha sobre esperança e mudança. Quanto disso fica após a eleição?
Estamos
navegando águas desconhecidas. Já tivemos demagogos na política
americana antes, mas nunca no nível nacional assim. Só espero que
possamos sobreviver ao que vejo como uma escolha desastrosa. Espero que
esteja errado. Seria maravilhoso se Trump fosse uma mistura de Abraham
Lincoln e Franklin Roosevelt. Ficarei aliviado se ele se separar desse
comportamento com instintos autoritários que ele demonstra ter. Só não
acho que isso vá acontecer.
Trump pode desfazer o que vê como conquistas de Obama?
Claro
que sim. Ele é o presidente e tem o poder para fazer muita coisa.
Vivemos num mundo de acordos de segurança que impediram o pior de
acontecer por meio século. De repente temos alguém que questiona o
básico, a Otan, a relação com a China, alguém que parece se beneficiar
de um fascínio estranho por Vladimir Putin.
As pessoas que ele
indicou para o seu governo são muito assustadoras. Michael Flynn
[indicado como assessor de Segurança Nacional] particularmente. O novo
chefe da Agência de Proteção Ambiental [Scott Pruitt] parece ser contra a
proteção ambiental. Isso é muito sério em um mundo com crescente
aquecimento global, e o planeta vai sofrer muito com isso.
Após a eleição, Obama adotou um tom conciliatório.
Obama
está tentando não criar problemas. Ele lembra bem da sua transição,
quando George W. Bush agiu de forma muito decente com ele. Ele está
tentando fazer o mesmo, mas ninguém se ilude em relação ao que ele pensa
sobre Trump.
Ele não mudou de opinião?
Claro que
não. Ele passou de uma situação de campanha para uma transição de
governo. As circunstâncias mudaram. Ele tem um papel político a cumprir e
não está livre para falar o que pensa.
Quais foram os maiores erros de Obama?
A
questão ambiental é importante, e ele foi lento. Em termos de política
externa, houve erros na Síria. A relação com Putin e a Rússia não foi
das melhores. Entretanto, mesmo que isso faça com que eu pareça um
torcedor exagerado, toda a incapacidade de Obama em fazer o que ele
queria se deve às limitações impostas pelo Congresso.
Ele é criticado pelo uso de drones em ataques no Oriente Médio, bem como por não ter fechado Guantánamo.
Ele
vê o não fechamento de Guantánamo como um fracasso, e concordo. A
questão dos drones me parece mais moralmente complicada. Existem pessoas
que querem causar mal aos EUA, e o governo precisa fazer algo. Isso é
algo em que ele pensou, e ele vê drones como a opção menos ruim do seu
arsenal. Não fazer nada não é uma opção. Acho difícil saber até que
ponto o uso de drones pode ser interpretado como puro imperialismo, e
não algo muito mais complexo.
Sua personalidade não mudou nada. É o mesmo cara descolado, decente, inteligente, intelectual. É a mesma pessoa
biógrafo de Obama e editor da revista “The New Yorker”
Acha que ele deixa o governo realizado ou frustrado?
Ambos.
Nenhum presidente deixa o governo achando que fez tudo o que queria. A
eleição de Trump o deixa frustrado, como se o seu governo tivesse sido
repudiado.
Obama poderia ter evitado a vitória de Trump?
Ele
fez muita campanha para Hillary, e de forma intensa. Acho que
precisamos saber mais sobre a influência russa, e me pergunto o que ele
poderia ter feito para evitar esta invasão hacker. Mas precisamos
lembrar que ele deixa o governo com a popularidade muito alta, e que os
dois candidatos tinham índices altos de rejeição. Muita gente não gosta
de Hillary Clinton, e ela cometeu erros como candidata, ignorou o
Meio-Oeste, foi fazer campanha em lugares como Texas e Arizona.
Ser substituído por Trump é algo que pode tornar a imagem do seu legado mais positiva?
Seu
governo vai deixar saudade pelas qualidades de Obama e pelo que podemos
antecipar a respeito do governo Trump. Estamos em perigo terrível por
razões de caráter, de falta de honestidade, de intelecto e falta de
preparo. Como patriota, Obama preferiria ver Trump surpreender todo
mundo e ser um ótimo presidente, mas acho que ele não é otimista.
Quanto acha que Obama mudou após oito anos na Presidência?
Sua personalidade não mudou nada. É o mesmo cara descolado, decente, inteligente, intelectual. É a mesma pessoa.
Qual vai ser o papel dele na política após deixar o governo?
Não
esperaria que ele tivesse uma atuação política, especialmente no
primeiro ano. Imagino que ele vá ficar mais afastado e que vá escrever
um livro. Mais adiante, é difícil saber.
Pretende ter contato com ele após o fim do governo? Pensa em atualizar a biografia?
Nós não somos amigos. Escrevi sobre ele, mas não pretendo escrever um novo livro ou um novo capítulo.Para a elite de Washington, será lembrado como ‘alheio’ e ‘arrogante'
Raul Juste Lores
15.jan.2017
Boa
parte das biografias e reportagens publicadas nos EUA com balanços da
era Obama usam variações de “distante” e “alheio” para descrever o
comportamento do presidente.
Para boa parte da elite de
Washington, essa é a imagem que ficou, longe do carisma e do sorriso
popularizados em vídeos na internet.
Um dos primeiros a revelar
essa faceta menos conhecida foi o jornalista Ron Suskind, vencedor do
Pulitzer, autor do livro “Confidence Men: Wall Street, Washington, and
the Education of a President” (Os homens de confiança: Wall Street,
Washington e a aprendizagem de um presidente, inédito no Brasil).
Nele,
Obama aparece como um solitário, que prefere passar as noites lendo e
estudando, ou jantando com a família, do que receber políticos ou
costurar acordos com o Congresso.
“Ele tem horror a políticos e até a fazer política. Seu tom professoral e distante irrita até os colegas de partido”, descreveu.
Na
biografia “A Ponte” (Companhia das Letras), David Remnick diz que Obama
“se mostrava distante aos próprios aliados, ao ponto da arrogância”.
Depois
de ter a votação do orçamento bloqueada pela oposição republicana duas
vezes, o que congelou os fundos de várias agências do governo, Obama foi
cobrado publicamente para negociar.
Chamou ao Salão Oval da Casa
Branca os dois líderes do Senado, o democrata Harry Reid e o republicano
Mitch McConnell, e lhes disse, rispidamente, que “encontrassem um
jeito”. “Não vou fazer concessões”, afirmou, encerrando a conversa. O
“New York Times” descreveu o episódio, em 2013. A história se repetiu
depois.
Em um dos jantares para os correspondentes da Casa Branca,
em que faz um monólogo cômico, o presidente quase admitiu a repulsa:
“Ficam me cobrando que eu convide McConnell para um drinque. Por que
vocês não o chamam para beber?”, riu.
O novato na política Donald
Trump tem um traço em comum com Obama quando o democrata chegou à
Presidência: ambos fizeram campanha dizendo que eram “de fora da
máquina” partidária, que eram contra lobistas e que desprezavam “a
classe política de Washington” (os termos são até os mesmos).
Obama manteve a promessa: cercou-se de um grupo muito jovem e fiel de fora da capital, e lhes deu muito poder.
As
longas negociações diplomáticas com Cuba e o Irã, por exemplo, foram
tocadas por gente que não tinha chegado aos 43 anos (nenhum embaixador
do Itamaraty, por exemplo, chega ao cargo com essa idade). As
negociações jamais vazaram para a imprensa.
Isso significou que o
Departamento de Estado, o Itamaraty americano, foi escanteado. Assim
como veteranos democratas de diferentes correntes e partidos.
Um lobista democrata, pedindo anonimato, narrou à Folha
como são os encontros com o presidente “sabe-tudo”. Chamou-o de
arrogante, insular e sem-amigos. E que se sentia mais à vontade com
celebridades de Hollywood que com os pares, “todos uns despreparados”.
Não se sabe se Obama é mesmo tão arrogante ou se a velha classe dirigente da cidade se ofendeu com o descaso.
Mas,
contrários à missão inicial, quase todos os escudeiros que deixaram a
equipe de Obama acabaram virando lobistas para grandes empresas
americanas, faturando com seus contatos.
Outra crítica comum era ao clube do Bolinha que imperava no Salão Oval.
Suskind
escreve que Valerie Jarrett, a assessora mais próxima (e guardiã) dos
Obamas, era a única mulher nas reuniões principais nos dois primeiros
anos.
“Ele até corrigiu isso no segundo mandato, colocando Susan
Rice, Samantha Power e outras mulheres em altos cargos”, afirma a
professora Kelly Dittmar, diretora do Centro para a Mulher Americana e a
Política, da Universidade Rutgers. “Mas tudo leva a crer que era um
clubinho de rapazes mesmo.”
Futuro
Vazio no campo democrata projeta um ex-presidente superpoderoso
Anna Virginia Balloussier
De Nova York
15.jan.2017
George
W. Bush (2001-09) pintou retratos de Silvio Berlusconi e Vladimir
Putin. Theodore Roosevelt (1901-09) foi caçar por um ano na África. John
Quincy Adams (1825-29), que depois passaria 17 anos no Congresso,
refletiu: “Não há nada mais patético na vida do que um ex-presidente”.
A
pergunta agora se volta a Barack Obama: o que será dele depois da Casa
Branca? Ele também está curioso. “Tem algum conselho para mim?”,
pergunta o democrata ao ex-presidente da Câmara John Boehner, um
republicano.
Em cinco dias, o presidente adicionará o mesmo
prefixo “ex” ao cargo que ocupa há oito anos. Em abril de 2016, chamou o
rival político para um vídeo no qual zomba da perspectiva de ostracismo
na vida após Washington. Título: “Couch Commander” (comandante do
sofá).
Os dois assistem a “Toy Story” sentados em poltronas de
couro vermelho, pipoca na mão. “Ontem”, reflete o ex-deputado, “tomei
uma cerveja às 11h30. E o McDonald’s serve café da manhã o dia todo”.
Na
vida real, Obama terá mais o que fazer do que decidir se começará o dia
com uma gelada. Embora a maioria da população rejeite vitrines suas, do
Obamacare à Parceria Transpacífico, ele deixa o posto com boa
popularidade.
Resta saber como usará o capital político, sobretudo
quando os democratas ainda tentam se recuperar do baque que foi perder a
Presidência para Donald Trump —e sem uma liderança natural para
preencher o vazio deixado pela derrocada da era Clinton.
“Se
Hillary tivesse ganhado a eleição, suspeito que Obama ficaria feliz em
sair da cena, ao menos num primeiro momento”, diz à Folha David Cohen,
do grupo Projeto de Transição da Casa Branca.
“Agora Obama deverá
ser um ex-presidente ativo, mais do que qualquer outro. A vitória
surpresa de Trump e um Congresso de maioria republicana ameaçam seu
legado.”
Em novembro, Obama afirmou à “Vanity Fair” que não
pretende se aposentar tão cedo. Lembrou que é novo (55 anos) e destacou
um plano concreto: abrir uma biblioteca como parte do Centro
Presidencial Obama, em Chicago, seu berço político.
Até aí não é
novidade. Bill Clinton montou a Fundação Clinton para proteger seu
espólio presidencial, e Jimmy Carter se dedica a contornar conflitos
globais e doenças no Centro Carter —vencedor do Nobel da Paz de 2002, já
declarou: “Não posso negar que me saio melhor como ex do que como
presidente”.
Em 2015, Barack e Michelle ficaram até duas horas
discutindo o futuro com 13 convidados na Casa Branca, entre eles o
cofundador do LinkedIn Reid Hoffman, a Nobel de Literatura Toni Morrison
e a atriz Eva Longoria (da série “Desperate Housewives”). Não existe
jantar grátis: segundo o “New York Times”, o presidente já corria atrás
de doações para seu instituto.
Parte do Vale do Silício o ajuda a
planejar seus próximos passos, alimentando a especulação de que ele
criará algum laço com o polo tecnológico. Auxiliares de Obama, que se
define como “nerd” (“E não preciso me desculpar por isso”), espalham-se
por empresas como Apple e Amazon. Arquiteto de sua campanha de 2008,
David Plouffe está na Uber.
O presidente também deu sinais de que
participará ativamente da agenda de Washington. “Sua defesa vigorosa do
Obamacare sugere que ele não tirará férias da vida pública”, afirma o
cientista político William Howell, da Universidade de Chicago.
Para
Patrick Griffin, da Universidade de Notre Dame, ele “cultivará o papel
de consciência da nação”, um gesto não isento de controvérsia.
“Alguns
saudarão, por achar que o primeiro presidente negro dos EUA tem
responsabilidade moral de garantir que sua visão para o país se
concretize”, diz. “Outros chiarão contra sua intromissão em assuntos
políticos, em desrespeito à natureza do papel de um ex-mandatário.”
Os
Obamas continuarão em Washington por ora, numa casa alugada de nove
quartos. Ficam ao menos até a filha Sasha, 15, se formar no colégio —a
primogênita Malia, 18, cursará Harvard, a mesma faculdade dos pais.
Oficialmente,
Obama não adiantou qual será a próxima parada profissional. Só disse,
em outubro, que pretende “dormir por duas semanas e então levar Michelle
para umas férias bem legais”.
OLHA ELA
Democratas especulam sobre quem deixará mais saudades, se o sr. ou a sra. Obama.
Michelle
fez alguns dos discursos mais marcantes da última temporada eleitoral.
De julho, na convenção de seu partido, veio o bordão “Se eles baixam o
nível, nós o elevamos” —dois meses depois, uma republicana chamou a
primeira-dama descendente de escravos de “macaco de salto alto”.
Em
outubro, criticou o que julgou ser o fundo do poço: a divulgação de
acusações de assédio e comentários sexistas de Trump. “Homens fortes não
precisam subjugar mulheres para se sentirem poderosos.”
Sua
desenvoltura em público anima democratas já de olho na disputa
presidencial de 2020. Ela nega ter qualquer interesse na vida política.
Em novembro, o marido disse à “Rolling Stone” que Michelle jamais se
candidatará. “Brinco que ela é muito sensível para estar na política.”
Só
se for piada. A mulher com quem trocou o primeiro beijo em 1989, quando
dividiam uma casquinha de chocolate, é conhecida pela personalidade
forte. Na primeira eleição de Obama, conservadores a rotularam com o
estereótipo de “mulher negra raivosa”, disposta a acirrar as tensões
raciais na América.
Na prática, ela aderiu a agendas incontestes,
como o combate à obesidade infantil, e incorporou a imagem de uma
primeira-dama “light”, que dança Beyoncé na TV.
“Como Hillary foi
para Bill, Michelle é vista por setores democratas como herdeira
política do marido. O céu é o limite para ela”, diz o professor Griffin.
Basta saber o quão longe esta Obama quer voar.
Mídia
Pop, Obama alimentou a cultura de seu tempo e se alimentou dela
Luciana Coelho
15.jan.2017
Ao
entrar na conta da Casa Branca em uma rede social em um domingo, o
primeiro nome de “quem seguir” sugerido pela plataforma é o da estrela
de reality show Kim Kardashian. Uma versão atual do “diz com quem
andas”: diga-me quem é associado à sua página e eu lhe direi quem você é
(ou o que você parece).
Presidentes, salvo anacronismos, são o
produto de seu tempo. Entre os 43 que os Estados Unidos tiveram, porém,
raros governaram em tamanha simbiose com a cultura de sua época como
Barack Obama, alimentando-a e alimentando-se dela.
O democrata tem
consciência disso, e usou seu gosto pelo pop e a inédita superexposição
para atingir mais rapidamente seus objetivos.
“As mesmas
referências culturais que moldaram vocês me moldaram, e o fato de isso
ter ocorrido até os meus 45 anos me diferencia da maior parte dos
presidentes”, disse Obama em entrevista ao colunista Philip Galanes e ao
ator Bryan Cranston (de “Breaking Bad”) para o “New York Times” no ano
passado, na qual se definiu como “a pessoa mais filmada e fotografada da
história”.
O fato de ser catapultado ao estrelato político sem
escalas entre meio mandato no Senado e a chegada à Casa Branca aos 47
anos, enquanto a maioria de seus pares se blinda na política mais cedo,
permitiu a Obama levar uma vida normal por mais tempo, mantendo fluente
sua conexão com a cultura pop.
Esses pontos de identificação
ressoam fortemente para o público de 18 a 49 anos, que compõe a maior
faixa do eleitorado e a mais cobiçada fatia para o entretenimento.
Obama
divulga “playlists” e fala sobre séries de TV. No baile da segunda
posse, cantaram Alicia Keys a Stevie Wonder, dois favoritos do reeleito,
e ele e Michelle dançaram embalados por Jennifer Hudson, revelada pelo
“American Idol”. A plateia se divertiu como se não fosse um evento
político, testemunhou a reportagem da Folha.
A proximidade
com artistas obviamente não começou com Obama. O político havaiano,
contudo, copiou do showbiz táticas para divulgar seu trabalho, o que o
levou a participar de programas de TV e internet de forma inédita para
um chefe de Estado.
O outro Obama
Os principais fatos da era Obama
A Folha reuniu os principais episódios dos dois mandatos de Barack Obama.
Relembre
as batalhas com os republicanos no Congresso, a intervenção militar na
Líbia e a luta para aprovar a reforma imigratória.
Nestes oito
anos, Obama passou por altos e baixos em seus índices de popularidade
—acompanhe a medição do instituto Gallup ao longo do seu governo.
Cronologia
Os anos Obama e sua popularidade, segundo o instituto Gallup
24.jul.2008
União global
Candidato democrata à Presidência, Obama
discursa para 200 mil pessoas em Berlim e pede o fim dos muros entre os
povos e religiões
4.nov.2008
"Yes, we can"
É eleito o 1º presidente negro dos EUA, com
53% dos votos e vantagem de 10 milhões no voto popular sobre o
republicano John McCain
20.jan.2009
Popularidade: 68%
Toma posse como 44º presidente dos EUA e promete reconstruir o país, em meio à crise financeira
22.jan.2009
68%
Assina ordem executiva para fechar Guantánamo em um ano; a prisão em Cuba, porém, segue ativa
23.jan.2009
69%
Pico de popularidade de Obama em seus dois mandatos
2.abr.2009
62%
Em reunião do G-20 em Londres, diz que o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva "é o cara"
26.mai.2009
65%
Indica a primeira latina à Suprema Corte, Sonia Sotomayor, confirmada pelo Senado em agosto
4.jun.2009
62%
Em discurso no Cairo (Egito), cita o Alcorão e pede "um novo começo" nas relações entre o islã e os EUA
9.out.2009
54%
Recebe o Prêmio Nobel da Paz; a indicação rendeu críticas de diversos organismos internacionais
1º.dez.2009
49%
Contrariando a promessa de acabar com a guerra, anuncia o envio de 30 mil soldados ao Afeganistão
23.mar.2010
50%
Assina a lei do Obamacare, que obriga todo cidadão a aderir a um plano de saúde (o governo cobre os mais pobres)
31.ago.2010
47%
Em discurso no Salão Oval, anuncia o fim da Guerra do Iraque, com o início da saída das tropas americanas
2.nov.2010
43%
Sofre sua primeira derrota ao ver os democratas perderem o controle da Câmara para os republicanos
3.mar.2011
45%
Pela primeira vez, afirma publicamente que o ditador Muammar Gaddafi deve deixar o poder na Líbia
19 e 20.mar.2011
46%
Em visita ao Brasil, autoriza o início da ação militar na Líbia e vai ao Cristo Redentor com a família
4.abr.2011
46%
Anuncia que será candidato a um segundo mandato na eleição presidencial do ano seguinte
1º.mai.2011
46%
"A justiça foi feita", afirma em discurso na TV ao anunciar a morte de Osama bin Laden em ope-ração militar
19.mai.2011
49%
Defende os protestos por democracia no mundo árabe e cita "novo capítulo" nas relações EUA-Oriente Médio
2.ago.2011
42%
Consegue apoio republicano para aumentar o teto da dívida pública e evita inédito calote dos EUA
22.ago.2011
38%
Obama atinge seu pior índice de popularidade até então
20.out.2011
42%
Saúda a morte do ditador líbio Muammar Gaddafi por rebeldes como fim da "sombra
da tirania"
9.mai.2012
48%
Afirma que "passou por uma evolução" e que, agora, apoia o casamento gay também no religioso
11.set.2012
51%
Ataque terrorista em Benghazi, na Líbia, mata o embaixador dos EUA e outros três americanos
6.nov.2012
50%
É reeleito com 51% dos votos e vantagem de 5 milhões no voto popular sobre o republicano Mitt Romney
12.fev.2013
52%
Em seu discurso sobre o Estado da União, anuncia a retirada de 34 mil soldados do Afeganistão
jun.2013
47%
O ex-técnico da CIA Edward Snowden revela que a NSA espiona cidadãos americanos e estrangeiros
31.ago.2013
45%
Pede autorização ao Congresso para conduzir ataques na Síria, mas o Legislativo não vota o tema
1º.out.2013
45%
Impasse sobre o teto da dívida pública dos EUA leva o governo federal a parar parcialmente por 17 dias
17.out.2013
43%
Crise termina depois de um acordo com os republicanos que permitiu ao Congresso aprovar um novo teto
10.dez.2013
41%
Em fato inédito há mais de 50 anos, cumprimenta o ditador cubano Raúl Castro no funeral de Nelson Mandela
6.mar.2014
42%
Anuncia as primeiras sanções econômicas contra a Rússia em meio à crise
na Ucrânia
29.jul.2014
39%
Propõe sanções mais severas contra Moscou depois da queda de um Boeing no leste da Ucrânia
7.ago.2014
44%
Autoriza pela primeira vez ataques aéreos contra o Estado Islâmico no norte do Iraque
3.set.2014
38%
Obama iguala seu pior índice de popularidade, atingido pela primeira vez em 2011
4.nov.2014
43%
Nas eleições legislativas, democratas perdem controle do Senado para os republicanos
20.nov.2014
41%
Lança programa que impediria deportação de 5 milhões de ilegais com filhos americanos
17.dez.2014
42%
Anuncia reaproximação diplomática com Cuba depois de mais de 50 anos de política de isolamento
28.dez.2014
45%
Otan declara o fim formal das operações no Afeganistão, mas os EUA ainda mantêm parte de seu pessoal no país
16.fev.2015
50%
Juiz federal do Texas concede liminar suspendendo o plano de Obama que impede deportações
14.jul.2015
46%
Anuncia acordo entre potências ocidentais e Irã para a redução do programa nuclear iraniano
12.dez.2015
45%
Após a aprovação do Acordo de Paris, diz que pacto é "a melhor chance de salvar
o planeta"
21.mar.2016
51%
Com a mulher e filhas, faz a primeira visita de um presidente americano no cargo a Cuba em 88 anos
12.abr.2016
47%
Em entrevista, afirma que a intervenção militar dos EUA na Líbia foi o seu "maior erro" na Presidência
27.mai.2016
50%
Torna-se o 1º presidente dos EUA no cargo a visitar Hiroshima (Japão) depois da bomba atômica
23.jun.2016
50%
Suprema Corte mantém bloqueio a programa de Obama que impede deportações de ilegais
28.set.2016
51%
Congresso derruba veto de Obama à lei que permite processos contra a Arábia Saudita pelos ataques do 11 de Setembro
27.dez.2016
56%
Premiê do Japão faz visita histórica, com Obama, ao memorial das vítimas de Pearl Harbor, no Havaí
10.jan.2017
56%
Em seu último discurso, diz que as divisões na sociedade americana ameaçam a democracia
12.jan.2017
55%
Revoga política que concedia permissão automática de residência a cubanos ilegais que chegassem aos EUA
Edição: Fabio Victor, Guilherme Magalhães e Juliano Machado / Infografia: Simon Ducroquet / Design e desenvolvimento: Angelo Dias, Pilker, Rubens Alencar e Thiago Almeida
Fonte: http://arte.folha.uol.com.br/mundo/2017/o-legado-obama/#/entrevista-david-remnick
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