segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

O legado Obama




Obama posa para uma fotografia 3D (Pete Souza - 9.jun.2014/Casa Branca)

Em oito anos, primeiro presidente negro dos EUA recuperou a economia e melhorou a imagem do país; aumento da desigualdade e omissão na Síria estão entre fracassos

‘Foi um governo sem escândalos e com dignidade’, afirma biógrafo

De São Paulo
15.jan.2017 - 02h00









Obama e sua mulher, Michelle, chegam para cerimônia no Memorial Lincoln, em Washington (Jewel Samad - 28.ago.2013/Associated Press)

Um dia depois de se reunir pela primeira vez com seu sucessor, em novembro, Barack Obama sentou-se no mesmo local, o Salão Oval da Casa Branca, com o jornalista David Remnick para conversar sobre a eleição.

Editor-chefe da revista “The New Yorker” e autor da principal biografia de Obama, “A Ponte” (Companhia das Letras), Remnick perguntou como havia sido seu encontro com Donald Trump, e, segundo relata, o presidente disse que lhe contaria “um dia, em off, tomando uma cerveja”.

No discurso oficial, Obama deixou de lado o tom crítico adotado na campanha e passou a defender a seriedade da Presidência. Em entrevista por telefone à Folha, Remnick diz não acreditar na mudança de opinião do presidente. “Ele não está livre para falar o que pensa.”

Remnick não tem tanta autocensura. Trump, defende, pode ser um desastre para os EUA. Já Obama, diz, entrará na história como parte de um honroso “segundo pelotão” de presidentes do país —atrás somente dos maiores da história–-, mas a vitória do republicano ameaça o que o primeiro presidente negro dos EUA construiu.

Folha - Qual será o lugar de Obama na história dos presidentes dos EUA?
David Remnick - Não sou historiador, e é impossível saber com certeza, mas acho que ele estará no segundo pelotão dos presidentes americanos. O primeiro seria formado por FDR [Franklin Delano Roosevelt], [Abraham] Lincoln e os Pais Fundadores da democracia dos EUA [líderes da independência e que redigiram a Constituição]. Obama estaria em um grupo abaixo, mas de presidentes muito bons. E acho que vamos sentir isso ainda mais dentro de dois anos, ou mesmo de dois meses, de governo Trump.

Qual será o legado de Obama?
O legado tem de ser visto no contexto de como ele chegou à Presidência. Ele foi eleito como o primeiro presidente afrodescendente, um marco histórico extremamente importante, pois raça é a saga mais dolorosa deste país. Foi eleito apesar de enorme oposição política, e devolveu uma economia em colapso, com desemprego fora de controle, à estabilidade —recuperando também, por extensão, a economia mundial.

O principal destaque é a recuperação econômica do país?
Havia muitas crises, estávamos em péssimo estado. Hoje, apesar da ansiedade que milhões de americanos e eu sentimos com Trump, o país que ele herda é muitíssimo melhor do que o que Obama recebeu, em 2009. Ele deu fim às guerras no Afeganistão e no Iraque —mesmo que isso esteja atrelado a problemas novos, especialmente com o Estado Islâmico e a Síria.

Não quero fingir que não há problemas, especialmente para a classe média, mas as coisas estão melhores. Todo brasileiro vai entender do que estou falando, considerando o que vocês enfrentam: esta é uma Presidência sem grandes escândalos, sem casos de corrupção, e com senso de dignidade mesmo quando enfrentou extrema oposição política e forte racismo. É uma conquista do caráter, e duvido que isso seja alcançado pelo caráter do senhor que está entrando em cena em seu lugar.
Estávamos em crise, em péssimo estado. Hoje, apesar da ansiedade que milhões de americanos e eu sentimos com Trump, o país que ele herda é muitíssimo melhor do que o que Obama recebeu, em 2009

David Remnick

biógrafo de Obama e editor da revista “The New Yorker”
Obama fez campanha sobre esperança e mudança. Quanto disso fica após a eleição?
Estamos navegando águas desconhecidas. Já tivemos demagogos na política americana antes, mas nunca no nível nacional assim. Só espero que possamos sobreviver ao que vejo como uma escolha desastrosa. Espero que esteja errado. Seria maravilhoso se Trump fosse uma mistura de Abraham Lincoln e Franklin Roosevelt. Ficarei aliviado se ele se separar desse comportamento com instintos autoritários que ele demonstra ter. Só não acho que isso vá acontecer.

Trump pode desfazer o que vê como conquistas de Obama?
Claro que sim. Ele é o presidente e tem o poder para fazer muita coisa. Vivemos num mundo de acordos de segurança que impediram o pior de acontecer por meio século. De repente temos alguém que questiona o básico, a Otan, a relação com a China, alguém que parece se beneficiar de um fascínio estranho por Vladimir Putin.

As pessoas que ele indicou para o seu governo são muito assustadoras. Michael Flynn [indicado como assessor de Segurança Nacional] particularmente. O novo chefe da Agência de Proteção Ambiental [Scott Pruitt] parece ser contra a proteção ambiental. Isso é muito sério em um mundo com crescente aquecimento global, e o planeta vai sofrer muito com isso.

Após a eleição, Obama adotou um tom conciliatório.
Obama está tentando não criar problemas. Ele lembra bem da sua transição, quando George W. Bush agiu de forma muito decente com ele. Ele está tentando fazer o mesmo, mas ninguém se ilude em relação ao que ele pensa sobre Trump.

Ele não mudou de opinião?
Claro que não. Ele passou de uma situação de campanha para uma transição de governo. As circunstâncias mudaram. Ele tem um papel político a cumprir e não está livre para falar o que pensa.

Quais foram os maiores erros de Obama?
A questão ambiental é importante, e ele foi lento. Em termos de política externa, houve erros na Síria. A relação com Putin e a Rússia não foi das melhores. Entretanto, mesmo que isso faça com que eu pareça um torcedor exagerado, toda a incapacidade de Obama em fazer o que ele queria se deve às limitações impostas pelo Congresso.

Ele é criticado pelo uso de drones em ataques no Oriente Médio, bem como por não ter fechado Guantánamo.
Ele vê o não fechamento de Guantánamo como um fracasso, e concordo. A questão dos drones me parece mais moralmente complicada. Existem pessoas que querem causar mal aos EUA, e o governo precisa fazer algo. Isso é algo em que ele pensou, e ele vê drones como a opção menos ruim do seu arsenal. Não fazer nada não é uma opção. Acho difícil saber até que ponto o uso de drones pode ser interpretado como puro imperialismo, e não algo muito mais complexo.
Sua personalidade não mudou nada. É o mesmo cara descolado, decente, inteligente, intelectual. É a mesma pessoa

David Remnick

biógrafo de Obama e editor da revista “The New Yorker”
Acha que ele deixa o governo realizado ou frustrado?
Ambos. Nenhum presidente deixa o governo achando que fez tudo o que queria. A eleição de Trump o deixa frustrado, como se o seu governo tivesse sido repudiado.

Obama poderia ter evitado a vitória de Trump?
Ele fez muita campanha para Hillary, e de forma intensa. Acho que precisamos saber mais sobre a influência russa, e me pergunto o que ele poderia ter feito para evitar esta invasão hacker. Mas precisamos lembrar que ele deixa o governo com a popularidade muito alta, e que os dois candidatos tinham índices altos de rejeição. Muita gente não gosta de Hillary Clinton, e ela cometeu erros como candidata, ignorou o Meio-Oeste, foi fazer campanha em lugares como Texas e Arizona.

Ser substituído por Trump é algo que pode tornar a imagem do seu legado mais positiva?
Seu governo vai deixar saudade pelas qualidades de Obama e pelo que podemos antecipar a respeito do governo Trump. Estamos em perigo terrível por razões de caráter, de falta de honestidade, de intelecto e falta de preparo. Como patriota, Obama preferiria ver Trump surpreender todo mundo e ser um ótimo presidente, mas acho que ele não é otimista.

Quanto acha que Obama mudou após oito anos na Presidência?
Sua personalidade não mudou nada. É o mesmo cara descolado, decente, inteligente, intelectual. É a mesma pessoa.

Qual vai ser o papel dele na política após deixar o governo?
Não esperaria que ele tivesse uma atuação política, especialmente no primeiro ano. Imagino que ele vá ficar mais afastado e que vá escrever um livro. Mais adiante, é difícil saber.

Pretende ter contato com ele após o fim do governo? Pensa em atualizar a biografia?
Nós não somos amigos. Escrevi sobre ele, mas não pretendo escrever um novo livro ou um novo capítulo.






Obama e o senador Mitch McConnell (à dir.) durante reunião com congressistas republicanos na Casa Branca (Larry Downing - 7.nov.2014/Reuters)

Para a elite de Washington, será lembrado como ‘alheio’ e ‘arrogante'

Raul Juste Lores

De São Paulo
15.jan.2017 

Boa parte das biografias e reportagens publicadas nos EUA com balanços da era Obama usam variações de “distante” e “alheio” para descrever o comportamento do presidente.

Para boa parte da elite de Washington, essa é a imagem que ficou, longe do carisma e do sorriso popularizados em vídeos na internet.

Um dos primeiros a revelar essa faceta menos conhecida foi o jornalista Ron Suskind, vencedor do Pulitzer, autor do livro “Confidence Men: Wall Street, Washington, and the Education of a President” (Os homens de confiança: Wall Street, Washington e a aprendizagem de um presidente, inédito no Brasil).

Nele, Obama aparece como um solitário, que prefere passar as noites lendo e estudando, ou jantando com a família, do que receber políticos ou costurar acordos com o Congresso.

“Ele tem horror a políticos e até a fazer política. Seu tom professoral e distante irrita até os colegas de partido”, descreveu.

Na biografia “A Ponte” (Companhia das Letras), David Remnick diz que Obama “se mostrava distante aos próprios aliados, ao ponto da arrogância”.

Depois de ter a votação do orçamento bloqueada pela oposição republicana duas vezes, o que congelou os fundos de várias agências do governo, Obama foi cobrado publicamente para negociar.
Chamou ao Salão Oval da Casa Branca os dois líderes do Senado, o democrata Harry Reid e o republicano Mitch McConnell, e lhes disse, rispidamente, que “encontrassem um jeito”. “Não vou fazer concessões”, afirmou, encerrando a conversa. O “New York Times” descreveu o episódio, em 2013. A história se repetiu depois.

Em um dos jantares para os correspondentes da Casa Branca, em que faz um monólogo cômico, o presidente quase admitiu a repulsa: “Ficam me cobrando que eu convide McConnell para um drinque. Por que vocês não o chamam para beber?”, riu.

O novato na política Donald Trump tem um traço em comum com Obama quando o democrata chegou à Presidência: ambos fizeram campanha dizendo que eram “de fora da máquina” partidária, que eram contra lobistas e que desprezavam “a classe política de Washington” (os termos são até os mesmos).

Obama manteve a promessa: cercou-se de um grupo muito jovem e fiel de fora da capital, e lhes deu muito poder.

As longas negociações diplomáticas com Cuba e o Irã, por exemplo, foram tocadas por gente que não tinha chegado aos 43 anos (nenhum embaixador do Itamaraty, por exemplo, chega ao cargo com essa idade). As negociações jamais vazaram para a imprensa.

Isso significou que o Departamento de Estado, o Itamaraty americano, foi escanteado. Assim como veteranos democratas de diferentes correntes e partidos.

Um lobista democrata, pedindo anonimato, narrou à Folha como são os encontros com o presidente “sabe-tudo”. Chamou-o de arrogante, insular e sem-amigos. E que se sentia mais à vontade com celebridades de Hollywood que com os pares, “todos uns despreparados”.

Não se sabe se Obama é mesmo tão arrogante ou se a velha classe dirigente da cidade se ofendeu com o descaso.

Mas, contrários à missão inicial, quase todos os escudeiros que deixaram a equipe de Obama acabaram virando lobistas para grandes empresas americanas, faturando com seus contatos.

Outra crítica comum era ao clube do Bolinha que imperava no Salão Oval.

Suskind escreve que Valerie Jarrett, a assessora mais próxima (e guardiã) dos Obamas, era a única mulher nas reuniões principais nos dois primeiros anos.

“Ele até corrigiu isso no segundo mandato, colocando Susan Rice, Samantha Power e outras mulheres em altos cargos”, afirma a professora Kelly Dittmar, diretora do Centro para a Mulher Americana e a Política, da Universidade Rutgers. “Mas tudo leva a crer que era um clubinho de rapazes mesmo.”







Em abril de 2016, Obama convidou o rival republicano John Boehner, ex-presidente da Câmara, para assistir ao filme "Toy Story" na Casa Branca (Reprodução)
Futuro

Vazio no campo democrata projeta um ex-presidente superpoderoso 

Anna Virginia Balloussier

De Nova York

15.jan.2017
George W. Bush (2001-09) pintou retratos de Silvio Berlusconi e Vladimir Putin. Theodore Roosevelt (1901-09) foi caçar por um ano na África. John Quincy Adams (1825-29), que depois passaria 17 anos no Congresso, refletiu: “Não há nada mais patético na vida do que um ex-presidente”.

A pergunta agora se volta a Barack Obama: o que será dele depois da Casa Branca? Ele também está curioso. “Tem algum conselho para mim?”, pergunta o democrata ao ex-presidente da Câmara John Boehner, um republicano.

Em cinco dias, o presidente adicionará o mesmo prefixo “ex” ao cargo que ocupa há oito anos. Em abril de 2016, chamou o rival político para um vídeo no qual zomba da perspectiva de ostracismo na vida após Washington. Título: “Couch Commander” (comandante do sofá).

Os dois assistem a “Toy Story” sentados em poltronas de couro vermelho, pipoca na mão. “Ontem”, reflete o ex-deputado, “tomei uma cerveja às 11h30. E o McDonald’s serve café da manhã o dia todo”.

Na vida real, Obama terá mais o que fazer do que decidir se começará o dia com uma gelada. Embora a maioria da população rejeite vitrines suas, do Obamacare à Parceria Transpacífico, ele deixa o posto com boa popularidade.

Resta saber como usará o capital político, sobretudo quando os democratas ainda tentam se recuperar do baque que foi perder a Presidência para Donald Trump —e sem uma liderança natural para preencher o vazio deixado pela derrocada da era Clinton.

“Se Hillary tivesse ganhado a eleição, suspeito que Obama ficaria feliz em sair da cena, ao menos num primeiro momento”, diz à Folha David Cohen, do grupo Projeto de Transição da Casa Branca.
“Agora Obama deverá ser um ex-presidente ativo, mais do que qualquer outro. A vitória surpresa de Trump e um Congresso de maioria republicana ameaçam seu legado.”

Em novembro, Obama afirmou à “Vanity Fair” que não pretende se aposentar tão cedo. Lembrou que é novo (55 anos) e destacou um plano concreto: abrir uma biblioteca como parte do Centro Presidencial Obama, em Chicago, seu berço político.

Até aí não é novidade. Bill Clinton montou a Fundação Clinton para proteger seu espólio presidencial, e Jimmy Carter se dedica a contornar conflitos globais e doenças no Centro Carter —vencedor do Nobel da Paz de 2002, já declarou: “Não posso negar que me saio melhor como ex do que como presidente”.

Em 2015, Barack e Michelle ficaram até duas horas discutindo o futuro com 13 convidados na Casa Branca, entre eles o cofundador do LinkedIn Reid Hoffman, a Nobel de Literatura Toni Morrison e a atriz Eva Longoria (da série “Desperate Housewives”). Não existe jantar grátis: segundo o “New York Times”, o presidente já corria atrás de doações para seu instituto.

Parte do Vale do Silício o ajuda a planejar seus próximos passos, alimentando a especulação de que ele criará algum laço com o polo tecnológico. Auxiliares de Obama, que se define como “nerd” (“E não preciso me desculpar por isso”), espalham-se por empresas como Apple e Amazon. Arquiteto de sua campanha de 2008, David Plouffe está na Uber.

O presidente também deu sinais de que participará ativamente da agenda de Washington. “Sua defesa vigorosa do Obamacare sugere que ele não tirará férias da vida pública”, afirma o cientista político William Howell, da Universidade de Chicago.

Para Patrick Griffin, da Universidade de Notre Dame, ele “cultivará o papel de consciência da nação”, um gesto não isento de controvérsia.

“Alguns saudarão, por achar que o primeiro presidente negro dos EUA tem responsabilidade moral de garantir que sua visão para o país se concretize”, diz. “Outros chiarão contra sua intromissão em assuntos políticos, em desrespeito à natureza do papel de um ex-mandatário.”

Os Obamas continuarão em Washington por ora, numa casa alugada de nove quartos. Ficam ao menos até a filha Sasha, 15, se formar no colégio —a primogênita Malia, 18, cursará Harvard, a mesma faculdade dos pais.

Oficialmente, Obama não adiantou qual será a próxima parada profissional. Só disse, em outubro, que pretende “dormir por duas semanas e então levar Michelle para umas férias bem legais”.

OLHA ELA

Democratas especulam sobre quem deixará mais saudades, se o sr. ou a sra. Obama.

Michelle fez alguns dos discursos mais marcantes da última temporada eleitoral. De julho, na convenção de seu partido, veio o bordão “Se eles baixam o nível, nós o elevamos” —dois meses depois, uma republicana chamou a primeira-dama descendente de escravos de “macaco de salto alto”.
Em outubro, criticou o que julgou ser o fundo do poço: a divulgação de acusações de assédio e comentários sexistas de Trump. “Homens fortes não precisam subjugar mulheres para se sentirem poderosos.”

Sua desenvoltura em público anima democratas já de olho na disputa presidencial de 2020. Ela nega ter qualquer interesse na vida política. Em novembro, o marido disse à “Rolling Stone” que Michelle jamais se candidatará. “Brinco que ela é muito sensível para estar na política.”

Só se for piada. A mulher com quem trocou o primeiro beijo em 1989, quando dividiam uma casquinha de chocolate, é conhecida pela personalidade forte. Na primeira eleição de Obama, conservadores a rotularam com o estereótipo de “mulher negra raivosa”, disposta a acirrar as tensões raciais na América.

Na prática, ela aderiu a agendas incontestes, como o combate à obesidade infantil, e incorporou a imagem de uma primeira-dama “light”, que dança Beyoncé na TV.

“Como Hillary foi para Bill, Michelle é vista por setores democratas como herdeira política do marido. O céu é o limite para ela”, diz o professor Griffin. Basta saber o quão longe esta Obama quer voar.






Os Obamas fazem uma performance durante leitura do livro "Onde Vivem os Monstros" para crianças na caça aos ovos de Páscoa na Casa Branca (Yuri Gripas - 28.mar.2016/Reuters)
Mídia

Pop, Obama alimentou a cultura de seu tempo e se alimentou dela

Luciana Coelho

Editora de “Mundo”
15.jan.2017 

Ao entrar na conta da Casa Branca em uma rede social em um domingo, o primeiro nome de “quem seguir” sugerido pela plataforma é o da estrela de reality show Kim Kardashian. Uma versão atual do “diz com quem andas”: diga-me quem é associado à sua página e eu lhe direi quem você é (ou o que você parece).

Presidentes, salvo anacronismos, são o produto de seu tempo. Entre os 43 que os Estados Unidos tiveram, porém, raros governaram em tamanha simbiose com a cultura de sua época como Barack Obama, alimentando-a e alimentando-se dela.

O democrata tem consciência disso, e usou seu gosto pelo pop e a inédita superexposição para atingir mais rapidamente seus objetivos.

“As mesmas referências culturais que moldaram vocês me moldaram, e o fato de isso ter ocorrido até os meus 45 anos me diferencia da maior parte dos presidentes”, disse Obama em entrevista ao colunista Philip Galanes e ao ator Bryan Cranston (de “Breaking Bad”) para o “New York Times” no ano passado, na qual se definiu como “a pessoa mais filmada e fotografada da história”.

O fato de ser catapultado ao estrelato político sem escalas entre meio mandato no Senado e a chegada à Casa Branca aos 47 anos, enquanto a maioria de seus pares se blinda na política mais cedo, permitiu a Obama levar uma vida normal por mais tempo, mantendo fluente sua conexão com a cultura pop.

Esses pontos de identificação ressoam fortemente para o público de 18 a 49 anos, que compõe a maior faixa do eleitorado e a mais cobiçada fatia para o entretenimento.

Obama divulga “playlists” e fala sobre séries de TV. No baile da segunda posse, cantaram Alicia Keys a Stevie Wonder, dois favoritos do reeleito, e ele e Michelle dançaram embalados por Jennifer Hudson, revelada pelo “American Idol”. A plateia se divertiu como se não fosse um evento político, testemunhou a reportagem da Folha.

A proximidade com artistas obviamente não começou com Obama. O político havaiano, contudo, copiou do showbiz táticas para divulgar seu trabalho, o que o levou a participar de programas de TV e internet de forma inédita para um chefe de Estado.



























































 

 

 

Os principais fatos da era Obama



A Folha reuniu os principais episódios dos dois mandatos de Barack Obama.

Relembre as batalhas com os republicanos no Congresso, a intervenção militar na Líbia e a luta para aprovar a reforma imigratória.

Nestes oito anos, Obama passou por altos e baixos em seus índices de popularidade —acompanhe a medição do instituto Gallup ao longo do seu governo.




Cronologia

Os anos Obama e sua popularidade, segundo o instituto Gallup
24.jul.2008

União global

Candidato democrata à Presidência, Obama discursa para 200 mil pessoas em Berlim e pede o fim dos muros entre os povos e religiões
4.nov.2008

"Yes, we can"

É eleito o 1º presidente negro dos EUA, com 53% dos votos e vantagem de 10 milhões no voto popular sobre o republicano John McCain
20.jan.2009

Popularidade: 68%

Toma posse como 44º presidente dos EUA e promete reconstruir o país, em meio à crise financeira
22.jan.2009

68%

Assina ordem executiva para fechar Guantánamo em um ano; a prisão em Cuba, porém, segue ativa
23.jan.2009

69%

Pico de popularidade de Obama em seus dois mandatos
2.abr.2009

62%

Em reunião do G-20 em Londres, diz que o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva "é o cara"
26.mai.2009

65%

Indica a primeira latina à Suprema Corte, Sonia Sotomayor, confirmada pelo Senado em agosto
4.jun.2009

62%

Em discurso no Cairo (Egito), cita o Alcorão e pede "um novo começo" nas relações entre o islã e os EUA
9.out.2009

54%

Recebe o Prêmio Nobel da Paz; a indicação rendeu críticas de diversos organismos internacionais
1º.dez.2009

49%

Contrariando a promessa de acabar com a guerra, anuncia o envio de 30 mil soldados ao Afeganistão
23.mar.2010

50%

Assina a lei do Obamacare, que obriga todo cidadão a aderir a um plano de saúde (o governo cobre os mais pobres)
31.ago.2010

47%

Em discurso no Salão Oval, anuncia o fim da Guerra do Iraque, com o início da saída das tropas americanas
2.nov.2010

43%

Sofre sua primeira derrota ao ver os democratas perderem o controle da Câmara para os republicanos
3.mar.2011

45%

Pela primeira vez, afirma publicamente que o ditador Muammar Gaddafi deve deixar o poder na Líbia
19 e 20.mar.2011

46%

Em visita ao Brasil, autoriza o início da ação militar na Líbia e vai ao Cristo Redentor com a família
4.abr.2011

46%

Anuncia que será candidato a um segundo mandato na eleição presidencial do ano seguinte
1º.mai.2011

46%

"A justiça foi feita", afirma em discurso na TV ao anunciar a morte de Osama bin Laden em ope-ração militar
19.mai.2011

49%

Defende os protestos por democracia no mundo árabe e cita "novo capítulo" nas relações EUA-Oriente Médio
2.ago.2011

42%

Consegue apoio republicano para aumentar o teto da dívida pública e evita inédito calote dos EUA
22.ago.2011

38%

Obama atinge seu pior índice de popularidade até então
20.out.2011

42%

Saúda a morte do ditador líbio Muammar Gaddafi por rebeldes como fim da "sombra da tirania"
9.mai.2012

48%

Afirma que "passou por uma evolução" e que, agora, apoia o casamento gay também no religioso
11.set.2012

51%

Ataque terrorista em Benghazi, na Líbia, mata o embaixador dos EUA e outros três americanos
6.nov.2012

50%

É reeleito com 51% dos votos e vantagem de 5 milhões no voto popular sobre o republicano Mitt Romney
12.fev.2013

52%

Em seu discurso sobre o Estado da União, anuncia a retirada de 34 mil soldados do Afeganistão
jun.2013

47%

O ex-técnico da CIA Edward Snowden revela que a NSA espiona cidadãos americanos e estrangeiros
31.ago.2013

45%

Pede autorização ao Congresso para conduzir ataques na Síria, mas o Legislativo não vota o tema
1º.out.2013

45%

Impasse sobre o teto da dívida pública dos EUA leva o governo federal a parar parcialmente por 17 dias
17.out.2013

43%

Crise termina depois de um acordo com os republicanos que permitiu ao Congresso aprovar um novo teto
10.dez.2013

41%

Em fato inédito há mais de 50 anos, cumprimenta o ditador cubano Raúl Castro no funeral de Nelson Mandela
6.mar.2014

42%

Anuncia as primeiras sanções econômicas contra a Rússia em meio à crise na Ucrânia
29.jul.2014

39%

Propõe sanções mais severas contra Moscou depois da queda de um Boeing no leste da Ucrânia
7.ago.2014

44%

Autoriza pela primeira vez ataques aéreos contra o Estado Islâmico no norte do Iraque
3.set.2014

38%

Obama iguala seu pior índice de popularidade, atingido pela primeira vez em 2011
4.nov.2014

43%

Nas eleições legislativas, democratas perdem controle do Senado para os republicanos
20.nov.2014

41%

Lança programa que impediria deportação de 5 milhões de ilegais com filhos americanos
17.dez.2014

42%

Anuncia reaproximação diplomática com Cuba depois de mais de 50 anos de política de isolamento
28.dez.2014

45%

Otan declara o fim formal das operações no Afeganistão, mas os EUA ainda mantêm parte de seu pessoal no país
16.fev.2015

50%

Juiz federal do Texas concede liminar suspendendo o plano de Obama que impede deportações
14.jul.2015

46%

Anuncia acordo entre potências ocidentais e Irã para a redução do programa nuclear iraniano
12.dez.2015

45%

Após a aprovação do Acordo de Paris, diz que pacto é "a melhor chance de salvar o planeta"
21.mar.2016

51%

Com a mulher e filhas, faz a primeira visita de um presidente americano no cargo a Cuba em 88 anos
12.abr.2016

47%

Em entrevista, afirma que a intervenção militar dos EUA na Líbia foi o seu "maior erro" na Presidência
27.mai.2016

50%

Torna-se o 1º presidente dos EUA no cargo a visitar Hiroshima (Japão) depois da bomba atômica
23.jun.2016

50%

Suprema Corte mantém bloqueio a programa de Obama que impede deportações de ilegais
28.set.2016

51%

Congresso derruba veto de Obama à lei que permite processos contra a Arábia Saudita pelos ataques do 11 de Setembro
27.dez.2016

56%

Premiê do Japão faz visita histórica, com Obama, ao memorial das vítimas de Pearl Harbor, no Havaí
10.jan.2017

56%

Em seu último discurso, diz que as divisões na sociedade americana ameaçam a democracia
12.jan.2017

55%

Revoga política que concedia permissão automática de residência a cubanos ilegais que chegassem aos EUA

Edição: Fabio Victor, Guilherme Magalhães e Juliano Machado / Infografia: Simon Ducroquet / Design e desenvolvimento: Angelo Dias, Pilker, Rubens Alencar e Thiago Almeida
Fonte:  http://arte.folha.uol.com.br/mundo/2017/o-legado-obama/#/entrevista-david-remnick

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