segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Escrever com clareza não é assim tão fácil, afinal.


Lucy Kellaway*



Não importa que as palavras pareçam boas: se elas alienam qualquer pessoa, é preciso mudá-las



Não importa que as palavras pareçam boas: se elas alienam qualquer pessoa, é preciso mudá-las

Quando entreguei meus prêmios anuais por má retórica empresarial, na semana passada, escrevi uma coisa que agora gostaria de retirar. Disse que, se a pessoa se esforçar o bastante, é sempre possível usar linguagem clara nos negócios. 

Mas descobri que as coisas não são assim tão simples. No final do ano passado, fui uma das fundadoras de uma empresa social cujo objetivo é retreinar pessoas como eu para o trabalho como professores. Teach Last [ensinar por último] era o nome que eu queria usar, e eu imaginava que ele fosse tanto claro quanto cômico. Não, não, não, foi a resposta de praticamente todo mundo. 

Teach Last, eles insistiam, parecia apontar que a próxima parada era o crematório, e por isso desisti e acabei aceitando a alternativa menos pior, Now Teach [agora ensine]. 

Aprendi minha primeira lição já com as duas primeiras palavras do meu projeto. Como jornalista, escrevo o que quero e, se incomodo alguém, bem, isso é parte da profissão. Mas quando você está estabelecendo alguma coisa, aceitar compromissos é parte do processo —e linguagem aguçada e compromisso raramente se misturam. Não importa que as palavras pareçam boas. Se elas alienam qualquer pessoa, é preciso mudá-las. 

Depois de escolhido o nome, minha próxima tarefa foi escrever o texto do site da Now Teach. É nisso, eu disse a todo mundo com a maior confiança, que eu sou boa. Há muito tempo, desenvolvi um processo de composição em duas etapas: você decide aquilo que quer dizer e em seguida diz, usando principalmente palavras curtas. 

No caso, o que eu queria dizer era fácil: a Now Teach existe para convencer pessoas de mais de 45 anos que estão cansadas de suas reluzentes carreiras na McKinsey, por exemplo, a recomeçar como professoras. Mas eu mesma percebi que isso não ia funcionar. 

Para começar, não se pode zoar a McKinsey em um site de organização assistencial. E nem se pode especificar uma idade, porque isso é ilegal. Mas de que outra forma transmitir a ideia de que você está em busca de pessoas já com boa experiência de vida? 

Em conversas, eu vinha me referindo a esse público como "velhotes", mas ninguém, exceto eu, achou que a palavra tivesse graça. "Maduro" é aceitável se você está descrevendo queijo cheddar, mas só para isso; "temperado" é bom para falar de aço ou de um cozido de carne de carneiro, mas não sobre seres humanos. 

"Pessoas mais velhas" seria inútil, porque o termo vem sendo usado como sinônimo elegante para "venerandas" —-procurar "older" no Google o conduzirá a artigos sobre bolsas de colostomia e o fechamento de casas de repouso. 

Outra possibilidade (sugerida por um antigo consultor de gestão) era "pessoas que mudam de carreira em estágio tardio", que tem a vantagem de ser inofensivo mas a desvantagem de me fazer sentir irrequieta antes mesmo de chegar ao fim da linha. 

Foi com dor no coração que decidimos usar "experientes", inicialmente reforçada pelo uso de "profissionais". Mas minha Jane Austen interior se revoltou, porque na terminologia dela só advogados, médicos e clérigos merecem o termo "profissional". No final, adotamos outra palavra apavorante: "Líderes", que não só é usada em excesso mas me exclui - nunca liderei pessoa alguma.
A tarefa final era transmitir qualidade —não estávamos em busca de qualquer "líder experiente", mas de pessoas que seriam muito bacanas como professores. A palavra "bacana", por mais deliciosa que soe, não funciona em um site, mas a inflação da linguagem vem sendo tão bruta que nenhum dos termos antigos funciona. 

"Bom" agora quer dizer "ruim", e "ótimo" quer dizer "medíocre". Mesmo "extraordinário" se tornou corriqueiro: a palavra aparece quase três milhões de vezes no LinkedIn. 

A resposta óbvia é evitar adjetivos; mas se você o faz, o resultado parece muito morno, o que não funciona se o seu objetivo é vender uma ideia. Assim, optamos por "formidável", e com isso estávamos quase prontos, até que apareceu um especialista para explicar que, embora nossas palavras pudessem parecer satisfatórias para nós, não impressionariam os algoritmos de busca do Google. Com isso, voltamos à prancheta de desenho. 

Agora, quando busco o site da minha nova organização, o primeiro resultado diz: "Now Teach é um programa de treinamento de professores para pessoas experientes que queiram mudar de carreira e reaplicar seus conhecimentos na sala de aula". Como escritora, não gosto do texto. George Orwell teria um chilique ao lê-lo. Mas ele não tinha de lidar com serviços de busca on-line. E no caso dele, o objetivo talvez fosse mais causar ofensa do que evitar causá-la. 

Ainda assim, como alguém que está procurando iniciar um movimento, as palavras me satisfazem. Deixei de exigir frescor ou elegância delas; só me importa que façam seu trabalho. E parece que funcionam. Apesar dos eufemismos, clichês e meias-medidas, quase 650 pessoas se candidataram até agora. A maioria delas já está meio passada. Todas são experientes, e algumas têm currículos impressionantes. Mas o que mais me agrada é que algumas estão provando ser muito bacanas. 
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Tradução de PAULO MIGLIACCI
 * É editora e colunista de finanças do "Financial Times". Está no jornal há 25 anos e escreve sua coluna há 15 anos, sempre às segundas-feiras.
 SAUL LOEB/AFP PHOTO

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