Anselmo Soares*
Encontrei várias vezes Mário Soares, também
em contexto religioso.
Felicitou-me vivamente por umas palavras de despedida no funeral de
Natália Correia, com este final: ""Para onde vão os mortos?", perguntava
o filósofo Bernhard Welte. Para o Silêncio? Para o Nada? É este Nada
que a todos espera. Que Nada? Não está, à partida, decidido como deve
ser interpretado este Silêncio e este Nada. Trata-se de um silêncio
morto ou de um Silêncio vivo, habitado? Trata-se de um nada negativo ou
de um Nada enquanto ocultação absoluta do Mistério vivo, como quando
dizemos: aqui não vejo nada, mas sabendo que lá pode estar algo e até o
essencial? Quando se olha para o Sol, não se vê nada, tal é o excesso de
luz. Este nada é pura e simplesmente nada ou, pelo contrário, o Nada
experienciado na morte é a figura do Mistério oculto que a tudo dá
sentido e fundamento? Natália, foi no Espírito Santo, tal como o
entendias, que acendeste a tua luz e cantaste o fogo do teu canto.
Natália querida, no mistério da despedida, que agora mais
misteriosamente te envolve, seja ainda o Espírito Santo te guie!"
Fiz uma vez, na Universidade Católica, em Lisboa, uma conferência
sobre o pensamento do Padre Joaquim Alves Correia, o padre português
mais clarividente do século XX, antecipando inclusivamente o Concílo
Vaticano II. Mário Soares, que presidiu, deixou, no final, todas as
pessoas sair, para me dizer: Sabe? O António Sérgio, quando lhe
apareciam jovens com problemas de fé, mandava-os para o Padre Joaquim
Alves Correia. No meu caso, ele já tinha sido exilado. Hoje, estou
convencido de que, se não se tivesse dado esse exílio e tivesse tido a
oportunidade de me encontrar com ele, possivelmente, em vez de
agnóstico, seria crente.
Outra vez, num debate sobre a liberdade religiosa, em Lisboa, uma
senhora ousou perguntar-lhe se pensava na morte e no seu depois. E Mário
Soares (também aqui cito de cor): A minha mulher é crente. Eu não tenho
esse dom. Sou laico, agnóstico. Evidentemente, penso nisso: qual o
fundamento de tudo quanto há?, o que é que andamos cá a fazer?, qual o
sentido da nossa existência? Mas não tenho fé. Se, na morte, Deus me
aparecer, dir-lhe-ei: Ainda bem! Claro, ficarei contente.
"Onde é que eu estarei, quando cá já não estiver", é a pergunta
lancinante que Tolstoi coloca na boca de Ivan Ilitch moribundo. Mário
Soares partiu. A minha fé diz-me que Deus lhe foi ao encontro. E Mário
Soares: Ainda bem que existes! E ficou contente. Porque o Deus em que
acredito é o Deus que está do lado da liberdade, aquela liberdade por
que Mário Soares se bateu e por cuja luta nós todos lhe estamos
profundamente agradecidos. Mário Soares foi um combatente pela liberdade
e pela tolerância. A ele se deve em grande parte que, por causa dos
ensinamentos colhidos da Primeira República, não tenha havido, no 25 de
Abril, conflitualidade religiosa.
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Padre e professor de Filosofia
Imagem da Internet: Mário Soares.
Fonte:
http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/mario-soares-e-a-religiao-5592000.html
Fonte:
http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/mario-soares-e-a-religiao-5592000.html
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