Relatório aponta os discursos disseminados por corporações e super-ricos para influenciar políticas que os favoreçam.
A reportagem é publicada por CartaCapital, 17-01-2017.
Divulgado na segunda 16, o último relatório da Oxfam
revelou que só oito indivíduos (todos homens) detêm a mesma riqueza que
os 3,6 bilhões que fazem parte da metade mais empobrecida do planeta.
Além disso, o abismo entre ricos e pobres está aumentando em uma
velocidade muito maior do que se esperava, em parte devido às
estratégias do topo da pirâmide econômica, habitado por grandes
corporações e os "super-ricos", utilizadas para influenciar políticas e
garantir regras que os favoreçam, mesmo que em detrimento do restante da
sociedade.
"A atual economia do 1% baseia-se em uma série de falsas premissas
que fundamentam muitas das políticas, investimentos e atividades de
governos, empresas e indivíduos ricos, e que não satisfazem as
necessidades de pessoas em situação de pobreza e da sociedade de uma
maneira geral", afirma o estudo da Oxfam.
O documento produzido pela ONG inglesa, que busca combater o aumento
da desigualdade, elenca as falsas seis premissas que acabam por acirrar o
fosso entre ricos e pobres:
1 - O mercado está sempre certo e o papel dos governos deve ser minimizado
A crença inabalável no poder do mercado, aliada a uma visão negativa
do papel do Estado na economia, é o alicerce do neoliberalismo. Na
verdade, diz o relatório, não existe confirmação de que o mercado seja o
melhor meio de organização para a vida em sociedade. Ao contrário. Para
a Oxfam, os mercados precisam ser cuidadosamente geridos, a fim de proteger os interesses das pessoas.
"Vimos como a corrupção, o favorecimento ou o nepotismo distorcem os
mercados em detrimento de pessoas comuns e como o crescimento excessivo
do setor financeiro exacerba a desigualdade", diz o estudo, lembrando da
crise financeira de 2008.
Além disso, existem exemplos práticos de como a privatização de
serviços considerados essenciais, como a saúde, a educação ou o
abastecimento de água, acaba por prejudicar os mais pobres, em especial,
as mulheres.
2 - Nas empresas, o lucro e o retorno para os acionistas deve estar acima de tudo
A minimização de custos fiscais e trabalhistas e a maximização da
receita são consideradas a fórmula para melhorar a rentabilidade das
empresas e torná-las mais "eficientes".
No entanto, a busca pelo lucro acima de tudo e pelos maiores retornos
possíveis aos acionistas acaba por aumentar, de maneira
desproporcional, a renda dos que já são ricos, ao mesmo tempo em que
pressiona negativamente trabalhadores, fornecedores, comunidades e o
meio ambiente.
O estudo pede que as empresas busquem um "capitalismo sustentável",
com geração de lucros razoável e uma remuneração mais justa para os
trabalhadores.
3 - A riqueza individual extrema é sinal de sucesso
O estudo defende que a concentração de renda nas mãos de poucos
indivíduos é "economicamente ineficiente, politicamente corrosiva e
prejudicial para o nosso progresso coletivo". Embora existam evidências
contrárias, afirma a Oxfam, muitos ainda acreditam que
chega-se ao topo da pirâmide trabalhando duro e contando com uma boa
dose de talento. Outra falsa premissa é que os super-ricos contribuem
para o crescimento econômico.
Dados do FMI citados pelo estudo revelam, porém, que
países menos desiguais crescem mais e por mais tempo. Por outro lado,
países com muitos bilionários crescem mais lentamente.
4 - O crescimento do PIB deve ser o principal objetivo econômico
Considerada a ferramenta padrão para se dimensionar a economia de um
país, a soma de todos os bens e serviços produzidos por empresas,
governos e indivíduos, isto é, o Produto Interno Bruto (PIB) foi classificado pela revista The Economist como um "indicador de prosperidade problemático".
Por ser uma média, o índice não leva em consideração a desigualdade
e, além disso, não computa o trabalho doméstico não-remunerado realizado
por uma enorme quantidade de mulheres no mundo todo. O estudo cita a
Zâmbia, cujo PIB está crescendo a taxas elevadas, justamente quando o número de pessoas em situação de pobreza aumentou.
5 - Nosso modelo econômico é neutro em relação ao gênero
Outra premissa falsa é a de que não existem diferenças de classe,
raça e gênero dentro do modelo econômico vigente. Dentro desta lógica,
os resultados alcançados por indivíduos são determinados exclusivamente
por suas habilidades e esforços. Essa linha de pensamento, afirma a Oxfam, leva, entre outros, à perpetuação das distorções e das desigualdades de gênero.
"Modelos econômicos neoliberais não somente ignoram essas barreiras,
mas também prosperam graças às normas sociais que enfraquecem as
mulheres. Países com grandes setores orientados para a exportação são
particularmente beneficiados por uma grande força de trabalho pouco
qualificada e sem voz. Muitos desses trabalhos são reservados às
mulheres devido à sua “desvantagem competitiva”, afirma o estudo.
Além de tradicionalmente ocuparem cargos e funções com remuneração
mais baixa, as mulheres recebem, em média, salários 23% menores do que
os dos homens na mesma função e são massivamente responsáveis pelo
trabalho doméstico não-remunerado - "que não é contabilizado no PIB, mas
sem o qual as economias não funcionariam".
Segundo a ActionAid, as mulheres que vivem nos
países em desenvolvimento poderiam somar 9 trilhões de dólares a suas
rendas caso seu salário e acesso a trabalho remunerado fossem iguais aos
dos homens
Além disso, cortes nos serviços públicos, na segurança no emprego e
em direitos trabalhistas costumam afetar a força de trabalho feminina de
maneira desproporiconal.
6 - Os recursos do nosso planeta são ilimitados
As consequências negativas do modelo econômico atual não atinge
apenas a raça humana. Tal modelo, baseado na exploração sem limites do
meio ambiente, parte da premissa de que os recursos naturais são
ilimitados e devem ser explorados ao bel-prazer de empresas e governos.
No entanto, esse modelo "colabora intensamente" para a ocorrência de
mudanças climáticas descontroladas.
"A ênfase cada vez maior na maximização dos lucros e retornos de
curto prazo agrava a cegueira ambiental das nossas economias, uma vez
que qualquer perspectiva de longo prazo é suprimida", diz o relatório.
Segundo estimativas da Oxfam, os 10% mais ricos da
população mundial são responsáveis por metade de todas as emissões
globais de gases que agravam o aquecimento global. No entanto, as
consequências mais graves das mudanças climáticas (como eventos
extremos) serão sentidas pelas comunidades mais pobres.
-----------------
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/564063-oxfam-6-falsas-premissas-que-impulsionam-a-desigualdade 18/01/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário