Luiz Felipe Pondé*
O feto tem preço? Sim, tem. E, enquanto você não
descobriu o seu preço, ainda não pensou
a fundo no tema.
Algum tempo atrás, nesta coluna, escrevi que hoje em dia é difícil saber
separar afeto de grana (referia-me especificamente ao amor entre pais e
filhos, mas o tema vai além disso, tocando o amor romântico também).
Recebi alguns e-mails de leitoras revoltadas dizendo que era um absurdo
eu não ser capaz de separar amor e grana. Eu já acho o contrário.
Enquanto não pensarmos claramente no quanto amor e grana se misturam,
não veremos nenhuma fronteira entre os dois.
Em nossa época, mentiras viraram moeda de troca no mercado do pensamento
público. Agradar aos outros é métrica de valor. Eu não jogo esse jogo.
Devemos escapar da armadilha comum de pensar que assumir um preço para o
afeto implica ser uma pessoa interesseira. Claro que esse caso óbvio
também existe. Penso em pessoas motivadas pelo afeto mesmo e que,
tristemente, às vezes, se batem com o limite material delas. Não era
outra coisa que o grande Nelson Rodrigues tinha em mente quando dizia
que dinheiro compra até amor verdadeiro.
O fato é que grana é um potencializador da vida. Com ela você pode criar
um ambiente no qual confiança, bem-estar e um forte sentimento de
muitas perspectivas se abrem diante de você. Onde bons sentimentos
nascem? Num final de semana prolongado em Roma ou no trânsito de oito
horas para Praia Grande?
Grana cria horizontes no quais você se desenvolve e pode sonhar com
melhores modelos de você mesmo. Grana dá a você a chance de ser
generoso, ousado, seguro de si mesmo. No caso das meninas se dá a mesma
coisa.
Acrescentaria que no caso das meninas existe também um delicado
sentimento (às vezes enterrado no mais fundo do cotidiano) de que, se
alguém te dá uma bijuteria no lugar de uma joia, você se sente uma
bijuteria, e não uma joia. E, em alguma medida, com razão. Porque o
preço de uma joia representa o valor investido na mulher para quem você
dá essa joia.
Homens, que na maioria das vezes ganham mais e são mais escravos da
obrigação do sucesso material, se sentem investidos de amor pela mulher
quando ela demonstra serem eles a sua prioridade. Quando ela reconhece
potência em tudo o que eles fazem –o que não significa só ganhar
dinheiro.
Falta de grana mata o amor porque ele perece diante da falta de
horizontes. Do sentimento de que a vida está acabada naquela fórmula
pobre de ser. Num cotidiano em que a rotina é sempre a da falta de
liberdade de escolha. A dificuldade de enxergar isso torna ainda mais o
afeto dependente da grana. A mentira sobre isso torna o amor ainda mais
barato porque mais indefeso diante das contingências do dia a dia.
Quer outro exemplo? Você se casa com um cara que tem uma ex-mulher. Se
ele der muita atenção para ela e se preocupar muito em deixá-la "bem
materialmente" mesmo depois da separação, você vai, sim, achar que ele
ainda a ama. Não minta sobre isso só pra ficar bem com o marketing do
bem, que deixa o mundo ainda mais cretino do que ele já é normalmente.
O caso do amor entre pais e filhos não é tão diferente, apesar de
depender mais da classe social e da cultura do país. No Brasil, da
classe média alta pra cima, se você não der um apartamento para cada
filho, fracassou como pai.
Imagine que seu pai deixou sua mãe por uma mulher 20 anos mais nova do
que ele, e que ele teve um filho com ela. Sei, sei, dizem por aí que
todos os jovens tiram isso de letra hoje, mas isso é, também, uma
mentira do marketing do bem.
Agora imagine que ele nega para você uma viagem para Paris nas férias,
mas faz um lindo quarto de bebê com todas as frescuras que sua nova
jovem mulher pede. Quando encontra com você, só fala do novo
"irmãozinho". Que tal?
Invertamos a situação. Imagine que você dedicou 40 anos da sua vida para
seu filho. Imagine que agora ele é bem-sucedido profissionalmente, mas
deixa você viver numa casa de repouso miserável paga com sua
aposentadoria.
Onde está a fronteira entre amor e grana aí? Em Roma ou Praia Grande?
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela
Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião,
ciência. Escreve às segundas.
Imagem Ricardo Cammarota/Folhapress
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/ 30/01/2017
Obrigado por postar o texto
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