FERNANDA
YOUNG*
A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a
pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina.
Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que escutamos — a pessoa
quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona na vulgaridade das
palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção, na mentira como
tática, no atraso das ideias.
O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha
que pode tudo e esfrega sua tosquice na cara dos outros. Não há ética que caiba
a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um
convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas.
O cafona manda cimentar o quintal e ladrilhar o jardim. Quer todo mundo
igual, cantando o hino. Gosta de frases de efeito e piadas de bicha. Chuta o
cachorro, chicoteia o cavalo e mata passarinho. Despreza a ciência, porque
ninguém pode ser mais sabido que ele. É rude na língua e flatulento por todos
os seus orifícios. Recorre à religião para ser hipócrita e à brutalidade para
ser respeitado.
A cafonice detesta a arte, pois não quer ter que entender nada. Odeia o
diferente, pois não tem um pingo de originalidade em suas veias. Segura de si,
acha que a psicologia não tem necessidade e que desculpa não se pede. Fala o
que pensa, principalmente quando não pensa. Fura filas, canta pneus e passa
sermões. A cafonice não tem vergonha na cara.
O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer vencer,
para ver o outro perder. Quer ser convidado, para cuspir no prato. Quer bajular
o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer tirar vantagem em
tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam
como hienas e se escondem como ratos.
Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que
um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está
acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país.
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* (1970-2019) Foi uma escritora, roteirista, apresentadora e atriz brasileira.
FONTE: https://oglobo.globo.com/cultura/em-sua-ultima-coluna-fernanda-young-sentencia-cafonice-detesta-arte-23903168
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