Luiz Felipe Pondé*
Entre fazer do consumidor um vírus ou um pato, eis a armadilha do turismo
O mercado de turismo tem suas contradições, como
todo mundo. À medida que cresce, o turismo vai produzindo formigueiros à
velocidade da luz. Criando espaços intragáveis devido ao acúmulo de
pessoas que vão ascendendo ao consumo do turismo. À medida em que se
torna democrático, o turismo transforma o mundo numa grande Praia Grande ou em um imenso churrasco na laje. Nem o Everest escapa ao paradigma da viagem brega como ontologia.
Sim, eu sei. Os inteligentinhos dirão que sou elitista. Mas não me
interesso pelo que eles pensam. Mas, sim, evidentemente, a contradição
do mercado do turismo é esta mesma: para crescer tem que ampliar o
alcance. Para tal, tem que trazer mais gente para o barco, para o hotel,
para o avião, para as geleiras, para os desertos, para as ruínas,
enfim, transformar o mundo numa grande Praia Grande.
Claro que os agentes que atuam nesse mercado seguem a rota
clássica de buscar desenvolver produtos que encontrem um espaço mínimo
para as pessoas respirarem fora desse imenso churrasco na laje em que se
transformou o mundo depois que o mercado do turismo virou farofa.
Mas, existem outras contradições nesse mercado, e que não estão
apenas ligadas à oposição entre o consumo em escala e o de luxo. Uma
delas é o modo como se dá a relação entre o turista e o lugar que ele
visita. Ela pode ser destrutiva num sentido de mão dupla. Vejamos.
Num primeiro sentido, o local visitado pode viver sua transformação
num destino turístico como uma cidade invadida por uma praga de
gafanhotos. Turistas, na condição natural de idiotas fora de seu próprio
habitat, facilmente se põem a destruir o espaço que visitam, produzindo
lixo, sujeira, barulho, inflação dos preços, consumismo. Podem mesmo
implodir a estrutura feita para recebê-los. Há uma ansiedade de gozar no
turista que pode fazer dele um vírus.
São muitos os exemplos de cidades no mundo que tentam evitar esse
vírus. Praias são destruídas por esse vírus. Mas —e é por isso mesmo que
se trata de uma contradição estrutural do mercado, e não vejo solução
pra ela—, é justamente esse efeito viral que gera dinheiro, riqueza,
economia, emprego. O turista é um gastador por natureza, e, por isso
mesmo, ela gera riqueza fácil para quem o recebe. A França bem sabe
disso. A Turquia também. E Portugal,
recentemente, também. Logo, a Lua sofrerá os efeitos desse vírus. Mas,
quem em sã consciência no Rio ou em Salvador abriria mão da praga do
turismo?
Mas, há o sentido contrário dessa relação entre o turista e o destino
que o recebe. Se acima acabamos de descrever o turista na sua dimensão
negativa, a de um idiota fora de seu habitat, produtor de lixo, barulho,
sujeira e afins, há uma outra dimensão desta relação, na qual o turista
é a vítima da estupidez de quem o recebe.
O turista é visto, muitas vezes, pelas pessoas que usufruem de seu
investimento em viagens, como um pato a ser frito. Por ser ele mesmo
alguém com vocação a viver a condição de um idiota fora do seu habitat
natural, o turista é visto como um pato pronto para ser acharcado.
Ao invés de ver nele alguém que traz riqueza, trabalho, futuro,
economia para a população que o recebe, ele é tratado como objeto de
ganância, a mais vil e imediatista. O gringo é a bola da vez.
A ideia é tirar todo o dinheiro desse pato, oferecendo a ele o mínimo
de retorno possível. E nesse sentido, a recepção do turista se faz
predatória de si mesma. Mas, como o mundo é grande, e a vocação a ser
idiota e pato do turista é um fato (a busca de diversão, comida e sexo
faz de qualquer pessoa uma presa fácil), sempre haverá espaço para
muitos dos profissionais que lidam diretamente com o turista nas ruas
tratá-lo como alguém a ser acharcado.
Entre o destino de fazer do seu consumidor um vírus ou um pato, eis a
armadilha do mercado do turismo (ainda que o turista seja um vírus ou
um pato “espiritual” ou de luxo). Nem o marketing nem o branding são
capazes de responder a esse desafio porque a vocação dessas disciplinas
é, justamente, investir nesta condição de vírus ou de pato.
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