Klaus Brüschke
No
contexto dos desafios representados pelo desenvolvimento econômico, o
Papa Francisco faz um convite a jovens economistas e empreendedores –
“quem hoje está se formando e começa a estudar e praticar uma economia
diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não
desumaniza, cuida da criação e não a depreda” – a se reunirem em Assis,
na Itália, em março de 2020, num evento “que nos leve a fazer um
‘pacto’ para mudar a atual economia e dar uma alma à economia do
amanhã”.
O pensamento econômico hegemônico é decorrente de uma concepção de ser
humano precisa: o Homo œconomicus. O indivíduo livre para agir e
responsável pela própria sorte, emancipando-se de toda forma de tutela –
por exemplo, do Estado –, agiria racionalmente maximizando os
resultados e interagindo concorrencialmente com outros indivíduos no
mercado. Paradoxalmente, sujeita-se ao mercado sujeito ao capital. Tal
concepção se contrapõe à outra, pela qual o ser humano é determinado
pelas relações sociais dialéticas de trabalho. Falta a ambas as
concepções a “alma” de que fala o Papa.
Dar
“alma” à economia poderia ser apresentar a concepção do “ser humano que
Deus revelou ao ser humano”: a pessoa, o ser em relação – não qualquer
tipo de relação (instrumental, competitiva ou dialética), mas amor
atuado em reciprocidade. O “modelo” (termo impróprio) é a própria
Trindade. Segundo esse “modelo”, temos o máximo da individualidade (cada
pessoa foi criada única e irrepetível) e o máximo da sociabilidade
(pela comunhão no Corpo Místico de Cristo).
Dar “alma” à economia poderia ser trazer essa concepção das categorias
espirituais e teológicas para as sociais e econômicas. Há vertentes das
ciências sociais que estudam o amor como categoria sociológica (o grupo
internacional Social-One estuda como tal o ágape, o amor em sua
reciprocidade). Conheço mais a Economia de Comunhão, idealizada por
Chiara Lubich. Para ela, trata-se de tornar a “cultura do ter” uma
“cultura da partilha”. As centenas de empresas que aderem a essa
proposta partilham o lucro, com os excluídos da sociedade, incluídos não
só na roda de consumo, mas, sobretudo, na rede de relações sociais
fraternas estabelecidas a priori.
Com tal “alma”, a atividade econômica passa a ter por finalidade
produzir riquezas a ser partilhadas com todos, bens que circulem e
serviços que sejam serviço. O mercado volta a ser o espaço de encontro e
de trocas (como estuda a Economia Civil). Não se mercantilizam mais a
terra (preservando-a da lógica predatória e latifundiária), o trabalho
(salvaguardando-o da lógica da competitividade) e o dinheiro (estancando
o dreno para o “capital improdutivo” das riquezas indispensáveis ao
progresso humano, como bem explica Ladislau Dowbor). O evento de Assis
será um intercâmbio de experiências já em andamento de uma “economia
profética” assim.
Dar “alma” à economia poderia ser apresentar tal concepção cristã –
expressa de maneira plural – estabelecendo pontes de diálogo com outras
correntes de pensamento. Isso implica reconhecer nelas exigências
autênticas, como o anseio de o indivíduo ser plenamente protagonista e o
anseio de uma sociedade de relações fraternas.
Afinal, continua o Papa: “Todos, todos nós mesmos, somos chamados a
rever nossos esquemas mentais e morais, para que possam estar mais em
conformidade com os mandamentos de Deus e com as exigências do bem
comum… [Jovens,] Se ouvirdes o vosso coração, sentireis que sois
portadores de uma cultura corajosa e não tendes medo de assumir riscos e
comprometer-vos a construir uma nova sociedade”.
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* Membro do Movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova e articulista da revista Cidade Nova.
Fonte: http://www.osaopaulo.org.br/colunas/no-debate-estado-x-mercado-uma-contribuicao 21/08/2019
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