quarta-feira, 21 de agosto de 2019

OLHARES

Fabio Bernardi*
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Hoje meu filho faz oito meses de vida. E eu, também. Eu, não: o meu novo eu. Não estou falando daquela frase "quando nasce um filho, nasce um pai", que é verdade, claro, mas não traduz o que quero dizer. Me refiro a nascer de fato. Eu nasci há oito meses.

Você pode pensar na vida como um mero passar de anos. Sob este ponto de vista, claro, tenho bem mais idade. Mas, se você pensar bem, a vida mesmo é apenas afetos, perspectiva e legado. E essas três coisas foram completamente transformadas desde que meu filho nasceu. Os afetos foram ressignificados, a perspectiva foi ampliada e o legado dorme agora nos meus braços. O grande escritor Marcel Proust disse que "a real viagem não é procurar novas paisagens, mas ter novos olhos".
E é exatamente isso que acontece quando você tem um filho: a gente ganha um novo olhar para tudo na vida. O olhar brilhante de quem nada sabe, o olhar de espanto diante de algo que não se espera, o olhar pasmo de surpresa, assombro e admiração. Quando um filho vê o mar pela primeira vez, o pai também vê o mar de um jeito que nunca viu antes. A sombra na parede que sempre esteve ali agora é uma amiga a quem damos bom-dia quando acordamos juntos.

E assim fica a vida, tudo diferente. Nos primeiros meses e anos de vida de uma criança, ela traz ao mundo aquele olhar buliçoso, em permanente movimento, descobrindo coisas curiosas aqui e ali, na velocidade de um pensamento: um passarinho, um carro vermelho passando ao longe, um objeto engraçado, um molho de chaves que faz barulho quando cai, um dedo que aperta cá e acende uma lâmpada lá. A estupefação e a alegria da descoberta da criança são um presente que deixamos pra trás quando crescemos.

A infância acaba virando um lugar estranho na memória, porque termina e não deveria terminar. Há uma diferença entre o olhar da criança e o olhar do adulto. Nosso olhar de adulto é fixo, se concentra apenas nas coisas que interessam. O campo de visão do adulto é objetivo, restrito, como restrito vai ficando nosso mundo: restrito em relações humanas, restrito em dependência e entrega, restrito em estupefação e descobertas. Restrito em curiosidade e interesses. Esse olhar de adulto é um tipo próprio de bullying, que praticamos contra nós mesmos depois que crescemos.

Há oito meses nasci de novo. E pretendo permanecer nessa infância pro resto da minha vida.
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* Sócio-diretor de criação da Morya | 
fabio@morya.com.br
Fonte:  https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=58b2fb7c6c464b5091c7edadeca5e4ab 20/08/2019
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