Fabio Bernardi*
Hoje meu filho faz oito meses de vida. E eu, também.
Eu, não: o meu novo eu. Não estou falando daquela frase "quando nasce um
filho, nasce um pai", que é verdade, claro, mas não traduz o que quero
dizer. Me refiro a nascer de fato. Eu nasci há oito meses.
Você pode pensar na vida como um mero passar de anos.
Sob este ponto de vista, claro, tenho bem mais idade. Mas, se você
pensar bem, a vida mesmo é apenas afetos, perspectiva e legado. E essas
três coisas foram completamente transformadas desde que meu filho
nasceu. Os afetos foram ressignificados, a perspectiva foi ampliada e o
legado dorme agora nos meus braços. O grande escritor Marcel Proust
disse que "a real viagem não é procurar novas paisagens, mas ter novos
olhos".
E é exatamente isso que acontece quando você tem um
filho: a gente ganha um novo olhar para tudo na vida. O olhar brilhante
de quem nada sabe, o olhar de espanto diante de algo que não se espera, o
olhar pasmo de surpresa, assombro e admiração. Quando um filho vê o mar
pela primeira vez, o pai também vê o mar de um jeito que nunca viu
antes. A sombra na parede que sempre esteve ali agora é uma amiga a quem
damos bom-dia quando acordamos juntos.
E assim fica a vida, tudo diferente. Nos primeiros
meses e anos de vida de uma criança, ela traz ao mundo aquele olhar
buliçoso, em permanente movimento, descobrindo coisas curiosas aqui e
ali, na velocidade de um pensamento: um passarinho, um carro vermelho
passando ao longe, um objeto engraçado, um molho de chaves que faz
barulho quando cai, um dedo que aperta cá e acende uma lâmpada lá. A
estupefação e a alegria da descoberta da criança são um presente que
deixamos pra trás quando crescemos.
A infância acaba virando um lugar estranho na memória,
porque termina e não deveria terminar. Há uma diferença entre o olhar da
criança e o olhar do adulto. Nosso olhar de adulto é fixo, se concentra
apenas nas coisas que interessam. O campo de visão do adulto é
objetivo, restrito, como restrito vai ficando nosso mundo: restrito em
relações humanas, restrito em dependência e entrega, restrito em
estupefação e descobertas. Restrito em curiosidade e interesses. Esse
olhar de adulto é um tipo próprio de bullying, que praticamos contra nós
mesmos depois que crescemos.
Há oito meses nasci de novo. E pretendo permanecer nessa infância pro resto da minha vida.
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* Sócio-diretor de criação da Morya |
fabio@morya.com.br
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=58b2fb7c6c464b5091c7edadeca5e4ab 20/08/2019
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