Festa de abraços em uma
residência particular na Califórnia.daily breeze (Getty)
Autoridades alertam que sentir-se solitário é tão prejudicial como fumar
15 cigarros diários. O problema inspirou
uma pequena indústria a combatê-lo
Washington
- 25 ago 2019
Em um fim de semana de verão, Tracy Ruble, acompanhada por outras 20
pessoas, instalou-se com cadeiras vazias em uma esquina de São Francisco para falar
com desconhecidos. Chuck McCarthy deu entrevistas em Los Angeles sobre o
sucesso de seu aplicativo The People Walker, por meio do qual “passeadores” cobram
entre 7 e 21 dólares (29 e 86 reais) para acompanhar outra pessoa em uma
caminhada. Adam Paulman, de 65 anos, participou de uma festa de abraços em San
Diego. Cerca de pessoas pagaram 20 dólares (82 reais) para tocar umas nas
outras sem intenções sexuais. Enquanto prolifera esse tipo de iniciativas, as
autoridades de saúde dos Estados
Unidos alertam que há uma “epidemia
de solidão”, uma condição mais prejudicial do que a obesidade e tão nociva
como fumar 15 cigarros diários. Os números mostram que é verdade. Mais da
metade dos adultos dos EUA consideram que ninguém os conhece de verdade, e 46%
admitem sentir solidão às vezes ou sempre, segundo a última pesquisa
Cigna/Ipsos.
Não importa o gênero ou a origem, a diferença é determinada pela idade.
A chamada geração centennial (de 18 a 22 anos), de nativos digitais, é a que se
sente mais solitária. Uma conclusão óbvia seria responsabilizar a
hiperconectividade, mas segundo a amostra mencionada, não existe uma variação
relevante entre quem usa muito ou pouco as redes sociais. O fator que define
que uma pessoa se sinta mais ou menos sozinha é a frequência
com que mantém relações pessoais cara a cara. O grande problema do
isolamento é que ele pode ter consequências fatais, como advertiu Julianne
Holt-Lunstad, professora da Universidade Brigham Young, em um pronunciamento no
Senado em 2017. Ela alertou que esse problema é tanto estrutural como
psicológico.
Há dois anos, a CareMore
Health oferece nos planos de saúde para idosos e pessoas de poucos recursos
um programa chamado Unidos, que trata a solidão como uma condição de saúde que
pode ser diagnosticada, prevenida e tratada. Na prática, consiste em ligações
telefônicas semanais, visitas à residência do paciente, estímulo pessoal e
programas comunitários.
Como aponta a máxima dos empreendedores, onde existe um problema, há uma
oportunidade de negócio. Chuck McCarthy, que criou o The People Walker em 2016,
explica que seu serviço de cobrar por um passeio acompanhado é uma resposta às
empresas que investem bilhões de dólares “para que as pessoas se sentem
sozinhas diante de uma tela”. “Se alguém está caminhando, não está nas redes sociais, não está
vendo serviços de streaming, não está jogando videogame e não está comprando
online”, afirma. Todos os “passeadores” passam por um processo de verificação
de antecedentes penais. Além disso, o percurso feito com o usuário é
monitorado.
Um Tinder de amigos
A Rent a Friend, fundada em 2009 nos EUA, conta com mais de 600.000
“amigos de aluguel” em vários países do mundo. Os usuários, que pagam entre 10
e 50 dólares (41 e 205 reais) por hora, também devem seguir um protocolo:
reunir-se em um lugar público, ter o celular à mão e dizer a um conhecido onde
estarão e a que horas planejam voltar, entre outros procedimentos. O empreendedor
Scott Rosenbaum se inspirou em um aplicativo japonês, por meio do qual as
pessoas pagavam para que um desconhecido as acompanhasse a um funeral ou a um
jantar em família depois de um divórcio. No entanto, nos EUA funciona como um Tinder de amigos. Rosenbaum
explica que os usuários falam com vários candidatos e quando combinam com um,
contratam seu serviço, embora entre as opções oferecidas pelo aplicativo
apareça a de “atividades familiares”. O contato físico é proibido, ao contrário
do que ocorre nas festas de abraços. Neste tipo de encontros noturnos, criado
há 15 anos, o objetivo é “conhecer uns aos outros e criar laços”, explica Adam
Paulman, que atua como participante e vigilante nessas festas há cinco anos.
Para a terapeuta Tracy Ruble, o fato de que existam tantas iniciativas
para combater a solidão “demonstra o quanto o problema é grande”. Em 2015 ela
criou a Sidewalk Talk:
sentou-se com alguns amigos na rua, diante de cadeiras vazias, para que as
pessoas que quisessem conversar com eles fizessem isso. O sucesso foi tanto que
a iniciativa se transformou em uma organização, que agora atua em 12 países.
Dos mais de 4.000 voluntários participantes, cerca de 1.000 conheceram o
projeto porque foram “ouvidos” e agora querem retribuir a ajuda recebida. Os
voluntários são capacitados com noções básicas de crises mentais e a empatia.
Nos quatro anos de funcionamento, a Sidewalk Talk só teve dois episódios
negativos, segundo Ruble.
Voluntárias da Sidewalk Talk, sentadas, oferecem-se para conversar em
Fairfax.Bill O'Leary (Getty)
Quanto ao lucro que alguns empreendimentos estão gerando com o que agora
se considera uma doença, a terapeuta responde que não quer julgar os clientes
dispostos a pagar, mas assinala que quando há pagamento envolvido, “existe uma
dinâmica de poder que não está presente nas atividades gratuitas, onde todos
somos iguais”. Para ela, embora esses projetos sejam parte da solução, o que se
precisa conseguir é que as pessoas recebam salários dignos. “Quando você tem
três empregos para poder subsistir, você fica exausto e não tem vontade de se
juntar com ninguém. Além disso, temos de construir uma infraestrutura para as
pessoas necessitadas. Não pode haver o nível de mendigos que há nas ruas”,
alerta a terapeuta de São Francisco, onde o número de pessoas sem teto cresceu
17% nos dois últimos anos, chegando a 8.011. Um de cada 100 habitantes não tem
teto. A pesquisa não inclui a pergunta sobre se esses desabrigados se sentem
solitários, mas dá para intuir a resposta.
Um país sem cultura de toque
“Nos Estados Unidos não existe a cultura do toque, que é um tipo de
comunicação além das palavras. Nas festas de abraços, você pode pedir para ser
tocado e aprender como gosta que façam isso”, afirma um participante, Adam
Paulman. As pessoas que participam vão de pijama para não potencializar o
desejo sexual, e geralmente têm entre 35 e 70 anos. Paulman diz que nunca
presenciou uma situação de abuso nesses encontros. “Você pode encontrar alguém
atraente, que desperte uma energia sexual, mas, assim como em um aeroporto,
aqui você também não faz nada a respeito disso”. Antes de começar a festa, as
pessoas se reúnem em círculo para se apresentar e dizer por que vieram. Nessa
conversa, explica-se que não pode haver nenhum tipo de contato sexual.
“Se há alguém muito entusiasmado, pedimos que se sente”, assinala Paulman.
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