Luiz Felipe Pondé*
O que levaria ao suicídio do ser maior, o universo?
Sei que muitos seguidores das novas espiritualidades dizem que são gnósticos, mas, coitados, não sabem o que dizem.
Para ser um herdeiro verdadeiro do gnosticismo antigo (além de dever
possuir um enorme repertório no gnosticismo antigo), você deve sustentar
uma melancolia ontológica profunda que se manifesta numa desesperança
assustadora.
A moçada das novas espiritualidades, em geral (com raras exceções), é
gente infantil que crê na “força” em Thor e vê a Mulher Maravilha como a
prova de que o mundo originalmente era matriarcal. Neste último caso
específico, uma espécie de idiota de gênero sem doutorado.
Um exemplo de artista importante que já demonstrou possuir uma
percepção gnóstica de mundo é o dinamarquês Lars von Trier, que sempre
apanha por isso.
“O Delírio Filosófico do Historiador Salem Zoar”, escrito pelo
filósofo Carlos Malferarri, o discreto, ainda sem editora, é um exemplo
primoroso desse estilo distópico, que guarda uma semelhança
significativa com as cosmogonias gnósticas pessimistas em que o mundo é
criação de um demiurgo idiota, orgulhoso e incompetente.
Só que nosso filósofo gnóstico paulista narra uma escatologia (o fim
do universo), e não uma cosmogonia (origem do universo), de têmpera
gnóstica, e seu agente é a estupidez humana. Nós somos os demiurgos. E o
universo “desiste” de si mesmo por conta disso.
Importante não dar spoiler sobre o curso da narrativa de nosso “herói”, o historiador Salem Zoar, alter ego de Carlos Malferrari, o discreto. Salem, por si
só, já é um nome que nos remete a Jerusalém, às bruxas de Salem ou mesmo
a Matusalém —personagem bíblico famoso por viver mais do que o normal
entre os homens.
Zoar, claramente, nos leva à cabala e a narrativas cosmogônicas
típicas dessa espiritualidade judaica antiga. Mas é o delírio, enquanto
tal, que nos importa e nos atormenta.
O livro de Malferrari é uma crítica à modernidade e sua “causa pelo
progresso”, que começa tornando o elétron livre um escravo na corrente
elétrica.
Sua intuição inicial é cosmológica e só em seguida revela seu vínculo
humano. O delírio se abre com a desistência do universo por si mesmo:
ele para. Suas partículas “se suicidam”. O movimento, causa profunda do
universo ser o que ele é, cessa e daí as consequências que se seguem. O
que levaria ao suicídio do ser maior, o universo? Evidentemente eu não
vou lhe dizer.
Mas, entre tantas coisas, uma eu posso contar, para dar a você um
gostinho da força dessa narrativa discreta acerca de nossa
vaidade moderna. Num dado momento, antes do momento final do Ser, a
humanidade atinge seu objetivo “científico” maior: a imortalidade. Entre
tantas ferramentas possíveis para tal, duas chamam a atenção do leitor
treinado no olhar negativo para com o momento contemporâneo.
A primeira é a “descoberta científica” de que células cancerosas
podem ser uma grande ajuda para nos tornarmos imortais —basta lembrarmos
da “tenacidade em existir” que caracteriza a célula como essa. Uma vez
descoberto tal passo, as pessoas passam a induzir câncer em si mesmas,
apesar do fedor e da deformação que elas causam.
A segunda é a maior de todas: a descoberta de que comer fezes,
principalmente as próprias fezes, nos fazem imortais. A alimentação
“saudável” muda e a ciência da nutrição passa a defender saladas
feitas de cocô. Estamos quase lá, não? Merda é natural e orgânica, afinal de contas.
feitas de cocô. Estamos quase lá, não? Merda é natural e orgânica, afinal de contas.
------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário