Juremir Machado da Silva*
A luta para ser reconhecido
Jovem autor francês, com dois romances publicados,
Vicent Petitet desponta como uma renovação depois do furacão Michel
Houllebecq. O seu livro “Os mortos não estão mais sós”, ainda não
publicado no Brasil, une crítica do mundo empresarial e busca por outra
maneira de viver. Nesta entrevista, numa tarde calorenta, na praça da
Sorbonne, em Paris, ele fala sinceramente dos seus sonhos, planos e
obstáculos.
Caderno de Sábado – Quais são as dificuldades para alguém se tornar escritor na França?
Vicent Petit – Em primeiro lugar, é preciso ser um
pouco idealista. Perdidas as ilusões de que será possível viver de
literatura e pela literatura, dá para começar a escrever de fato,
sabendo-se que não se venderá grande coisa. Enfim, é fundamental ser, ao
mesmo tempo, idealista e pragmático. O mundo literário francês tem dois
polos: no primeiro, escritores sonham em viver para escrever e de
escrever. No segundo, editores planejam vender livros. O ideal, claro, é
unir os dois. Mas, na França, é importante destacar que se lê cada vez
menos. Sem fé na literatura, não há como escrever. Essa é a situação.
CS – O que funciona melhor: buscar uma nova forma de narrar
ou abordar assuntos sensíveis que digam respeito à vida dos leitores?
Petitet – Com certeza não é pelas novas formas que
se vai conquistar o público francês. Isso remete ao Novo Romance. O
leitor atual não está disposto a fazer muito esforço. Em contrapartida,
funciona bem tratar de assuntos ligados ao bem-estar, ao desenvolvimento
pessoal, ao autoconhecimento ou, por outro lado, às histórias
policiais. Os franceses gostam de histórias folhetinescas com alguma
violência, com um pouco de sangue. A literatura possibilita lidar com
uma violência aceitável. Outra coisa que tem funcionado bem nos últimos
15 anos são os livros de celebridades da televisão que contam sobre suas
vidas.
CS – Vendem bastante ou conquistam sucesso de crítico, prestígio?
Petetit – Esses escritores não ganham prêmios, mas
não deixam de corresponder a certo idealismo literário. Mesmo se
escrevem livros ruins, fazem isso por desejo de expressão e de
reconhecimento. Há, por exemplo, as celebridades dos reality shows,
homens e mulheres que vemos em roupa de banho à beira de piscinas
durante três ou quatro meses. Quando contam suas histórias, fazem
sucesso. Os depoimentos sobre temas sensíveis, como a homossexualidade
de um autor, funcionam muito bem. O fundamental é contar alguma coisa
pessoal e verdadeira que tenha a ver com a evolução dos costumes na
França. Uma família gay que adotou uma criança, uma história de
superação, algo que se viveu com dificuldade e que se conseguiu vencer
como o preconceito. Durante muito tempo, os escritores franceses
exploravam situações de tormento, suicídios. Hoje, o público espera
finais felizes, algo maravilhoso.
CS – Para ser escritor na França, portanto, é preciso ter outro trabalho que garanta a subsistência, que pague as contas?
Petitet – Sim. Existem os radicais da literatura,
que só pensam em escrever. Moram em apartamentos de 10 metros quadrados,
comem uma vez por dia e apostam no futuro. Por outro lado, há os como
eu, pragmáticos, que procuram um trabalho que dê algum dinheiro e deixe o
máximo de tempo livre e de autonomia para escrever o que se quer.
CS – Como explicar o sucesso de Michel Houellebecq?
Petitet – Ele é, antes de tudo, um entomologista.
Observa a realidade da sociedade francesa como quem estuda os insetos.
Ele vê cada exemplar voar, reproduzir-se, crescer, desaparecer. Esse
olhar cínico, de um escritor situado mais à direita, impressiona e
agrada. Ele tem o dom da provocação. Joga na cara das pessoas os
excessos do politicamente correto. É a conjunção do entomologista com o
cínico de direita. Provoca um choque, um incômodo, uma surpresa e um
efeito.
CS – Os temas políticos interessam?
Petitet – As pessoas têm grande interesse por
debates políticos, mas compram poucos livros de político, salvo de
considerarmos as obras de Éric Zemmour como políticas, pois esse, sim,
consegue vender muito.
CS – A França passou a ser reacionária?
Petit – Não. A França deu-se conta de que o mundo
está mudando, mas não quer que a mudança seja muito rápida. Temem que o
modo de vida ao qual estão habituados mude abruptamente. Preferem
avançar suavemente.
CS – As ideias de Zemmour são francamente reacionárias?
Petitet – Elas são conservadoras. Um tema forte na
França é do casamento gay. Não se pode negar o avanço. Há pessoas com
argumentos válidos sobre isso. Eu tenho militado pelo casamento gay. Na
minha experiência, há muito insulto e pouca argumentação racional. Para
mim, o escritor deve lutar pela liberdade e perceber as mudanças
sociais.
CS – A imigração, como tema sensível, encontra escritores e leitores?
Petitet – Há interesse quando se trata, por exemplo,
de uma família que recebeu um imigrante e transformou-se com essa
experiência. Ensaios sobre esse assunto provocam muita polêmica. Nesse
terreno, não há discurso pacificador. Tudo é virulento. Por toda parte é
a mesma coisa, seja na Itália, na Holanda, na Bélgica, é sempre
explosivo.
CS – Quais são os seus assuntos preferidos como escritor?
Petitet – Gosto de assuntos relacionados ao sagrado,
aos sacrifícios, aos rituais. Tenho interesse por aspectos festivos,
dionisíacos. Trabalho muito com a relação entre o mundo visível e o
invisível.
CS – Ainda há espaço para a narrativa escrita neste mundo da imagem?
Petitet – A literatura escrita é expressão de algo
vital. A tecnologia é mortífera. Tornas as relações entre as pessoas
áridas. A ficção, assim como a poesia, já dizia Heidegger, torna o mundo
mais vivo.
CS – No seu livro “Os mortos não estão mais sós”, o senhor
parte de um personagem bem-sucedido no trabalho que é repentinamente
demitido.
Petitet – As mudanças brutais me interessam muito.
Eu vivi isso, uma experiência de forte violência no trabalho, de assédio
moral. De repente, não se é nada mais, como no universo de Kafka, um
inseto. A verdadeira vida não está na empresa. É importante saber disso.
CS – Qual o seu sonho como escritor?
Petetit – Ficar muito famoso e rico e fazer suntuosas festas com os amigos, beber champanha em piscinas e morar no Brasil.
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*Colunista do Correio do Povo. Historiador. Jornalista. Escritor. Prof. Universitário PUCRS.
Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/vincent-petitet-os-combates-de-um-jovem-escritor-1.355246
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