quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Vincent Petitet, os combates de um jovem escritor

Juremir Machado da Silva*

A luta para ser reconhecido
Jovem autor francês, com dois romances publicados, Vicent Petitet desponta como uma renovação depois do furacão Michel Houllebecq. O seu livro “Os mortos não estão mais sós”, ainda não publicado no Brasil, une crítica do mundo empresarial e busca por outra maneira de viver. Nesta entrevista, numa tarde calorenta, na praça da Sorbonne, em Paris, ele fala sinceramente dos seus sonhos, planos e obstáculos.
Caderno de Sábado – Quais são as dificuldades para alguém se tornar escritor na França?
Vicent Petit – Em primeiro lugar, é preciso ser um pouco idealista. Perdidas as ilusões de que será possível viver de literatura e pela literatura, dá para começar a escrever de fato, sabendo-se que não se venderá grande coisa. Enfim, é fundamental ser, ao mesmo tempo, idealista e pragmático. O mundo literário francês tem dois polos: no primeiro, escritores sonham em viver para escrever e de escrever. No segundo, editores planejam vender livros. O ideal, claro, é unir os dois. Mas, na França, é importante destacar que se lê cada vez menos. Sem fé na literatura, não há como escrever. Essa é a situação.

CS – O que funciona melhor: buscar uma nova forma de narrar ou abordar assuntos sensíveis que digam respeito à vida dos leitores?
Petitet – Com certeza não é pelas novas formas que se vai conquistar o público francês. Isso remete ao Novo Romance. O leitor atual não está disposto a fazer muito esforço. Em contrapartida, funciona bem tratar de assuntos ligados ao bem-estar, ao desenvolvimento pessoal, ao autoconhecimento ou, por outro lado, às histórias policiais. Os franceses gostam de histórias folhetinescas com alguma violência, com um pouco de sangue. A literatura possibilita lidar com uma violência aceitável. Outra coisa que tem funcionado bem nos últimos 15 anos são os livros de celebridades da televisão que contam sobre suas vidas.

CS – Vendem bastante ou conquistam sucesso de crítico, prestígio?
Petetit – Esses escritores não ganham prêmios, mas não deixam de corresponder a certo idealismo literário. Mesmo se escrevem livros ruins, fazem isso por desejo de expressão e de reconhecimento. Há, por exemplo, as celebridades dos reality shows, homens e mulheres que vemos em roupa de banho à beira de piscinas durante três ou quatro meses. Quando contam suas histórias, fazem sucesso. Os depoimentos sobre temas sensíveis, como a homossexualidade de um autor, funcionam muito bem. O fundamental é contar alguma coisa pessoal e verdadeira que tenha a ver com a evolução dos costumes na França. Uma família gay que adotou uma criança, uma história de superação, algo que se viveu com dificuldade e que se conseguiu vencer como o preconceito. Durante muito tempo, os escritores franceses exploravam situações de tormento, suicídios. Hoje, o público espera finais felizes, algo maravilhoso.

CS – Para ser escritor na França, portanto, é preciso ter outro trabalho que garanta a subsistência, que pague as contas?
Petitet – Sim. Existem os radicais da literatura, que só pensam em escrever. Moram em apartamentos de 10 metros quadrados, comem uma vez por dia e apostam no futuro. Por outro lado, há os como eu, pragmáticos, que procuram um trabalho que dê algum dinheiro e deixe o máximo de tempo livre e de autonomia para escrever o que se quer.

CS – Como explicar o sucesso de Michel Houellebecq?
Petitet – Ele é, antes de tudo, um entomologista. Observa a realidade da sociedade francesa como quem estuda os insetos. Ele vê cada exemplar voar, reproduzir-se, crescer, desaparecer. Esse olhar cínico, de um escritor situado mais à direita, impressiona e agrada. Ele tem o dom da provocação. Joga na cara das pessoas os excessos do politicamente correto. É a conjunção do entomologista com o cínico de direita. Provoca um choque, um incômodo, uma surpresa e um efeito.

CS – Os temas políticos interessam?
Petitet – As pessoas têm grande interesse por debates políticos, mas compram poucos livros de político, salvo de considerarmos as obras de Éric Zemmour como políticas, pois esse, sim, consegue vender muito.

CS – A França passou a ser reacionária?
Petit – Não. A França deu-se conta de que o mundo está mudando, mas não quer que a mudança seja muito rápida. Temem que o modo de vida ao qual estão habituados mude abruptamente. Preferem avançar suavemente.

CS – As ideias de Zemmour são francamente reacionárias?
Petitet – Elas são conservadoras. Um tema forte na França é do casamento gay. Não se pode negar o avanço. Há pessoas com argumentos válidos sobre isso. Eu tenho militado pelo casamento gay. Na minha experiência, há muito insulto e pouca argumentação racional. Para mim, o escritor deve lutar pela liberdade e perceber as mudanças sociais.

CS – A imigração, como tema sensível, encontra escritores e leitores?
Petitet – Há interesse quando se trata, por exemplo, de uma família que recebeu um imigrante e transformou-se com essa experiência. Ensaios sobre esse assunto provocam muita polêmica. Nesse terreno, não há discurso pacificador. Tudo é virulento. Por toda parte é a mesma coisa, seja na Itália, na Holanda, na Bélgica, é sempre explosivo.

CS – Quais são os seus assuntos preferidos como escritor?
Petitet – Gosto de assuntos relacionados ao sagrado, aos sacrifícios, aos rituais. Tenho interesse por aspectos festivos, dionisíacos. Trabalho muito com a relação entre o mundo visível e o invisível.

CS – Ainda há espaço para a narrativa escrita neste mundo da imagem?
Petitet – A literatura escrita é expressão de algo vital. A tecnologia é mortífera. Tornas as relações entre as pessoas áridas. A ficção, assim como a poesia, já dizia Heidegger, torna o mundo mais vivo.

CS – No seu livro “Os mortos não estão mais sós”, o senhor parte de um personagem bem-sucedido no trabalho que é repentinamente demitido.
Petitet – As mudanças brutais me interessam muito. Eu vivi isso, uma experiência de forte violência no trabalho, de assédio moral. De repente, não se é nada mais, como no universo de Kafka, um inseto. A verdadeira vida não está na empresa. É importante saber disso.

CS – Qual o seu sonho como escritor?
Petetit – Ficar muito famoso e rico e fazer suntuosas festas com os amigos, beber champanha em piscinas e morar no Brasil.
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*Colunista do Correio do Povo. Historiador. Jornalista. Escritor. Prof. Universitário PUCRS. 
Fonte:  https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/vincent-petitet-os-combates-de-um-jovem-escritor-1.355246

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