Antônio Britto*
Lula em entrevista ao jornal El País. Ele ocupa cela na carceragem da PF
em Curitiba (PR) desde abril de 2018 reprodução/El País
Debate público é de baixa qualidade
Bom senso evitaria casos polêmicos
O prejuízo das confusões diárias e sem sentido para o país
A
tentativa de transferência do ex-presidente Lula para um presídio em
São Paulo gerou muita confusão, mas prestou um grande serviço ao país:
mostrou, de forma didática, que a causa das turbulências (a maioria
falsas) que o Brasil é obrigado a assistir diariamente não está nas
instituições e, sim, na perda por muitas autoridades do velho e
indispensável bom senso.
Igualmente
por bom senso, ministros do Supremo Tribunal Federal – e tantos outros
magistrados – não confundiriam a indispensável atenção à opinião pública
com incontinência verbal. A antiga e boa máxima que juízes falam nos
autos voltaria a ser a regra, guardando manifestações e entrevistas para
se e quando absolutamente necessárias. (Os jornalistas Felipe Recondo e
Luis Weber acabam de publicar um excelente livro – Os onze – mostrando
os bastidores do STF e o efeito danoso da compulsão midiática de alguns
ministros).
Com bom senso, o Poder Judiciário poderia nos poupar
da necessidade (falsa) de escolher entre o combate à impunidade que
atropela a lei e a defesa da garantia de direitos que atrasa ou impede
que a Justiça seja feita especialmente para corruptos e criminosos.
Houvesse
bom senso em Curitiba e os procuradores encarregados da Lava Jato
considerariam sua tarefa mais do que importante e suficiente,
dispensando-os de atribuirem a eles próprios o papel messiânico que a
divulgação de suas mensagens constrangedoramente revela. Mais ainda:
todos promotores ou procuradores sensatamente saberiam a diferença entre
uma função pública e pop stars. E não lutariam sofregamente por popularidade.
Com
bom senso, o vice-Presidente da República não tentaria diagnosticar – e
em público – a causa dos tremores das mãos de Angela Merkel. O Ministro
da Justiça seria mais cauteloso ao editar portarias. O da Educação não
dançaria. O do Meio Ambiente saberia como agir com países como Noruega e
Alemanha.
O Chanceler nos dispensaria de
esquisitices sobre socialismo e nazismo. Pais não transformariam dotes
culinários como a fritura de hambúrgueres em atributos para a
diplomacia. Filhos respeitariam a instituição Presidência da República e
usariam as redes sociais com parcimônia. Figuras como Miriam Leitão e o
presidente da OAB seriam poupadas de inverdades. Governadores, como o
de São Paulo, não correriam o risco de afirmações infelizes e
inoportunas, como as de ontem sobre Lula e o trabalho. Enfim…
O
que esta breve e triste coleção de disparates recentes mostra é a
baixíssima qualidade do atual debate público no Brasil. Poderíamos e
deveríamos estar tratando de desemprego, retomada do crescimento,
carência de inovação, perda de espaço na economia mundial.
Preferimos
ficar no círculo vicioso em que alguém diariamente emite uma bobagem ou
um disparate e as horas seguintes do país são desperdiçadas com
esforços para contornar, explorar ou lamentar a afirmação sem sentido.
Até que venha a próxima.
Para quem acompanha o noticiário diário
resta a sensação de tempo perdido. E da absoluta escassez de autoridades
que, acima dos cargos que exercem, mereçam respeito e tornem-se
referências equilibradas para um país em grave crise social e econômica
como demonstra a crescente e justificada admiração pelo papel
desempenhado por Rodrigo Maia.
Esta baixa qualidade do debate
afasta-nos de buscar e encontrar soluções para o que realmente deveria
interessar ao país. E, pior: cria a impressão que este bate boca diário,
esta enlouquecida sucessão de selfies, postagens e declarações é
realmente importante. Ou que há problemas com as instituições ou com o
metabolismo político quando, sejamos sinceros, na maioria absoluta
destes cansativos episódios a causa é simplesmente falta de bom senso e
preparo para os cargos, quando não de postura.
Estivesse conosco, o
rei Juan Carlos, da Espanha, repetiria a admoestação famosa a Hugo
Chaves – por que não se calam? Sejamos, porém, menos diretos. Por que
não falam e tuitam menos ?
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* Antônio Britto Filho, 66 anos, é jornalista, executivo e político
brasileiro. Foi deputado federal, ministro da Previdência Social e
governador do Estado do Rio Grande do Sul.
Fonte: https://www.poder360.com.br/opiniao/brasil/o-bom-senso-sumiu-analisa-antonio-britto/ 09/08/2019
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