A autoajuda venceu. Os intelectuais mais badalados do Brasil fazem autoajuda descarada. Falo de Leandro Karnal e Mario Sergio Cortella. E daí? Não é ilegítimo. Mas é como colocar água no vinho. A reforma do ensino médio, apesar de suas intenções modernizadoras, não escapou do viés da autoajuda. Essa mania de coach para tudo que tomou conta das mentes modernas não passa de autoajuda. Qual o problema? Nessa cadeia quem costuma ganhar mesmo é o coach. A literatura não para de se adaptar à autoajuda. Quem resiste, apanha. O etarismo sai a campo. Não gostar de autoajuda é coisa de velho. Os franceses foram mais espertos. Bolaram um nomezinho mais astuto para autoajuda: desenvolvimento pessoal. Acho que os ingleses e os americanos também se protegem com essa expressãozinha.
Tem coach e tutorial de autoajuda para tudo, até para fazer vídeos e ser coach. A autoajuda anda de mãos dadas com a tara pelo inglês. Claro que línguas são sistemas abertos, que sofrem influências de fora todo o tempo. A língua dominante costuma ser a da potência dominante. Os franceses tentam salvar a francofonia. Os portugueses lutam pela lusofonia. Os brasileiros só querem falar inglês, of course, especialmente a prateleira de cima. Imagina chamar pausa para o café de intervalo se é possível dizer coffee break! De qualquer maneira, palavras que hoje parecem portuguesas de cepa, como abajur, tem origens estrangeiras. Logo, melhor relaxar e gozar o possível. Tudo fica mais fashion em inglês. É a força das marcas, das modas, do tempo. Seria muito pobre chamar o South Summit de Encontros do Sul. Até modista virou fashionista. Todo mundo, ou quase, cansa do mesmo e quer o novo. Nada mais novo e fácil do que mudar nome. Machado de Assis já ironizava a troca de “Colégio de Meninos” para “Externato de Instrução Primária”.
Tem nome para tudo em inglês. Li sobre o slow love e smart dating. Já havia aprendido sobre slow medicine com Marco Bobbio, filho do veloz pensador Norberto Bobbio. Achei bacana o pensamento de Marco. Segundo ele e os adeptos dessa medicina lenta, os laboratórios estimulam os médicos a pedirem exames e mais exames. Começa de ano em ano, depois de seis em seis meses, etc. Quem hesita ou recusa é visto como um suicida em potencial. Um terrível negacionista das prevenções. Qualquer denúncia para ter sucesso precisa de nomes em inglês: mansplaining (que realmente o machismo pratica), manterrupting e bropriating. Este último tem a ver com apropriação masculina de realizações femininas. Não discuto a pertinência dos termos nem a realidade do que denunciam. Só não consigo pronunciá-los direito. Mansplaining para mim é condescendência.
Fico imaginando o quanto as mulheres sofrem com isso. É terrível. Mesmo sendo homem sofro bastante com manifestações condescendentes. Talvez pelo meu jeito transversal, sempre meio de lado, tentando falar baixo, recebo explicações sobre tudo o que sei mais ou menos bem. Outro dia, com muito tato e boa intenção, alguém me falou o seguinte:
– Posso te ajudar a pensar no futuro.
Achei interessante. O problema é que eu teria de oferecer todas as informações sobre o meu passado e o meu presente. Seguirei sozinho.
* Jornalista. Escritor. Prof. Universitário
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