sexta-feira, 5 de maio de 2023

Por que os conselhos de Kurt Vonnegut ainda são importantes

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Kurt Vonnegut, 1971 

Foto: Bernard Gotfryd/Library of Congress (Biblioteca do Congresso Americano)Kurt Vonnegut, 1971

 

Mesmo após 16 anos da sua morte, os discursos do escritor americano para juventude em cerimônias de formatura ainda reverberam

Kurt Vonnegut não escreveu o famoso discurso de formatura “Use protetor solar”, publicado no Chicago Tribune e que muitas vezes foi erroneamente atribuído ao célebre autor. Mas ele poderia.

Ao longo de sua vida, ele deu dezenas de discursos de formatura peculiares. Nesses discursos, ele fez algumas falas absurdas. Mas eles faziam as pessoas rirem e as faziam pensar. Eram discursos memoráveis.

Tendo estudado e escrito sobre Vonnegut por anos, gostaria que ele tivesse sido meu orador de formatura. Eu me formei na Austin College, uma pequena faculdade no norte do Texas. Eu nem me lembro quem fez o discurso de formatura da minha turma, muito menos uma única palavra do que o orador disse. Suspeito que muitas pessoas tiveram – e terão – experiências semelhantes.

Os jovens, especialmente os universitários, adoravam Vonnegut. Durante o início e meados da década de 1960, ele conquistou seguidores ávidos e dedicados nos campi antes de produzir qualquer best-seller. Por que um escritor de meia-idade nascido em 1922, adorado por uma contracultura, foi instruído a não confiar em ninguém com mais de 30 anos? Por que ele continuou a atrair as gerações mais jovens até sua morte?

A geração de seus pais

Vonnegut, que morreu em 2007, tinha quase 50 anos quando seu inovador romance antiguerra, “Slaughterhouse-Five”, foi publicado em 1969.

O romance foi um ponto de inflexão na maneira como os americanos pensam e escrevem sobre a guerra e ajudou a inaugurar o estilo literário pós-moderno. Com sua forma irônica e fragmentada, Vonnegut insiste em mostrar que a realidade não é objetiva e que a história não é monolítica, ao mesmo tempo em que coloca em xeque o próprio status da literatura como arte. Da mesma forma que as latas de sopa de Andy Warhol, “Slaughterhouse-Five”, com suas piadas, desenhos, versos picantes e discos voadores, confunde a linha entre alta e baixa cultura.

Considerado um dos principais romances do século 20, “Slaughterhouse-Five” foi transformado em filme, peças teatrais, história em quadrinhos e arte visual. Inspirou bandas de rock e interpretações musicais. O refrão recorrente de Vonnegut, “So it goes”, usado 106 vezes no romance, entrou no léxico popular. O livro foi banido, queimado e censurado.

Vonnegut tinha mais em comum com os pais dos estudantes universitários a quem se dirigia do que com os próprios alunos. Pai de seis crianças – três filhos e três sobrinhos que se juntaram à família depois que sua irmã Alice e seu marido morreram – Vonnegut estudou bioquímica em Cornell e trabalhou em relações públicas corporativas. Ele continuou a acreditar por toda sua vida nas virtudes cívicas que aprendeu como aluno na Shortridge High School, em Indianápolis.

Ele tinha a credibilidade de um veterano da Segunda Guerra Mundial, membro do que o jornalista Tom Brokaw mais tarde chamaria de “A Maior Geração”. Capturado pelos alemães durante a Batalha do Bulge, foi enviado para Dresden como prisioneiro de guerra. Lá, passou fome, foi espancado e submetido a trabalho forçado. Vonnegut sobreviveu ao bombardeio aliado à cidade, em fevereiro de 1945, e foi forçado a enterrar centenas de corpos de homens, mulheres e crianças, queimados vivos, sufocados e esmagados até a morte.

Tolo ou filósofo?

Se Vonnegut era, assim como os pais dos alunos, um homem de família e um veterano, talvez ele também personificasse a figura paterna que os alunos de 1969 sonhavam em ter: engraçado, artístico, antissistema e antiguerra.

Vonnegut tinha olhos tristes e gentis sob mechas de cabelo incontroláveis e usava um bigode caído. Uma foto tirada pouco antes de um discurso de formatura no Bennington College, em 1970, o mostra vestindo uma jaqueta listrada chamativa, óculos de leitura cuidadosamente enfiados no bolso e um cigarro pendurado na ponta dos dedos.

Parecendo um cruzamento entre Albert Einstein e um vendedor ambulante de carnaval, Vonnegut tinha suas contradições à mostra.

Ele era um palhaço ou um sábio? Um tolo ou um filósofo?

O meio literário também não sabia o que fazer com Vonnegut. Escritor frequentemente rejeitado pela crítica por seus discos voadores e alienígenas do espaço, pela simplicidade de sua prosa, por bajular o que um crítico chamou de “jovens minimamente inteligentes”, ele também foi elogiado por sua inventividade, por sua linguagem viva e divertida, pela profundidade do sentimento por trás da loucura e por defender a decência e a bondade em um mundo caótico.

Uma defesa contundente da arte

Enquanto os EUA combatiam a opinião da maioria dos universitários, que acreditavam que a Guerra do Vietnã era injusta e imperialista, a mensagem de Vonnegut atingiu o alvo. Ele usou sua própria experiência na Segunda Guerra Mundial para destruir qualquer noção de uma boa guerra.

“Apesar de toda a sublimidade da causa pela qual lutamos, certamente criamos uma Belsen só nossa”, lamentou, referindo-se ao campo de concentração nazista.

O complexo militar-industrial, disse ele aos graduados em Bennington, trata as pessoas, seus filhos e suas cidades como lixo. Os americanos deveriam gastar dinheiro em hospitais, moradias, escolas e rodas-gigantes, e não em máquinas de guerra.

No mesmo discurso, Vonnegut encorajou jocosamente os jovens a desafiar seus professores e os modelos convencionais de educação, apegando-se à superstição e à inverdade, especialmente o que ele considerava a mentira mais ridícula de todas – “que o homem está no centro do universo, o realizador ou o frustrador dos maiores sonhos do Deus Todo-Poderoso”.

Vonnegut admitiu que os militares provavelmente estavam certos sobre o “desprezo do homem na vastidão do universo”. Ainda assim, ele negou esse sentimento e implorou aos alunos que o negassem também através da arte. A arte coloca o ser humano no centro do universo, quer pertença a ele ou não, permitindo que as pessoas imaginem e criem um mundo mais são, gentil e justo do que aquele em que realmente vivemos.

As gerações, disse ele aos alunos da State University of New York em Fredonia, não são tão distantes e não querem tanto umas das outras. As pessoas mais velhas querem crédito por terem sobrevivido tanto tempo, muitas vezes com imaginação em condições difíceis. Os jovens querem ser reconhecidos e respeitados. Ele instigava cada grupo a não ser tão “intoleravelmente mesquinho” em dar crédito ao outro.

Há tristeza e pessimismo por trás de toda a ficção de Vonnegut, bem como de seus discursos de formatura. Ele testemunhou o pior que os seres humanos podem fazer uns aos outros e não escondeu seus temores quanto ao futuro de um planeta que sofre com a degradação ambiental e uma divisão cada vez maior entre ricos e pobres.

Se Vonnegut estivesse vivo e fazendo discursos, estaria falando para estudantes que são filhos, ou até mesmo netos, dos seus primeiros ouvintes. Os graduados de hoje viveram a pandemia da Covid-19 e estão se afogando nas mídias sociais. Eles enfrentam altos custos de moradia e instabilidade financeira e são mais deprimidos e ansiosos do que as gerações anteriores.

Tenho certeza que Vonnegut daria a esses alunos o conselho que tantas vezes deu ao longo dos anos: em meio ao caos, focar no que faz a vida valer a pena. Reconhecer os momentos alegres – talvez ouvindo música ou bebendo um copo de limonada na sombra – e dizendo em voz alta, como seu tio Alex lhe ensinou: “Se isso não é bom, o que é?”

Susan Farrell é professora de inglês na Universidade de Charleston

 ARTIGO ORIGINAL Why Kurt Vonnegut’s advice to college graduates still matters today

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