Pe. Miguel Neto
A liberdade de expressão é um direito fundamental que permite que os indivíduos expressem as suas opiniões e ideias livremente, sem censura, ou retaliação. Embora seja um direito protegido em muitos países, continua a ser um tema controverso e debatido, cada vez com mais frequência, sobretudo graças às redes sociais, que muito vieram alterar no que concerne a esta questão.
Byung-Chul Han, filósofo de origem coreana, que reside na Alemanha, referindo-se à sociedade contemporânea, considera que na atualidade se exploram a informação e os dados (aliás, tal como outros estudiosos: Castells, Toffler, Kotler, Bruns, Lévy, entre muitos mais), na qual desejamos ser vistos sem cessar, em que as descontinuidades foram substituídas pelas continuidades, pela transparência ilusória e sinónimo de informação, pelas redes que nos ligam continuamente, pela tecnologia que promove uma vigilância. Diz: «De forma paradoxal, é precisamente a sensação de liberdade a assegurar o domínio»1. Ou seja, estamos, na perspetiva deste autor, perante uma infodemia, que podemos entender como o excesso de informação, produzida por fontes muitas vezes não verificadas, ou pouco fiáveis, que debitam dados incorretos, situação que gera as muito faladas “fakenews” (conceito, por si só contraditório, já que nada falso poderá ter o estatuto de notícia). E na verdade, em muitos momentos, temos a certeza que comunicar, neste mundo contemporâneo, é somente acrescentar ódio, vozearia, veneno, maldizer, reforçando um vazio de pensamento, que se forma quando há trocas saudáveis e profundas de argumentos, já que a diversidade sempre foi e será uma riqueza.
Mas esta é, apenas e só, uma perspetiva, pois nesta sociedade da informação, também há quem defenda que esse fluxo atemporal, desterritorializado e permanente forma o conhecimento e que este, sim, sendo a matéria-prima, por excelência, do presente, foi democratizado e pode, livremente, ser acedido.
Nesse sentido, algumas pessoas argumentam que a liberdade de expressão deve ser absoluta, enquanto outras acreditam que há limites para o que se pode dizer, ou escrever, seja em que canal, plataforma, ou meio seja.
De um lado, aqueles que defendem a liberdade de expressão absoluta argumentam que ela é fundamental para a democracia e para a busca da verdade e que, se houver limites para o que as pessoas podem dizer ou escrever, isso pode levar à supressão de ideias importantes e à censura de opiniões dissidentes. Para além disso, uma pessoa calada é uma pessoa desconhecida e enigmática. Não sabemos quem é, nem o que pensa. E não podemos esquecer que, se o governo, ou outras autoridades tiverem o poder de censurar a liberdade de expressão, isso poderá levar a abusos e à supressão da dissidência enquanto manifestação de livre pensamento e do direito à opinião, como acontecia em Portugal antes de 1974.
Por outro lado, quem acredita que a liberdade de expressão deve ter limites argumenta que há algumas coisas que simplesmente não devem ser ditas, ou escritas. Defende que a liberdade de expressão não deve ser usada como desculpa para difamação, discurso de ódio, assédio, ou incitação à violência, bem como, tal como já mencionámos, à disseminação de informações falsas, ou prejudiciais.
Embora a questão da liberdade de expressão seja complexa e haja argumentos válidos em ambos os lados, acredito que deve ter limites razoáveis, que devemos, se quiserem, impor-nos a nós mesmos, ao jeito de uma autocensura. Dou como exemplo a existência dos códigos deontológicos dos Jornalistas, que, na verdade, funcionam como “balizas” para que as regras básicas de respeito pelo outro e pela verdade não sejam quebradas. Creio que abordar a questão da responsabilidade pessoal é indispensável, sempre que discutirmos, ou refletirmos sobre este tema, pois embora tenhamos o direito de expressar livremente as nossas opiniões, também temos a obrigação de o fazer de uma forma que não prejudique os outros, não difamando, assediando, ou ameaçando os outros e, claro, usando uma linguagem correta e não agressiva. Portanto, acredito que a liberdade de expressão deve ser equilibrada com a responsabilidade pessoal. Lá esta: posso dizer tudo, mas não devo dizer tudo!
Todavia, atenção: a censura – e já não falo daquela que nos impomos individual e livremente, como resultado de um processo de consciencialização sobre o respeito pelo próximo – é preocupante e gera muitos problemas. Já a tivemos no nosso país, mas para quem já não tem a noção/memória do que possa ser, vejam os casos de países como a Turquia, como a Rússia, como a Nicarágua, para citar apenas alguns e percebam como é difícil viver sem a possibilidade que nos é garantida pela Constituição da Républica Portuguesa.
O direito à liberdade de expressão ainda é – e do meu ponto de vista será sempre – fundamental e tem de ser protegido a qualquer custo, importando que, cada cidadão – membro de pleno direito de uma sociedade em que todos os demais também têm esses direitos e deveres – se responsabilize por aquilo que se diz e compreenda que, ultrapassar os limites atentatórios da dignidade do outro, implicará ser punido.
1 Han, Byung-Chul (2022). Infocracia. A Digitalização e a Crise da Democracia. Trad. Ana Falcão Bastos. Col. Antropos. Lisboa: Relógio d’Água, pág. 12.
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