Pedro Vaz Patto*
Têm invadido os noticiários ultimamente acusações de assédio sexual em ambientes universitários, uma realidade antes escondida que, como outras, se revela agora mais frequente do que muitos pensariam. Uma realidade particularmente chocante quando os acusados são pessoas da maior craveira intelectual e supostos paladinos da defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres. Não se compreende que numa sociedade em que tanto se fala destes direitos, em que as mulheres cada vez mais ocupam lugares influentes, em que se reivindicam quotas de preenchimento igualitário desses lugares e se pretende até alterar em sentido inclusivo as regras gramaticais (em que se torna “politicamente correto” saudar “todas e todos”), se revele tão frequente este drama, na maior parte dos casos sinal evidente de brutal prepotência masculina e de desprezo da dignidade feminina.
Parece-me que na análise deste fenómeno tem faltado o foco em algo de muito evidente, mas que se esconde apenas porque se opõe à cultura hoje dominante. Não se nota a associação entre a frequência desta triste realidade e a chamada “revolução sexual”, a visão da sexualidade hedonista e libertária cada vez mais predominante. É certamente essa visão da sexualidade, muito distante da moral tida por tradicional ou qualquer outra, que se reflete no assédio sexual (passará aqui a fronteira, bem nítida, entre esse assédio e outras formas de aproximação não desligadas da componente afetiva). De um modo insistente, no campo da sexualidade vem sendo proclamada a máxima “é proibido proibir”, sem atender às consequências que daí derivam (veja-se o que também sucede com os abusos sexuais de crianças e adolescentes). Não chega dizer (como muitas vezes sucede) que basta o consentimento para legitimar qualquer prática sexual, quer porque nestes casos o consentimento está condicionado pela vulnerabilidade e dependência de uma das pessoas, quer porque esse consentimento não legitima uma qualquer prática que se traduza na instrumentalização do outro, reduzido a objeto e simples meio de prazer e satisfação de um impulso.
Há que salientar aquilo que também se revela evidente, mas se procura esconder: essa visão libertária da sexualidade atinge particularmente as mulheres, a sua dignidade e os seus direitos, como se vê bem neste caso do assédio sexual (e também noutros: veja-se a proposta de legalização da prostituição). Sobre esta e outras consequências dessa visão da sexualidade, vale o velho ditado: «quem semeia ventos, colhe tempestades».
Muito distante dessa visão da sexualidade que gera o assédio sexual está a da ética cristã e católica. Quando, há pouco tempo, a comunicação social deu destaque à afirmação do Papa Francisco sobre a sexualidade como uma das mais belas dádivas de Deus, nem sempre se fez referência ao contexto em que essa afirmação foi proferida, contexto que ajuda a compreender como ela não representa a cedência à visão hoje corrente da sexualidade, antes com ela contrasta. Disse o Papa que a sexualidade, como uma das mais belas dádivas de Deus, tem a sua razão de ser, que essa razão de ser se liga à expressão do amor e que a diminui e empobrece tudo o que a desvie dessa razão de ser e dessa expressão de amor (referia-se à masturbação, prática condenada pela ética sexual católica, sobre a qual ele havia sido questionado).
Esta visão da sexualidade como uma das mais belas dádivas de Deus não é uma inovação do Papa Francisco. A ética sexual católica, ao contrário do que muitos afirmam, não parte de uma visão negativa da sexualidade, mas, precisamente, do respeito pela sua beleza como dádiva de Deus e, por isso, pelo desígnio que Ele nela inscreveu. Foi o que da forma até hoje mais completa e profunda afirmou São João Paulo II nas suas catequeses de quatro anos sobre a Teologia do Corpo (um património por muitos ignorado ou esquecido, até no interior da Igreja), para quem a união entre um homem e uma mulher, física e espiritual, total e definitiva, aberta à vida, é nada menos do que um reflexo humano da comunhão que caracteriza o Deus uno e trino. É por isso que essa união é uma das mais belas dádivas de Deus.
*Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, que é juiz desembargador. (Portugal)
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