sábado, 2 de dezembro de 2023

A nova era da catástrofe

 Por ANNE ALEXANDER*

Lincoln Seligman, Raiva do Litígio

Comentário sobre o livro recém-lançado de Alex Callinicos

É tentador, às vezes, dar de ombros para as notícias de desastres e de catástrofes como se fossem simplesmente parte da vida normal. Uma sequência acelerada de crises financeiras, eventos climáticos extremos, pandemias, guerras e agitação civil desfilou diante de nossos olhos nos últimos anos.

A mensagem urgente do importante novo livro de Alex Callinicos, The new age of Catastrophes, consiste em dizer que aceitar esse estado de coisas como um “novo normal” é perigoso. Trata-se, por isso, de leitura vital para quem quer participar da luta por um futuro em que se possa continuar vivendo.

O que está em jogo, argumenta, é nada menos do que o destino da sociedade humana. Eis que ela está sendo lançada ao colapso pela lógica interna do sistema capitalista, que não guardar qualquer remorso por seus feitos desastrosos. Enfrentar esse sistema exige compreender a totalidade de nossa situação.

Este livro fornece um argumento convincente para uma grande transformação da sociedade. Baseia-se na tradição marxista revolucionária e em uma ampla gama de pensadores que compreenderam os problemas que agora enfrentamos, mas não necessariamente em seu todo.

As características mais superficiais desta “nova era de catástrofe” têm se apresentado por meio de uma polarização. Pois, inclui o aprofundamento das tensões entre os EUA e seus aliados, por um lado, e o crescente poder da China, por outro. Como observa Alex Callinicos, essa ruptura é a característica dominante da política mundial hoje.

A guerra por procuração entre a OTAN e a Rússia na Ucrânia é também um sinal importante. Entretanto, a necessidade de conter as ambições da classe dominante chinesa de se afirmar globalmente que verdadeiramente preocupa a administração norte-americana. A classe dominante dos EUA gosta de enquadrar, ideologicamente, essa batalha que trava os seus equivalentes chineses como se fosse uma luta entre “democracia” e “autocracia”.

No entanto, uma ruptura ainda mais importante na política mundial consiste na polarização entre uma extrema direita ressurgente e os impulsos mais fracos de uma radicalização à esquerda.

A influência da direita tem crescido espetacularmente nos últimos anos. Alex Callinicos argumenta que isso se deve aos “ressentimentos acumulados do período neoliberal, que foram intensificados pelo sofrimento econômico e deslocamento causados pela crise financeira global”.

Na Europa, os sinais dos maus tempos têm aparecido em campanhas racistas por meio das quais os políticos conservadores se unem a ativistas de extrema direita para transformar a raiva sobre as falhas do sistema em rancor contra os refugiados.

Tais estratégias “revelam e reprimem” – explica Alex Callinicos. Eles pegam as frustrações reais das pessoas comuns e as voltam, não contra os verdadeiros autores de sua miséria – as frações mais ricas da sociedade, mas contra inimigos imaginários.

Em nenhum lugar esse processo é mais claro do que nos EUA, país este que está apodrecendo por dentro sob as pressões combinadas de crises econômica, política e ecológica. Esse processo de decadência está tão avançado que devemos levar a sério a ideia de que os EUA se tornaram agora “o elo fraco do mundo capitalista avançado” – argumenta Alex Callinicos.

Este é o caso mesmo se continua a ser o Estado mais poderoso do planeta, ultrapassando todos os outros, próximos ou não, em termos de capacidade militar e financeira. A invasão do Capitólio dos EUA por uma gangue heterogênea de bandidos trumpistas, incentivada pelo próprio ex-presidente, foi o exemplo público mais extraordinário das tensões explosivas internas. Como Alex Callinicos aponta, o comportamento caótico de Donald Trump não tem o apoio dos principais atores da classe dominante dos EUA, nem o apoio da liderança militar dos EUA.

Estes últimos, em particular, não estavam preparados em 6 de janeiro de 2021 para abandonar a democracia burguesa, permitindo um golpe de Trump. No entanto, os mesmos CEOs e generais, que recuaram diante das palhaçadas de Donald Trump, presidem o sistema político e econômico que produziu sua ascensão ao cargo em primeiro lugar.

Isso é visível, argumenta Alex Callinicos, dentro do Partido Republicano, que foi colonizado por dentro por uma extrema direita que está cada vez mais confiante para afirmar sua liderança em nível de governo local e estadual. Por exemplo, apesar do espetáculo triste visto Capitólio, mais da metade dos republicanos na Câmara dos Representantes continuou apoiando as objeções à contagem eleitoral e à transferência pacífica de poder.

Enquanto o poder no centro do sistema econômico global está em queda, o que se pode dizer de seus rivais em ascensão, especialmente da China?

Alex Callinicos dá pouca importância à ideia de que, econômica ou politicamente, a China representa uma alternativa aos EUA. A mesma lógica subjacente à economia norte-americana também prevalece na China. Trata-se, para ele, de uma crise do capitalismo – e não simplesmente de uma crise do neoliberalismo, que agora confronta a humanidade. Há uma escolha entre continuar a corrida desenfreada para o colapso social ou “puxar o cordão de emergência” no trem desgovernado enquanto ele ruma em direção ao precipício.

Alex Callinicos argumenta que a única saída para nossa situação atual está na revolta e na revolução contra um sistema que caminha para a destruição. A raiz daquilo que os comentaristas tradicionais gostam de chamar de “policrise” pode ser encontrada na lógica interna do capitalismo. Essa chamada “policrise” pode ser vista como consequência do carrossel macabro de eventos e dos processos apocalípticos, incluindo epidemias, inundações, incêndios, fomes, crises econômicas e guerras.

Dois aspectos desse sistema estão agora interagindo com consequências terríveis para os seres humanos como espécie e para uma miríade de outras espécies com as quais compartilham este planeta.

A primeira delas é uma característica definidora do próprio capitalismo. Esse sistema contém uma interação entre os dois antagonismos centrais, de um lado, entre trabalho assalariado e capital e, de outro, dos capitais individuais que competem entre si, às vezes, ferozmente. O segundo concerne ao funcionamento do sistema que está se mostrando tão determinante que oculta o primeiro. Ademais, o processo de acumulação de capital está tão fundado na dependência de combustíveis fósseis que uma saída, toda saída, parece obliterada.

Como sublinha Alex Callinicos, o sistema gera pressão sobre o capital para maximizar a rentabilidade e minimizar os custos no curto prazo. Isso força os patrões a “ignorar ou ocultar” os danos que podem estar causando a “seus trabalhadores, aos consumidores e ao ambiente social e físico mais amplo”. É por isso que, mesmo quando tais danos incluem piorar o aquecimento global, nossos governantes são incapazes de deter as crises planetárias que estão sendo gestadas.

Alguns setores da classe dominante global estão tardiamente cientes dos perigos. No entanto, a lógica do sistema os impulsiona para a catástrofe; assim, os esforços de “adaptação” ao desastre em desenvolvimento são bem tímidos. Os problemas, por isso, não estão sendo enfrentado.

O que é preciso para traçar uma rota para o futuro nos tempos atuais?

O livro de Alex Callinicos, mesmo sendo uma análise sóbria e uma crítica devastadora, oferece recursos vitais para a esperança. Ele aponta os movimentos que desafiam as formas de opressão relacionadas ao gênero e ao racismo como principais campos de batalha para o desenvolvimento de movimentos de massa a partir de baixo.

Mas essas lutas precisam ser guiadas por uma compreensão de que as formas específicas de opressão foram incorporadas à forma como o capitalismo funciona por processos históricos profundos. A instituição da família e as relações binárias de gênero que ela cria são um exemplo. Essas “estruturas familiares são centrais para o modo como a força de trabalho se reproduz no capitalismo”. Alex Callinicos argumenta que “fornece uma força de trabalho fraturada pelo gênero e pelas múltiplas formas de opressão a que essas estruturas dão origem”.

Da mesma forma, o racismo não pode ser compreendido plenamente ou desafiado efetivamente sem reconhecer que é produzido em parte pelo legado tóxico dos crimes históricos – mais notavelmente na escravização em massa de africanos na formação do capitalismo ocidental. E, em parte, pelas necessidades contínuas da classe dominante por mão de obra migrante.

A questão de como aliviar os fardos da opressão é, portanto, “não apenas uma posição moral, mas uma questão de interesse próprio, de necessidade prática”. É também um passo no caminho para o fortalecimento da agência coletiva dos trabalhadores.

Essa agência não pode ser refeita sem entender que é preciso “puxar o cordão de emergência” em face do colapso climático. Mas isso, segundo ele, requer a tomada do poder do Estado por meio da revolução – apenas greves, protestos e desobediência civil não suficiente.

Só a revolução pode desligar e desmantelar a “máquina de CO2” que nos matando a todos. Isto exige reconhecer que, embora vivamos numa era de catástrofe, é também uma era de revoltas e revoluções. É preciso ver que as formas de auto-organização desenvolvidas pelas pessoas comuns podem se tornar a base sobre a qual surge uma nova sociedade.

*Anne Alexander é ativista política.

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Publicado originalmente no portal Socialist Worker.

 

Referência


Alex Callinicos, The new age of Catastrophes. Londres,  Polity Press, 2023, 256 págs. [https://amzn.to/3RgQ8mz]

Fonte:  https://aterraeredonda.com.br/a-nova-era-da-catastrofe-2/

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