O vereador de Porto Alegre Ramiro Rosário (PSDB) virou notícia nacional com a aprovação de um Projeto de Lei de sua autoria. Opa! De autoria do ChatGPT. É a primeira vez no Brasil que a inteligência artificial ocupa o lugar de um eleito no cumprimento de uma das suas atribuições: apresentar propostas para avaliação dos representantes do povo num parlamento. Eleitos têm assessorias para quase tudo, inclusive para redigir os projetos que apresentam. O GPT então assumiu o cargo de assessor, um CC artificial e apolítico. Ele recebeu a seguinte missão: esboçar uma “lei municipal para a cidade de Porto Alegre, com origem legislativa e não do executivo, que verse sobre a proibição de cobrança do proprietário do imóvel o pagamento de novo relógio de medição de água pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) quando este for furtado”.
O projeto, segundo consta, tramitou sem problemas. O proponente, isto é, o tutor do proponente, achou sensacional. A proposta teria chegado “redondinha”. No máximo, foi adaptada às normas da casa. Ninguém desconfiou. Alguém poderia ironizado que está perfeita demais. Assessores deveriam ficar preocupados. Podem perder seus preciosos lugares. A lei do GPT, porém, é outra, não essa do DMAE. A lei do GPT é implacável: tudo o que puder fazer no lugar dos humanos, ele fará. Os otimistas dizem sempre que não há perigo, que sempre foi assim, que cada posto perdido para uma máquina é substituído por outros resultando da própria evolução tecnológica. Mas não é lei natural que seja sempre assim. Nem que tenha sido. Os antipolíticos vibram: máquinas não são comunistas, sonham. Nem ideológicas.
Os pessimistas tremem. O fim dos tempos aproxima-se. Seremos dominados por nossas criaturas. Os críticos do antropoceno (a era da humanidade mandando no planeta) podem talvez começar a comemorar: os dias do ser humano no comando estão contados. O antropoceno só faz estrago. O Departamento Antropocênico da Braskem em Maceió serve de exemplo do que o ser humano é capaz de fazer pelo sal da terra. E do mar. Porto Alegre poderá gabar-se de ter dado o pontapé inicial na grande revolução dos procedimentos parlamentares. Há outra perspectiva disponível: a burocracia será repassada à paciência artificial. Os humanos ficarão livre para fazer outras coisas, até mesmo política e poesia. Se bem que em poesia a IA já leva vantagem sobre muita gente publicada.
Ramiro Rosário marcou o seu gol. O prefeito sancionou a lei. Todo mundo está falando do assunto.
Enquanto não me elejo senador, pedi ao GPT um projeto de lei sobre reforma agrária. Só para a sua reação. Eis:
PROJETO DE LEI Nº [Número]/[Ano]
EMENTA: Institui medidas para promover a reforma agrária, garantindo o acesso à terra, a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento socioeconômico no meio rural.
CAPÍTULO I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Esta lei estabelece diretrizes e normas para a realização da reforma agrária no território nacional, visando promover a justiça social, o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza no meio rural.
CAPÍTULO II – DOS OBJETIVOS
Art. 2º São objetivos da reforma agrária:
I. Garantir o acesso à terra a agricultores familiares, trabalhadores rurais sem-terra e comunidades tradicionais, promovendo a redução das desigualdades sociais;
II. Fomentar a produção agrícola sustentável, respeitando princípios ambientais e promovendo práticas agroecológicas;
III. Estimular a geração de emprego e renda no campo, fortalecendo a economia rural;
IV. Promover a regularização fundiária, conferindo segurança jurídica aos beneficiários da reforma agrária.
CAPÍTULO III – DOS INSTRUMENTOS DE IMPLEMENTAÇÃO
Art. 3º A implementação da reforma agrária será realizada por meio dos seguintes instrumentos:
I. Desapropriação de terras improdutivas ou com desvio de função social;
II. Criação de assentamentos rurais, com estrutura básica para habitação, produção e acesso a serviços públicos;
III. Estímulo à produção agroecológica e sustentável nos assentamentos, promovendo a diversificação de culturas e o uso responsável dos recursos naturais;
IV. Apoio técnico e financeiro aos beneficiários da reforma agrária, visando o fortalecimento da produção e a inclusão social.
CAPÍTULO IV – DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Art. 4º Fica instituído o Conselho Nacional de Reforma Agrária, composto por representantes do governo, sociedade civil, organizações de agricultores familiares e comunidades tradicionais, com a finalidade de monitorar e avaliar a implementação desta lei.
CAPÍTULO V – DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 5º O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de [XXX] dias, estabelecendo critérios para a desapropriação, criação de assentamentos, concessão de apoio técnico e financeiro, bem como os mecanismos de participação social.
Art. 6º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura] [Nome do Deputado/Senador]Autor do Projeto de Lei
Depois dessa, dá para dizer que o GPT é?
- comunista?
- ecologista?
- vermelho e verde?
- plagiador de projetos disponíveis na internet?
- como diria o Caetano Veloso, contrariando autores de uma questão do ENEM, sobre uma música sua, “todas as respostas me parecem corretas”.
Resolvi testar a ideologia do GPT. Perguntei-lhe:
Quem fizer projeto de lei sobre reforma agrária é: a) comunista, b) neoliberal, c) demagogo, d) anarquista, e) inteligência artificial?
Resposta de bate pronto:
“A identificação da orientação política de um projeto de lei sobre reforma agrária pode depender da análise de diversos elementos presentes no texto e, muitas vezes, é subjetiva. No caso do projeto de lei apresentado, ele se propõe a promover a reforma agrária visando à justiça social, desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza no meio rural. Esses objetivos são amplos e podem ser associados a diferentes correntes políticas. Dessa forma, o projeto de lei apresentado não pode ser categoricamente classificado como comunista, neoliberal, demagogo, anarquista ou relacionado a uma inteligência artificial. Ele parece buscar um equilíbrio entre a promoção de justiça social, sustentabilidade e desenvolvimento econômico, elementos que podem ser encontrados em diferentes perspectivas políticas. A interpretação do projeto de lei pode variar de acordo com diferentes pontos de vista políticos, e sua análise completa exigiria uma compreensão mais detalhada do contexto político e social em que está inserido.”
É ou não é um baita político esse GPT?
Vai virar consultor de muita gente em campanha.
*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário
Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/o-vereador-e-a-lei-do-gpt/?swcfpc=1
Nenhum comentário:
Postar um comentário