Anselmo Borges*
Quando me perguntam sobre os livros da minha vida, respondo: a Bíblia, a obra de Immanuel Kant, a obra de Hans Küng e Pensamentos de Pascal.
Pascal
nasceu em Junho de 1623, portanto, há 400 anos. Neste quarto
centenário, fica aí uma modesta homenagem ao matemático, um dos maiores
de sempre, mas também a um dos maiores cristãos europeus de sempre,
lembrando alguns pensamentos de Pensamentos e outros textos e a
sua busca de Deus. Ousei, servindo-me, com arranjos, da tradução de
Denis da Luz e Miguel Serras Pereira, uma brevíssima antologia em três
momentos.
1. Grandeza e miséria, divertimento, busca de Deus
“O
pensamento faz a grandeza do homem.” .“É tão visível a grandeza do
homem que até provém da sua miséria. Até as misérias provam a sua
grandeza. São misérias de grande senhor, misérias de rei sem trono.” “A
grandeza do homem é grande em conhecer-se ele como miserável.” ”O homem
conhece que é miserável. É portanto miserável uma vez que o é, mas é
deveras grande uma vez que o conhece.”
“O
que é um homem no infinito?” “O silêncio eterno destes espaços
infinitos apavora-me.” “O homem não é mais do que uma cana, a mais fraca
da natureza, mas é uma cana pensante. Não é necessário que o universo
inteiro se arme para o esmagar: um vapor, uma gota de água bastam para o
matar. Mas ainda que o universo o esmagasse, o homem continuaria a ser
mais nobre do que aquilo que o mata, pois sabe que morre e a vantagem
que o universo tem sobre ele; o universo nada sabe. Toda a nossa
dignidade consiste, pois, no pensamento. Esforcemo-nos, pois, por pensar
bem: eis o princípio da moral.”
“O
homem é visivelmente feito para pensar. Nisto consiste toda a sua
dignidade e o seu mérito. E o seu dever é pensar como se deve. Ora bem: a
ordem do pensamento está em começar cada qual a pensar em si próprio,
no seu autor e no seu fim. E em que se pensa afinal? Em tudo menos
nisso.”
"Descobri
que toda a infelicidade dos homens vem de uma só coisa: não saberem
estar sossegados num quarto." O que procuram é "a agitação que nos
desvia de pensar na nossa condição e nos diverte." "Por isso amam tanto
os homens o ruído e o bulício; por isso o amor da solidão é coisa tão
incompreensível. E, em suma, pode dizer-se que o maior motivo de
felicidade da condição dos reis consiste em terem quem continuamente
procure diverti-los e proporcionar-lhes prazeres." "É uma coisa
deplorável vermos todos os homens deliberarem apenas sobre os meios e
não sobre os fins." "A única coisa que nos consola das nossas misérias é
o divertimento. E, no entanto, é essa a maior das nossas misérias.
Porque isso é o que nos impede principalmente de pensarmos em nós e que
nos faz perdermo-nos insensivelmente." "O último acto é sangrento por
mais bela que em tudo o resto seja a comédia. Deita-se por fim terra
sobre a cabeça e está acabado para sempre." "O comum dos homens põe o
bem na fortuna e nos bens do exterior, ou pelo menos no divertimento."
Ah! E a vaidade: "A vaidade está tão ancorada no coração do homem que um
soldado, um servente de pedreiro, um cozinheiro, um carregador se gabam
do que são e querem ter os seus admiradores. E os próprios filósofos o
querem, e os que escrevem contra isso querem ter a glória de terem
escrito bem, e aqueles que os lêem querem ter a glória de os terem lido,
e eu que escrevo talvez tenha esse desejo, e talvez os que o lerem..."
“Não
tendo podido curar a morte, a miséria, a ignorância, os homens tomaram,
para serem felizes, o partido de não pensar nelas. Apesar destas
misérias, o homem quer ser feliz e não quer senão ser feliz, e não pode
não querer sê-lo. Mas como fará para obter isso? Para o conseguir teria
de se tornar imortal, mas não o podendo ser, tomou o partido de deixar
de pensar nisso.”
Que
caminho seguir? “Vendo a cegueira e a miséria do homem, olhando todo o
universo mudo e o homem sem luz abandonado a si mesmo, e como que
perdido neste recanto do universo sem saber quem aqui o pôs, o que veio
cá fazer, aquilo em que se tornará ao morrer, incapaz de qualquer
conhecimento, entro em pânico como um homem que tivessem transportado
adormecido para uma ilha deserta e assustadora e que despertasse sem
conhecer onde está e sem meio de sair dela. E depois disso admiro-me
como não entramos em desespero por tão miserável estado. Vejo outras
pessoas junto a mim de uma natureza semelhante. Pergunto-lhes se estão
mais bem instruídas do que eu. Dizem-me que não, e, dito isto, esses
miseráveis extraviados tendo olhado em seu redor e visto alguns objectos
aprazíveis, a eles se entregaram e apegaram. Quanto a mim, não pude
apegar-me a nada e, considerando quanta manifestação há de outra coisa
mais do que aquilo que vejo, procurei descobrir se Deus não teria
deixado algum sinal de si.” “Se o homem não é feito para Deus, porque
não é feliz senão em Deus? Se o homem é feito para Deus, porque é tão
contrário a Deus?”
“Há
apenas três espécies de pessoas: umas que servem Deus tendo-o
encontrado, outras que se dedicam a buscá-lo, não o tendo encontrado,
outras que vivem sem o buscar nem o encontrar. As primeiras são sensatas
e felizes, as últimas são loucas e infelizes, as do meio são infelizes e
sensatas.” “A verdadeira natureza do homem, o seu verdadeiro bem, a
verdadeira virtude e a verdadeira religião são coisas cujo conhecimento é
inseparável.”
*Padre e professor de Filosofia
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN | 9 de dezembro de 2023
Fonte: https://e-cultura.blogs.sapo.pt/pascal-o-homem-e-deus-1592776
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