Jon Nazca/Reuters Diante de uma Europa em crise e consumida por interesses nacionais, é preciso reinventar |
É hora de o 'egossistema baseado no eu'
dar lugar ao ecossistema de vários atores sociais,
diz economista do MIT
As mensagens de ano-novo dos líderes europeus deram o tom do que o continente pode esperar em 2012. A chanceler alemã Angela Merkel assustou com o anúncio de "um ano sem dúvida mais difícil". O presidente Nicolas Sarkozy lamentou a crise não superada e preparou os ânimos dos franceses, que "terão as vidas testadas mais uma vez". Já no Brasil, com um discurso na mão contrária, a presidente Dilma Rousseff prometeu mais emprego e maior crescimento, ainda que moderado. "Estamos transformando um momento de crise em oportunidade e entrando numa era de prosperidade", garantiu ela no rádio.
Na avaliação do economista alemão Otto Scharmer - que esteve em São Paulo em dezembro a convite do Instituto de Democracia e Sustentabilidade -, a presidente Dilma tem fundamento para algum otimismo. Enquanto os "egoísmos nacionais" consomem a Europa e a "paralisia política" atrapalha os Estados Unidos, ele calcula que o ano pode ser próspero por aqui. "Grandes países como o Brasil têm enormes oportunidades, mas aproveitá-las dependerá de um modelo econômico que leve em consideração os principais desníveis da sociedade atual: o ecológico, o social e o espiritual". Três fatores que identifica como pilares da crise global.
Otto mora hoje em Boston, dá aulas no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é fundador do Instituto Presencing, centro de pesquisas de inovação e empreendedorismo social e ambiental, sediado em Cambridge, nos Estados Unidos. Na esteira de um ano de agito nas ruas, o economista avalia que entramos numa era de ruptura. "Nosso desafio agora é conectar o mundo que está morrendo com o outro que está sendo parido, dolorosamente, e nesse processo, reinventar a economia, a educação e a democracia." Entenda como, a seguir.
A bolha agrícola
"O discurso da Europa e dos Estados Unidos é repleto de previsões sombrias. Na verdade, qualquer um que entenda o básico de economia e política levanta perspectivas desanimadoras na melhor das hipóteses. Então, o que está acontecendo? Vejo três tendências coincidindo. Primeiro, a ascensão dos Brics e o declínio relativo da Europa e dos Estados Unidos. Segundo, o temor de que a bolha financeira no Ocidente resulte numa década perdida, como a do Japão. E, terceiro, a ameaça de uma próxima bolha a estourar, a agrícola. A nossa produção de alimentos não é sustentável e levou à destruição de um terço das terras agricultáveis do mundo em 40 anos. Em paralelo, temos os egoísmos nacionais na Europa e a paralisia política entre republicanos e democratas nos Estados Unidos, o que impossibilita ao sistema político em ambos os continentes chegar a respostas adequadas em relação a essas tendências. Toda crise é um grande momento de oportunidade, mas, enquanto nos apegarmos ao passado, estamos apenas fazendo mais do mesmo.
"No ano 2000, de acordo com a
Organização Mundial de Saúde,
três vezes mais pessoas se suicidaram
em relação àquelas que foram assassinadas."
1,5, 2,5 e 3
"Não acho que seja uma questão de otimismo ou de pessimismo. O que precisamos é de um novo modelo de pensamento econômico que vá além do falso discurso que vemos atualmente no Norte e no Sul. Esse discurso é o debate do século 20 entre os que são 'mais mercado' versus os 'mais governo'. A resposta, naturalmente, não está nessa dualidade. E sim em como podemos fortalecer a capacidade empresarial de inovar em grande escala. Como podemos reinventar o velho Estado de bem-estar do século 20 para que o governo permita a atividade empreendedora em vez de subsidiar a sua ausência? Grandes países como o Brasil têm enormes oportunidades, mas aproveitá-las dependerá da adoção de um novo modelo econômico que leve em consideração os três principais desníveis da sociedade de hoje: o ecológico, o social e o espiritual. Ou seja, como nos relacionamos com a natureza, com os outros e com nós mesmos. Resumo isso em três números:
1,5, 2,5 e 3. O primeiro representa a crise ecológica. Apesar de termos um só planeta, degradamos nosso capital natural numa escala brutal, usando os recursos de um planeta e meio, só para manter o nível atual de consumo. O desequilíbrio se manifesta nos desastres naturais, na escassez dos lençóis freáticos, nos preços de alimentos que dispararam.
O segundo número representa a crise social. Há 2,5 bilhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza.
O 3 dá a magnitude da crise espiritual e expressa as taxas crescentes de depressão, exaustão e suicídio. No ano 2000, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, três vezes mais pessoas se suicidaram em relação àquelas que foram assassinadas. Políticas econômicas cegas a essas três divisões vão trazer sofrimento às suas populações e aos outros, mais cedo ou mais tarde. Na maioria dos casos, mais cedo.
"Nosso desafio, enquanto agentes de mudança,
é fazer a conexão entre o mundo que está morrendo
e o outro que quer nascer.
E, nesse processo,
reinventar a economia,
a educação e a democracia."
Política de portas abertas
"Sinto que vivo em dois mundos. Um é o dos indicadores pessimistas que listei. Nele, as pessoas reagem às notícias com negação ou cinismo. Não sou depressivo porque vivo também num outro mundo, onde me conecto com os movimentos sociais, os empreendedores, os inovadores. Eles estão nos governos e no setor privado, começam com projetos pequenos, protótipos, ideias que vão amadurecendo e, às vezes, viram incríveis histórias de mudança. De uns anos para cá, o Brasil iniciou sua nova história. O país é uma inspiração, não só em termos de crescimento econômico. Também criou um novo paradigma de desenvolvimento, mais inclusivo. Outro exemplo concreto é a Indonésia. Depois dos atentados em Bali, em 2005, muitos achavam que o país ia se transformar no próximo Afeganistão e, basicamente, explodir numa guerra civil. Não aconteceu. Em vez disso, houve uma transição pacífica para a democracia. Como? Pela reinvenção do processo político e implementação de um modelo mais descentralizado de gestão, mais conectado com as demandas da população. Na Província de Bojonegoro, que tive a oportunidade de visitar esse ano, funcionários do governo se encontram semanalmente com a comunidade e são cobrados pela população. O que se fez ali foi fechar o ciclo de feedback entre governo e comunidade, eliminando uma comunicação mediada pela corrupção por uma de diálogo. Foi uma maneira de reinventar o processo democrático e fazer política com portas abertas.
Lições do ano velho
"Em 2011, vimos pessoas de todo o mundo se levantando contra instituições arcaicas baseadas na exclusão, como as tiranias do Oriente Médio, Wall Street e os megabancos. Isso me faz pensar que entramos numa fase da história que, em retrospecto, poderemos descrever como uma era de ruptura. Um sistema está morrendo e outro, baseado no diálogo, na inclusão de mais atores sociais, na autorreflexão e transparência, está sendo parido, dolorosamente. Nosso desafio, enquanto agentes de mudança, é fazer a conexão entre o mundo que está morrendo e o outro que quer nascer. E, nesse processo, reinventar a economia, a educação e a democracia.
De ego para eco
"Uma sociedade 4.0 é uma mudança de mentalidade. No passado, testemunhamos três estágios econômicos. O primeiro, centrado no Estado, é o estágio do planejamento e regulação. No segundo, viu-se o nascimento do setor privado, da competição como mecanismo de coordenação. Isso gerou muito crescimento e problemas, pobreza e desastres ambientais. Como resultado, veio o terceiro passo, de tentar amenizar as consequências negativas do livre mercado. Assim nasceu a previdência, os bancos centrais, as leis trabalhistas e os sindicatos. O que precisamos agora, e essa é a grande história da década, é de um quarto mecanismo de coordenação que vai complementar, não substituir, os outros três. Uma sociedade 4.0 é uma transição de uma abordagem egossistêmica, baseada no "eu", para uma conscientização compartilhada, que chamo de ecossistêmica. É uma situação em que vários atores sociais olham para um mesmo problema e produzem respostas espontâneas a partir de vários ângulos de visão. Vimos um pouco disso durante a crise do euro. Na Europa, os interesses nacionais estão colidindo com os do conjunto e não é fácil avançar além dos interesses de seu país. É um aprendizado doloroso, mas é hora de os líderes refletirem sobre si mesmos e sobre como evoluir, coletivamente. A próxima fase da evolução econômica dependerá do aprendizado de como trabalharmos e criarmos juntos. Fazer parcerias entre empresa, governo e sociedade civil. Inovar, não só em pequenos bolsões da sociedade, mas globalmente."
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Reportagem por Carolina Rossetti - O Estado de S.Paulo
Fonte: Estadão on line, 08/01/2012
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