quarta-feira, 22 de maio de 2024

A era da lacração e da cultura woke chegou ao fim? Tomara, estamos com saudade de rir

Por Lusa Silvestre 

Os wokes entraram em combate contra tudo que fosse, na visão deles, ofensivo. (Imagem ilustrativa) 

Os wokes entraram em combate contra tudo que fosse, na visão deles, ofensivo. (Imagem ilustrativa) Foto: PheelingsMedia - stock.adobe.com

Quando o pensamento surgiu, tinha valor - uma espécie de despertar, de estar consciente sobre os temas sociais e políticos, especialmente o racismo. Porém, com o tempo, essa ideia nobre degringolou


A vida é dialética; as ideias estão em constante luta umas com as outras. Durante um tempo, a sociedade fica mais pra cá, arrojada, derrubando tradições. Depois, o pêndulo vai pra lá – pra tempos mais comportados. Depende do cansaço de uma filosofia para outra entrar atropelando.

Veja os loucos anos 1920: festas, uísque de milho, o nascimento do jazz, decotes - a mulher mais libertária. Cubismo, dadaísmo, surrealismo. Semana de Arte Moderna. Um sujeito progressista diria “agora é ladeira acima”.

Só que não: os anos 50 foram de caretice e Sucrilhos. Tinha tido o crack da bolsa em 29, a Segunda Guerra Mundial - e alguma coisa precisava mudar. Aí a sociedade foi para o lado contrário: mulheres felizes como donas de casa, homens de terno cinza. E 2,3 filhos brancos, todos cis. Vieram os anos 60, outra negação do período anterior: festas de monte, Beatles, Stones, Cream, Woodstock, os hippies – pra encaretar na década de 90, com yuppies ganhando dinheiro a rodo na bolsa e ouvindo Mariah Carey.

Digo tudo isso porque estamos prestes a outra virada: o fim da cultura woke. Quando o pensamento surgiu, tinha valor - uma espécie de despertar, de estar consciente sobre os temas sociais e políticos, especialmente o racismo. Porém, com o tempo, essa ideia nobre degringolou. Criticando a partir de seus celulares, os wokes entraram em combate contra tudo que fosse, na visão deles, ofensivo. Claro que desse movimento surgiram questões como a discussão de gênero, o empoderamento da mulher, o combate ao etarismo, o respeito – causas valiosas. Só que virou um patrulhamento estilo Big Brother (o do livro).

Pois bem: ninguém aguenta mais ser patrulhado. Principalmente se quem critica ainda não fez nada na vida. Ou se o comportamento é da boca pra fora – façam o que eu digo, não façam o que eu faço. Os wokes condenam sem direito de defesa, um retrocesso civilizatório que nos joga lá na inquisição da Idade Média. O que surgiu como causa nobre acabou gestando um oportunismo social, onde pessoas e empresas detectam uma possibilidade de lacrar – e, mesmo não tendo nenhuma simpatia pelas causas, pulam na briga porque ganham seguidores.

Para termos uma ideia da chatice que isso aqui se tornou, basta ver o projeto do novo Branca de Neve. Não vai ter anão porque não pode. Não vai ter maçã envenenada porque o agro reclama. Não vai ter Rainha Má porque maldade não existe no mundo woke. Também não existe mais gente feia: a Rainha (que não é mais má) pergunta: “espelho, espelho meu, existe alguém mais justa do que eu?”. Sério: minhas gônadas caíram no chão. Parece que essa ideia de jerico foi descontinuada - sem querer ofender os bichos, claro. Não quero ser cancelado pelos amigos dos jericos, jumentos, asnos e perissodáctilos em geral.

Mas, então, o que fica no lugar do politicamente correto? Porque há chances de vir o contrário da cultura woke: o esculhambo total, com cada um falando o que quer sem ser responsabilizado. Aí esqueça as conquistas dos negros, dos LGTBQIA+, dos mais velhos. Esqueça o respeito. Como é comum aos conservadores, eles vão passar o trator. Literalmente.

Não sei o que vai dar. Como Chacrinha, venho para confundir. Digo o seguinte: a comédia vai ser beneficiada e vai renascer com força. Hoje, um roteirista tem medo de fazer piada porque todo mundo se ofende com pouco. Eu topo o caminho do meio: vamos manter uma cultura de respeito, sem condenar ninguém – mas na comédia pode sair zoando. Estamos com saudade de rir.

Fonte: https://www.estadao.com.br/cultura/a-era-da-lacracao-e-da-cultura-woke-chegou-ao-fim-tomara-estamos-com-saudade-de-rir/

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