'Crianças são um saco', confessam as mais honestas nesse assunto, e homens dizem que é 'sinistro na certa'
E os inteligentinhos descobriram a queda da natalidade. E, como sempre, justificam o fenômeno sabido há anos, com suas obsessões ideológicas: desigualdade social, aquecimento global, preconceitos estruturais e outros quebrantos.
O problema com os inteligentinhos não é só de repertório, é cognitivo. Assim como o politicamente correto e os "wokes", a condição inteligentinha danifica a capacidade semântica e lógica do entendimento.
Mas, para além dessas taras, o fato é que só quem tem filho hoje largamente são mulheres de adesão religiosa estrita ou pobres —logo, a desigualdade social funciona a favor da natalidade e não contra, mas vá explicar isso para quem pensa a partir de ideologias. Quem tem opção, não tem filhos.
Mas, como nossa sensibilidade hoje é moldada pela intencionalidade do marketing, mente-se para negar que no fundo dessa caixa de pandora encontramos a principal causa para não se ter filhos ou tê-los em "unidades isoladas": o velho pecado da preguiça. "Crianças são um saco", confessam as mulheres mais honestas nesse assunto. "Ter filho com uma mulher é sinistro na certa", confessam os homens mais honestos nesse assunto.
A "culpa" da baixa natalidade são os "avanços modernos" no comportamento causado pela liberdade de escolha. Quanto mais educação, mais sucesso profissional, mais opção a mulher tem, menos filho. E aí vem a mãe de sucesso na carreira postando o suposto amor dela pela sua única criança como contra argumento ao fato demográfico inquestionável e suas causas objetivas. Ou pior: acusa a demografia de ser misógina.
A liberdade de escolha, valor liberal por excelência, é sustentada pelo enriquecimento da sociedade capitalista e industrial. A acessibilidade a educação formal, ao voto, enfim, a acessibilidade as ferramentas sociais, políticas e científicas dão as mulheres e aos homens a possibilidade de dizer "não". E os argumentos do marketing de comportamento progressista empacotam a negativa para presente e para ninguém se sentir egoísta ou narcisista.
A verdade pura e simples é que ter filhos atrapalha a carreira das mulheres, mesmo que reportagens para mulheres mostrem uma bem sucedida CEO, mãe de três filhos, ainda linda aos 55 anos de idade, sorrindo e mandando em homens. O jornalismo, passo a passo, se transforma numa profissão entre o marketing ideológico deslavado e a pura e simples moda de comportamento que agrade os seguidores da marca.
Filhos dificultam se livrar de ex-parceiros, aumentam custos de contenciosos jurídicos, complicam a vida afetiva posterior, mesmo que gente do mercado da saúde mental escreva sobre novas formas de afetividade, família e parentalidade. Normalmente, quando se inventa um nome com ares científicos para condições humanas atávicas, estamos diante do mercado das quinquilharias que tudo curam.
E aí, a gritaria: a sociedade será de velhos —usando-se nomes politicamente corretos. Elogia-se pessoas de 60 que parecem ter 40 como "combate ao etarismo", mas o fato é que vem como pesadelo a ideia de que não existirão jovens para pagar a previdência, nem sustentar o Brasil em algumas décadas.
Gente aparece culpando o patriarcalismo, como sempre, o neoliberalismo, o cristianismo, o sexismo, enfim, os suspeitos de sempre. Ou: não tenho filhos porque já tem demais no mundo.
O duro mesmo é perceber que a liberdade de escolha e a busca da felicidade no mundo contemporâneo estão pondo a pique a sustentação demográfica da espécie nos seus setores "mais ricos".
Interessante ver como a racionalidade moderna não consegue lidar com as contradições engendradas pela aplicação em larga escala dessa mesma racionalidade em nível institucional. Fica correndo atrás do próprio rabo tentando achar uma saída que reforce o mito do progresso moderno em si.
O fato é que quase ninguém se suporta mais e que crianças não desmancham no ar ao sabor das modas de comportamento. Gritam, custam caro, crescem e dão trabalho. Quem quer isso?
Para gente como eu, que considera o Sapiens intrinsecamente psicótico, fica fácil entender o suicídio esclarecido da espécie.
* Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.
Fonte: Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.
Fonte: Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.
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