Por Leonardo Rodrigues
Psicólogo social Jonathan Haidt sustenta que uso de telas por crianças e adolescentes está diretamente relacionado a transtornos mentais
O livro “The Anxious Generation” (“A geração ansiosa”, em português), lançado em inglês no início de abril, traz um alerta para pais de crianças e adolescentes que passaram ou passam parte da fase inicial da vida diante de telas conectadas à internet. Segundo o autor, o psicólogo social Jonathan Haidt, esse hábito está diretamente relacionado ao crescimento da ansiedade, depressão e outros transtornos mentais pelo mundo desde a década de 2010.
O tom adotado sobre temas que são sensíveis para um grande número de pessoas — infância, tecnologia e saúde mental — manteve o título no topo da lista de mais vendidos de não ficção do jornal americano The New York Times por duas semanas. Mas enquanto algumas reflexões de Haidt reacenderam o debate sobre a responsabilidade das plataformas digitais em problemas sociais, outras foram associadas a puro alarmismo.
Neste texto, o Nexo apresenta as principais ideias de “The Anxious Generation” e detalha como elas se relacionam com as produções que mantêm esse tema no centro do debate público.
Modelos de infância
Jonathan Haidt nasceu em Nova York, nos EUA, em 1963. Doutor em psicologia social pela Universidade da Pensilvânia, ele acumulou experiências como professor e pesquisador na academia até se tornar um estudioso popular do comportamento e das relações sociais em um mundo mais digital, individualizado e em transição.
Em 2006, publicou “A hipótese da felicidade”, livro em que questionou algumas premissas da realização individual no século 21. Passou a publicar em veículos como a revista The Atlantic e escreveu ainda “A mente moralista: Por que pessoas boas são segregadas por política e religião”, em 2012, e “The Coddling of the American Mind”, em 2018, obra reconhecida por importantes publicações americanas. De lá para cá, se tornou uma voz constante em palestras e outras discussões sobre fenômenos da contemporaneidade.
O alerta de “The Anxious Generation” tem data de nascimento. Trata-se do início da década de 2010, quando a internet móvel de alta velocidade, os iPhones e as redes sociais se popularizaram mundialmente. Pais e avós, que não conviveram com essas ferramentas na infância, de uma nova geração: os nativos digitais.
Eram crianças e adolescentes até então criados de forma bastante protegida, com menos autonomia para vivenciar o “mundo real” do que seus pais, segundo o livro. Mas essa proteção foi colocada à prova no mundo conectado, onde os limites e os espaços que deveriam ou não ser acessados não estavam tão claros. As mudanças vieram com as longas horas diante das telas, interagindo com entidades virtuais em jogos e feeds. Para Haidt, foi assim que a centralidade da infância migrou da brincadeira para a conectividade, gerando quatro efeitos visíveis:
- Privação social
- Privação de sono
- Fragmentação da atenção
- Dependência
Segundo Haidt, esse conjunto de comportamentos teve impactos danosos para a saúde mental dessa geração. Dados da American College Health Association compilados no livro mostraram aumentos de 134% e 106%, respectivamente, nas taxas de ansiedade e depressão nos EUA de 2010 a 2019. No caso dos americanos de 12 a 17 anos, a taxa de depressão feminina cresceu 161%, e a masculina, 135%, de 2004 a 2022.
Na comparação entre adolescentes que usavam ou não redes sociais, os transtornos afetam mais o primeiro grupo. A relação entre as duas coisas fica demonstrada, para o psicólogo, quando uma adolescente é exposta a padrões estéticos inalcançáveis nas redes e desenvolve problemas de autoestima. Ou quando um adolescente tem acesso precoce à pornografia e enfrenta problemas de autoconfiança e ansiedade ao se relacionar sexualmente. Na psicologia, não havia precedente claro para essas situações.
Haidt considera que o poder público e as companhias digitais devem ser pressionados por uma mudança nas plataformas. Mas as principais atitudes para reverter o quadro de saúde mental estabelecido devem partir das próprias famílias. Para o psicólogo, há quatro atitudes a serem tomadas:
- Inibir o acesso a smartphones antes dos 14 anos
- Inibir o acesso a redes sociais antes dos 16 anos
- Afastar os celulares do ambiente escolar
- Estimular a autonomia e o livre brincar durante a infância
Os quatro passos descritos em “The Anxious Generation” serviriam para recuperar bases do período inicial da vida humana. Crianças e adolescentes chegariam à vida adulta mais protegidos da vida digital e mais autônomos para encarar o mundo real.
Alertas se acumulam
A tese do livro está ancorada ao pensamento de outros autores da psicologia social e de outras ciências que se debruçaram sobre o tema.
Em 2008, o professor Mark Bauerlein escreveu no livro “The Dumbest Generation” ( “A geração mais idiota”, em tradução livre) que o acesso desenfreado à televisão e aos videogames na infância formaria uma geração de “pessoas estúpidas”, pouco capazes de manter a concentração e absorver conhecimento.
Nove anos depois, a obra “iGen”, de Jean Twenge, examinou hábitos e estilo de vida de americanos nascidos entre 1995 e 2012 para concluir que jovens estavam perdendo maturidade emocional e autonomia ao substituir a interação humana pela virtual.
Em 2020, a psiquiatra Shimi Kang escreveu “Tecnologia na infância”, na qual aconselhou pais a afastarem seus filhos das telas. O objetivo era assegurar uma boa formação cognitiva e emocional dessas crianças, na linha do trabalho de colegas seus que diagnosticavam e tratavam crianças e adolescentes dependentes da tecnologia.
Mas foi também em 2020 que a pandemia de covid-19 mergulhou crianças e adolescentes ainda mais na hiperconectividade — em muitos casos, como vício. Enquanto algumas plataformas ficavam para trás, outras como o TikTok — rede social mais utilizada por brasileiros de 9 a 17 anos — surgiram para manter uma nova geração diante das telas. Transtornos mentais também se tornaram mais frequentes no período.
Críticos do trabalho de Haidt, no entanto, consideram que o livro não comprovou uma relação de causa e efeito entre a hiperconectividade e os transtornos. Isso porque, na década de 2010, período em que o autor baseia suas observações e pesquisa, a Organização Mundial da Saúde registrou uma tendência de queda nas taxas de suicídio de adolescentes em diversos países citados por Haidt.
Os índices são apontados por especialistas como dados mais concretos, porque não estão sujeitos à inflação de diagnósticos — a saúde mental se tornou um tema mais presente no debate público nesse período, o que pode intensificar a identificação e a busca por tratamento.
Outros estudiosos do tema consideram que teses como a de “The Anxious Generation”, ao responsabilizar as plataformas pela crise de saúde mental, ignoram um importante fator econômico: essa é a primeira geração com perspectivas financeiras piores que as de seus pais. E, para um jovem, a ideia turva de um futuro economicamente pior pode contribuir para um quadro de transtorno mental.
Mas mesmo entre os que discordam de Haidt, contudo, não há dúvida quanto ao fato de que a hiperconectividade alterou a forma de criar — e crescer — no mundo.
Fonte; https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/04/19/livro-the-anxious-generation-jonathan-haidt?utm_medium=email&utm_campaign=Nexo%20%20Hoje%20-%2020240502&utm_content=Nexo%20%20Hoje%20-%2020240502+CID_2eb940daaec1585d3ec05df96d443709&utm_source=Email%20CM&utm_term=The%20Anxious%20Generation%20o%20livro%20que%20tira%20o%20sono%20dos%20pais
Nenhum comentário:
Postar um comentário