Amâncio Jorge de Oliveira*
Brasil tem um ecossistema de ciência e inovação pujante e reconhecido internacionalmente. O País conta com a presença de fundações de apoio à pesquisa em todo o território nacional, um sistema nacional de pós-graduação responsável pela ampla maioria da produção científica nacional, universidades públicas (estaduais e federais) bem-posicionadas nos rankings internacionais, posição de destaque na produção de artigos científicos e cursos classificados entre os melhores do mundo.
Nada garante, contudo, que este sistema não possa sofrer reveses preocupantes. De tempos em tempos surgem sinais de risco. O mais iminente, e que vem mobilizando a comunidade científica do Estado de São Paulo e do País, diz respeito à possibilidade de corte orçamentário da Fapesp.
Figuram como riscos recorrentes a interrupção de programas críticos como o monitoramento de florestas, ações contra a autonomia das universidades públicas, fuga de pesquisadores para o exterior, depreciação da carreira de docentes e pesquisadores, campanha de descrença à ciência, dentre outros.
Não existe antídoto único capaz de neutralizar as diferentes frentes de ataques à ciência brasileira. É preciso atuar em todas essas frentes. Mas existe uma ação capaz de funcionar como elemento protetivo importante para a ciência e para o ecossistema nacional.
Trata-se da constituição de centros e programas de ciência da ciência, com presença e importância crescentes em diversos países. Research on Resarch Institute (UK), Institute of Science and Techonolgy Policy (George Washington University), Science of Science and Innovation Studies (Northwestern University) e o Centre for Science and Technology Studies (University of Leiden) são alguns exemplos. Outros estão surgindo na medida em que fica evidente que os estudos sobre o impacto da ciência nas sociedades precisam ser sistemáticos e não ocasionais.
Um centro de ciência da ciência usa métodos científicos para acompanhar a concepção, execução e impactos de programas e políticas científicas. Envida esforços para aprofundar conhecimentos sobre como funcionam os ecossistemas de pesquisa e, com base neste conhecimento, contribui para que ampliem a efetividade e os impactos positivos da pesquisa nos planos social, econômico, ambiental e intelectual. Trata-se, portanto, de criar evidências para demonstrar, comunicar e ampliar os impactos dos benefícios da ciência e da pesquisa para a sociedade.
É claro que as próprias instituições de fomento têm instrumentos de acompanhamento dos múltiplos impactos da ciência. Um bom exemplo foi o estudo produzido pela Fapesp responsável por mapear os impactos das pesquisas patrocinadas pelas instituições na produção de política públicas em outros países e em organismos internacionais. Outro bom exemplo é o acompanhamento do impacto dos investimentos em pesquisas na geração de novas empresas. São avaliações fundamentais e que devem seguir sendo implementadas. O maior desafio decorre do fato de que as iniciativas de ciência da ciência encontram-se disponíveis no Brasil, mas estão dispostas de forma fragmentada, sem a necessária escala e alcance.
A contribuição de centros de programas devotados à ciência da ciência seria a possibilidade de empreender estudos sobre a inter-relação entre as diversas instâncias de financiamento à pesquisa, assim como a comparação com práticas internacionais. Permite ainda avaliar a inter-relação entre diversas dimensões da prática científica, como financiamento, inclusão, práticas de avaliação, modelos de carreiras, desenhos institucionais de organizações científicas e assim por diante. Programas desta natureza são também conhecidos como “meta-pesquisa” ou “metaciência”.
A ciência da ciência traria, ainda, uma contribuição decisiva para a comunicação com a sociedade. A tradução para um amplo número de pessoas de como a ciência atua e de seus impactos e benefícios, em linguagem adequada, é parte inseparável dos centros dessa natureza.
A ciência precisa, urgentemente, apresentar-se à sociedade de outra maneira. Não basta dizer que é importante e quem a rejeita é negacionista, terraplanista e outros adjetivos que servem mais para distanciar que aproximar. Os argumentos favoráveis existem e são convincentes. Estão no encontro da ciência com a sociedade. É preciso estudá-los, descobri-los e comunicá-los adequada e sistematicamente.
*Professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Guilherme Ary Plonski, professor do Instituto de Estudos Avançados da USP, e Sérgio Salles-Filho, professor do Instituto de Geociências da Unicamp
Fonte: https://jornal.usp.br/artigos/a-urgencia-da-ciencia-da-ciencia/ Imagem da Internet
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