Bruno Nogueira Humorista*
Imagem Juan Cavia
Analisar o que nos rodeia foi a maneira que nós descobrimos de medirmos a distância que vai entre nós e alguma coisa. Fazemos o orçamento de cabeça, e é o resultado dessa medição que nos dá as contas finais que depois convertemos na opinião que temos sobre alguma coisa, ou sobre alguém.
A vida passa-nos à frente, e nós sentados numa poltrona de
veludo, a avaliá-la. É confortável ver à distância, porque não nos
envolve directamente com aquilo para onde estamos a olhar. Observar é um
acto que dificilmente se consegue dissociar de ter uma opinião. A
partir do momento em que vemos, não há como voltar atrás. É um trabalho
sujo feito de uma forma limpa. Avaliamos tudo, mesmo quando achamos que
estamos só a ver ao longe, sem julgamento, sem avaliação. Achamos que
ninguém sabe, mas estão todos a fazer o mesmo, cada um calado no seu
canto.
Analisar o que nos rodeia foi a maneira que
nós descobrimos de medirmos a distância que vai entre nós e alguma
coisa. Fazemos o orçamento de cabeça, e é o resultado dessa medição que
nos dá as contas finais que depois convertemos na opinião que temos
sobre alguma coisa, ou sobre alguém. O preconceito é a nossa primeira
língua de adultos, mesmo que a queiramos esconder. Aprendemos sem nos
darmos conta, vai-nos entrando nos ossos, e eis que começamos a ter
opiniões formadas precipitadamente, só apoiadas no que vemos, e no que
ouvimos, ainda antes de conseguirmos entrar a fundo no assunto. Estamos
sempre a tirar medidas a tudo o que se passa à nossa volta; temos um
computador de bordo que vai estudando tudo o que se cruza connosco, e
que acumula informações que se vão somando para nos servir em avaliações
futuras.
Alguém que chegue até nós depois disto, tem de nos convencer que não é
aquilo que nós já temos quase a certeza que é. Tem de desatar um nó
complexo, muitas vezes sem saber que o está a fazer diante dos nossos
olhos. Somos pequenos imperadores caprichosos, que vamos tecendo muito
subtilmente uma teia na nossa cabeça na forma daquilo que queremos ou
não queremos à nossa volta. Cruzamos as pernas, pousamos o queixo no
ombro, levantamos a sobrancelha, e o mundo que desfile à nossa frente,
que nós de bloco e caneta em riste logo tratamos de dizer o que achamos
dele sem nunca termos de nos levantar. Metemos tudo em caixinhas, para
não sermos apanhados de surpresa, e depois chamamos-lhe "intuição".
Criamos uma fortaleza para que, o que quer que venha, já tenha um livro
de recomendações que nos poupe ao sobressalto do imprevisto.
Temos pessoas que precisam de mais energia nossa do que aquela que às
vezes temos – vão para esta caixinha. Há umas que estão sempre bem
dispostas, e que nos conseguem tirar do pântano para onde nos arrastam
os dias maus – vão para esta. Temos outras que nos puxam para baixo, e
que por muito que tentem não conseguem ser leves – vão para esta. E
vamos usando cada uma em conformidade com o dia em que estamos, como se
fosse um guarda roupa emocional que vamos gerindo consoante o tempo que
estiver dentro de nós.
Esse julgamento que fazemos não é uma arma de arremesso, é antes uma
forma de nos salvaguardarmos. A roupa que veste, a maneira como fala,
como se comporta com outras pessoas, como anda, como olha para o outro.
Temos sensores ligados em todo o lado, e tudo à nossa volta está também
de sensores ligados. Partir para alguém sem preconceitos implicava
nascer outra vez e não saber nada sobre nada. A inocência é justa com o
outro, porque faz com que se parta sempre do zero. Na impossibilidade
desse vazio, resta-nos aceitar que somos como somos, pela soma de coisas
que nos foram acontecendo ao longo da vida. Umas vezes acertamos,
outras falhamos, e é no reparo dessa nossa constante precipitação que
reside a virtude de tentarmos ser melhores. Avaliamos os outros, e nesse
processo quase nos esquecemos que, no fundo, estamos a avaliar e a
dizer ao mundo aquilo que nós próprios somos.
*Humorista. Roteirista. Ator de TV. Cronista.
Fonte: https://www.sabado.pt/opiniao/cronistas/bruno-nogueira/detalhe/o-olhar-para-o-outro?&utm_source=Newsletter&utm_campaign=Editorial_S%c3%a1bado_EdicaoNoite+-+Alive&utm_medium=email&sfmc_segment=Alive&sfmc_term=Alive##utm##
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