Anselmo Borges*
"Não haverá paz enquanto os membros das três religiões monoteístas, que se reclamam de Abraão, se não tornarem activos, impedindo o fanatismo religioso. (...) Judeus, cristãos e muçulmanos devem reconhecer-se mutuamente e lutar pela paz. Esta é a mensagem de Roma para Jerusalém." FOTO: Ronaldo Schemidt / AFP
Neste espírito, relembro, por exemplo, uma Carta de Francisco ao Grande Imã de Al-Azhar, no Egipto, Amehd el-Tayeb: “A Santa Sé não deixará de recordar com urgência a necessidade de que se reate o diálogo entre israelitas e palestinianos em ordem a uma solução negociada, encaminhada para a coexistência pacífica de dois Estados dentro das fronteiras entre eles acordadas e reconhecidas internacionalmente, no pleno respeito pela natureza peculiar de Jerusalém, cujo significado está para lá de qualquer consideração sobre questões territoriais. Só um estatuto especial, também garantido internacionalmente, poderá preservar a sua identidade, a vocação única de lugar de paz a que apelam os Lugares Santos e o seu valor universal, permitindo um futuro de reconciliação e esperança para toda a região. Esta é a única aspiração de quem se professa autenticamente crente e não se cansa de implorar com a oração um futuro de fraternidade para todos.”
A quem se admire com este pedido de um “estatuto especial garantido internacionalmente” para Jerusalém, em ordem a preservar a paz, aconselho que relembre o acordo das Nações Unidas sobre esta temática, e a quem quiser aprofundar a questão, a leitura de duas obras monumentais do teólogo Hans Küng: O Judaísmo, O Islão.
Como é sabido e repito, em 29 de Novembro de 1947, por maioria sólida
e com o beneplácito dos Estados Unidos e da antiga União Soviética, as
Nações Unidas aprovaram a divisão da Palestina em dois Estados: um
Estado Árabe e um Estado Judaico, com fronteiras claras, a união
económica entre os dois e a internacionalização de Jerusalém sob
administração das Nações Unidas. Note-se que, apesar de a população
árabe ser quase o dobro, os judeus, que então possuíam 10% do
território, ficariam com 55% da Palestina.
O mundo árabe rejeitou a divisão e são conhecidas as guerras sucessivamente travadas.
Mas, à distância, mesmo admitindo a injustiça da partilha e as suas consequências - é preciso pensar na fuga e na expulsão dos palestinianos -, considera-se que a recusa árabe foi “um erro fatal” (Hans Küng). Aliás, isso é reconhecido hoje também pelos palestinianos, pois acabaram por perder a criação de um Estado próprio soberano pelo qual lutam.
Como se tornou claro, a guerra não gera a paz, que só pode chegar mediante o diálogo, a diplomacia, cedências mútuas, com dois pressupostos fundamentais: o reconhecimento pelos Estados árabes e pelos palestinianos do Estado de Israel e o reconhecimento por parte de Israel de um Estado palestiniano viável, independente, soberano. E Jerusalém?
Como já aqui escrevi, na continuação de Küng, o conflito do Médio Oriente é sobretudo político. Mas não haverá paz enquanto os membros das três religiões monoteístas, que se reclamam de Abraão, se não tornarem activos, impedindo o fanatismo religioso. Com base nos seus livros sagrados - Bíblia hebraica, Novo Testamento, Alcorão -, judeus, cristãos e muçulmanos devem reconhecer-se mutuamente e lutar pela paz. Esta é a mensagem de Roma para Jerusalém.
*Padre e professor de Filosofia
Fonte: https://www.dn.pt/5170813474/dois-estados-e-jerusalem/
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