MARTHA MEDEIROS*
Depois a gente cresce e o amor apresenta sua lista de exigências. Adequações. Palavras certas. Compatibilidade. Discussão de relação. Salários. Planos. Ciúmes. Projeções. Contrato de união estável. Filhos. Bodas. Traumas. Expectativas
Do primeiro, não lembro o nome. Era
mais baixo que eu, mais moço que eu, e loiro. Usava uma camiseta
listrada e um short. Nosso amor durou eternos 10 minutos. Eu estava
brincando sozinha no pátio interno do edifício, a empregada me cuidando
da janela do primeiro andar. Ele se aproximou e disse que tinha uma
lesma nojenta na parede do prédio, perguntou se eu queria ver, eu não
queria, mas ele estava falando comigo pela primeira vez e eu aceitaria
ir até o fim do mundo com ele. Fomos. Era uma parede lateral, escondida,
meu coração começou a bater. Chegando lá, não tinha lesma, não tinha
ninguém. Acho que ela foi embora, ele disse, e eu nem estranhei a
ligeireza da lesma, não pensava em mais nada, apenas que ele havia me
levado para um lugar em que ninguém podia nos ver. Ali ficamos. Eu
encostada contra a parede. Ele encostado contra a parede também, ao meu
lado. Os braços encostando um no outro. Acho que não foram 10 minutos,
foram menos, mas aquela tarde nunca acabou.
Do segundo, lembro
que era mais alto que eu, mais velho que eu, e não esqueci o nome.
Nossos pais eram amigos e nos levaram para a praia. Eu estava saindo do
mar, ele entrando. Ele passou por mim, mas não foi para o fundo. Eu saí
do mar, mas sentei na areia. Ele deu um mergulho, voltou e perguntou se
eu conhecia uma música. Eu estava de maiô vermelho, ele de calção
verde-musgo. Eu conhecia a música. Era minha música preferida, uma
música em inglês que eu não entendia nem uma palavra. "Sabe o que
significa o título?", ele perguntou? Eu achava que sabia, mas disse que
não. Eu nunca havia conversado com um menino desconhecido. Estava
nublado, mas nem parecia.
Do terceiro, lembro que eu tinha mais
de 10, quase mocinha. Ele bem mais velho, uns 12. Me tirou pra dançar
numa reunião dançante, eu de blusa preta e saia amarela, ele de camisa
branca bem passada. Eu coloquei meus braços sobre o ombro dele, ele
colocou os dele na minha cintura. Tocava um Barry White que começava
lento, mas no meio a música ficava animada. Mesmo assim, ele não tirou a
mão da minha cintura. Os outros casais dançavam separados, mas ele me
abraçou um pouquinho mais. Eu rocei com minha mão num cacho dele. Que
vergonha, eu pensei. Está todo mundo olhando. Abaixei a cabeça e sorri.
Como estou sorrindo agora, recordando.
Depois a gente cresce e o
amor apresenta sua lista de exigências. Adequações. Palavras certas.
Compatibilidade. Discussão de relação. Salários. Planos. Ciúmes.
Projeções. Contrato de união estável. Filhos. Bodas. Traumas.
Expectativas. O meu ex, a sua. Terapia. Amantes. Lágrimas. Dor. Volta
pra mim. Vai embora. Pensão. Cansaço. Destino.
Queria
reencontrar o garoto que encostou o braço dele no meu quando fomos atrás
de uma lesma que não existia. Dizer ao garoto da praia que eu gosto
daquela música até hoje. Acarinhar a atual calvície do garoto dos
cachos. E segurar a mim mesma pela cintura, me conduzindo de volta
àquela inocência, àquele encantamento e àquele desejo que bastavam.
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* Jornalista. Escritora. Colunista da ZH
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/martha-medeiros/noticia/2018/06/amores-inocentes-cjiqsogj10fse01pajrvrrczb.html 23/06/2018
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