Consumidores
de livros digitais têm percepção reduzida da posse desse itens em relação
à
sensação de ter livros físicos
Posse de
bens digitais é diversa por fatores como impessoalidade e impossibilidade de
presentear ou doar uma obra literária
Um estudo publicado em maio de 2018 na revista Electronic Markets indica
que a experiência psicológica de possuir livros digitais difere da sensação de
ter livros físicos. Feito por pesquisadores da Universidade do Arizona e
Universidade Towson, ambas nos Estados Unidos, o estudo “Consumer
interpretations of digital ownership in the book market” (Interpretações da
propriedade digital pelo consumidor no mercado livreiro, em tradução livre)
confirma a percepção já relatada, informalmente, por leitores e profissionais
do mercado editorial.
A digitalização de livros e outros produtos de informação transformou a
interação de pessoas com esses bens, segundo o estudo.
Com o objetivo de explorar “como consumidores conceituam a posse de bens
digitais” (se e-books, no caso, são percebidos como sendo “deles” mesmo sendo
imateriais, armazenados em uma “nuvem”), a pesquisa entrevistou grupos focais
de consumidores americanos.
Metodologia
Os participantes dos grupos focais foram recrutados com base na
utilização de tecnologias digitais e e-books. Foram formados quatro grupos,
divididos segundo categorias geracionais.
Um total de 31 pessoas – 26 mulheres e 5 homens – participaram de quatro
sessões de uma hora de duração cada. O desequilíbrio no gênero entre os membros
foi puramente incidental.
Os dados qualitativos da pesquisa foram extraídos de transcrições das
conversas com os grupos.
Os seis
temas
A partir dos dados extraídos dos grupos focais, os pesquisadores
identificaram seis temas principais que esclarecem o “significado” da posse de
bens digitais para as pessoas.
1)
Limitações na posse do
livro digital restringem sua experiência de uso
A posse de um livro digital possui algumas limitações. Restrições de
compartilhamento, por exemplo, são parte da gestão dos direitos digitais do
produto, imposta pelas editoras como meio de impedir a perda de receita que
seria causada pelo compartilhamento ilimitado do arquivo.
Os participantes relataram frustração e sensação de injustiça
relacionados a esse controle. Cientes das limitações jurídicas mas acostumados
aos direitos de propriedade normalmente associados à aquisição de bens físicos,
não aceitam o fato de não ter plenos direitos sobre um bem após a compra.
Para eles, o custo dos e-books não corresponde ao valor experimentado no
uso e na posse desses bens. Deveriam ser mais baratos.
2)
Esse controle limitado
sobre a posse do e-book prejudica as trocas sociais e o estabelecimento de
conexões
Donos de livros digitais não têm a possibilidade de vender, emprestar,
doar ou dar esses livros de presente. Pelo menos não com a mesma facilidade com
que fariam com um livro físico.
Por inibir as interações sociais mediadas pelo livro, o livro digital
acaba levando a uma percepção reduzida da posse, tanto no aspecto psicológico
quanto legal.
Embora a Amazon permita o empréstimo de e-books adquiridos na
plataforma, participantes argumentaram ser um procedimento mais complicado em
relação ao livro físico.
3)
Senso de identidade,
pertencimento e vínculo são maiores a partir de livros físicos
A imaterialidade dos livros digitais prejudica a habilidade de quem os
têm de se relacionar com eles como únicos ou pessoais, impedindo que se crie um
senso de identidade a partir deles, de desenvolver apego e sentimento de posse.
Nesse aspecto, o ato de fazer anotações ou grifos em um livro físico foi
citado como um meio de torná-lo “seu”. Embora leitores digitais apresentem
essas mesmas opções, notas ou destaques digitais não pareceram facilitar o
sentimento de personalização relativo ao e-book.
O cheiro, o tato e as informações trazidas pela capa e contracapa dos
livros físicos também foram mencionados por participantes. Segundo o estudo, o
emprego de diferentes sentidos na interação com o bem em questão realça a
percepção de posse.
A exibição de uma coleção de livros foi levantada, ainda, como um fator
importante na expressão da identidade do indivíduo, o que só teria sentido com
livros físicos.
O caráter temporário e facilmente substituível do livro digital indicam
falta de conexão de quem o possui com relação a ele.
4)
Estilo de vida minimalista
estimula preferência por livros digitais
Apesar de reconhecerem a sensação de posse do e-book como reduzida,
alguns participantes veem a posse como um fardo e usam produtos digitais para
se livrar do trabalho de manutenção (como tirar pó) e requisitos para o armazenamento
(como espaço) associados a livros físicos.
5)
Preferência pelo valor de
uso estimula uso de livros digitais
E-books oferecem vários benefícios específicos, derivados do uso do
produto, e não de sua posse. O acesso facilitado a um grande número de títulos
vem ganhando aceitação de consumidores.
Os hábitos de consumo de diversos participantes eram mais próximos do
aluguel do que da compra. Outros acessam conteúdo digital de bibliotecas,
alternativas que tornam as restrições de propriedade mais aceitáveis no ponto
de vista dos consumidores de livros digitais.
6)
Jovens não necessariamente
preferem o digital
A suposição típica de que consumidores mais jovens preferem produtos
digitais não foi confirmada pelo estudo.
Os grupos focais do estudo foram divididos de acordo com um critério
geracional, com o objetivo de examinar se hipóteses relacionadas à adoção da
tecnologia por gerações distintas impactariam a maneira como participantes
interagem com seus bens digitais.
Os “millennials” (nascidos entre 1982 e 2000, segundo considerou o
estudo), frequentemente descritos como “letrados” em tecnologia, mostraram, no
geral, uma atitude mais negativa com relação aos e-books do que o esperado.
O grupo etário mais jovem manifestou forte preferência por livros
físicos, o que difere significativamente dos grupos mais velhos, nos quais a
adoção do e-book pareceu mais difundida, que valorizam funções como a
possibilidade de aumentar o tamanho a fonte do texto.
Independentemente da idade, quase todos os participantes se mostraram
fortemente apegados aos livros físicos em determinadas circunstâncias e
contextos e nenhum se declarou confortável com a ideia de uma experiência de
leitura integralmente digital.
Os resultados sugerem que o produto digital poderia se
beneficiar da emancipação de seu correlato físico. “Descobrimos que os
consumidores que associam o consumo digital aos significados de propriedade
tradicionalmente ligados a bens materiais mostraram maiores níveis de
frustração [com relação à posse de itens digitais]”, diz o estudo.
Reportagem por Juliana Domingos de Lima / 05 Jun 2018
Foto: Maarten van Den Heuvel/Creative Commons
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/06/05/Como-%C3%A9-a-experi%C3%AAncia-de-ter-livros-f%C3%ADsicos-ou-e-books-segundo-este-estudo?utm_campaign=anexo&utm_source=anexo
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